O globo, n.30.005, 01/10/2015. País, p. 3

 

A confirmação suíça

MP do país europeu informa que localizou contas de Cunha e de seus parentes, e bloqueou valores

“Com a transferência do processo, o Estado suíço renuncia à sua jurisdição para a causa, que passa a ser do Brasil e de competência do Supremo Tribunal Federal” Procuradoria- Geral da República

Presidente da Câmara é suspeito de lavagem de dinheiro e corrupção passiva naquele país; investigação é transferida para o MP brasileiro, que já apura acusações contra o deputado na Lava- Jato

ANDRE COELHO Eduardo Cunha. “Tenho que cumprir a orientação do meu advogado, que me proibiu de falar. Se eu falar, é capaz de ele não querer me defender mais”, disse o peemedebista

Uma investigação criminal por suspeita de corrupção e lavagem de dinheiro contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), foi aberta pelo Ministério Público da Suíça em abril e transferida ontem para a Procuradoria-Geral da República no Brasil, que já investigava o deputado por acusações relacionadas à Lava- Jato. O MP suíço confirmou a existência das contas em nome de Cunha e parentes. Parte do dinheiro já foi bloqueada. Por ser brasileiro nato, Cunha não pode ser extraditado, informou a Procuradoria em nota. Semana passada, um preso pela Lava- Jato revelara ter feito depósito numa conta de Cunha na Suíça. - BRASÍLIA- O Ministério Público da Suíça transferiu ontem para o Brasil uma investigação sobre o envolvimento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), com corrupção passiva e lavagem de dinheiro desviado da Petrobras. Na fase inicial da investigação criminal, procuradores suíços localizaram e bloquearam contas em nome de Cunha e de parentes do deputado. As informações foram confirmadas ontem pela Procuradoria- Geral da República.

“As informações do MP da Suíça relatam contas bancárias em nome de Cunha e familiares. As investigações lá iniciaram em abril deste ano, e houve bloqueio de valores”, diz a Procuradoria em nota. No texto, a instituição informa que o Ministério Público da Suíça despachou ontem mesmo “os autos da investigação contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, por suspeita de lavagem de dinheiro e corrupção passiva” para o Ministério Público brasileiro, por intermédio das autoridades governamentais dos dois países, como determina a lei.

“Com a transferência do processo, o Estado suíço renuncia à sua jurisdição para a causa, que passa a ser do Brasil e de competência do Supremo Tribunal Federal, em virtude da prerrogativa de foro do presidente da Câmara”, diz a nota. Os documentos serão recebidos pelo Departamento de Recuperação de Ativos, do Ministério da Justiça, e transferidos para a Procuradoria- Geral. Caberá ao procurador- geral da República, Rodrigo Janot, decidir se pede abertura de novo inquérito sobre mais um caso de corrupção ou se apresenta uma segunda denúncia contra Cunha.

DEFESA DO DEPUTADO NÃO NEGA CONTAS

À noite, a defesa de Cunha distribuiu nota dizendo que “desconhece qualquer procedimento investigatório realizado” na Suíça, motivo pelo qual está “impedida de tecer comentários acerca dos supostos fatos noticiados”. Na nota, a defesa do deputado não nega a existência das contas na Suíça em nome de Cunha e de parentes:

“A defesa do deputado Eduardo Cunha está pronta para prestar os devidos esclarecimentos que se façam necessários, mas mantendo a sua postura de se manifestar exclusivamente nos autos dos processos, e caso formalmente questionada pelas autoridades competentes”.

Anteontem, Cunha evitou responder se tem contas no exterior, dizendo que não iria cair em “armadilhas”. Ontem, continuou evitando falar:

— Não falo sobre esse tipo de situação. Já está muito claro para mim que a cada dia sempre surge uma coisa nova. Meu porta- voz será sempre meu advogado. Não ficarei todo dia comentando. Tenho que cumprir a orientação do meu advogado, que me proibiu de falar. Se eu falar, é capaz de ele não querer me defender mais.

Em 20 de agosto, Janot denunciou Cunha por corrupção passiva e lavagem. Ele é acusado de se associar ao lobista Fernando Soares, o Baiano, e o ex- diretor da área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, e cobrar propina para facilitar a contratação, pela Petrobras, de dois navios- sonda da Samsung Heavy Industries.

As informações sobre contas bancárias na Suíça podem complicar a situação de Cunha diante da Receita Federal e da Justiça Eleitoral. Na declaração de bens apresentada pelo deputado ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio, não há registro sobre movimentações financeiras fora do país.

O Ministério Publico da Suíça abriu investigação sobre Cunha em abril. Ele é suspeito de receber propina em transação relacionada a vazamento de informação privilegiada e venda, para a Petrobras, de um campo de petróleo no Benin.

Parte das suspeitas das autoridades suíças foi confirmada pelo lobista João Augusto Rezende Henriques. À PF em Curitiba, sexta- feira passada, Henriques disse que fez depósito numa conta e, mais tarde, descobriu que ela pertencia a Cunha. A conta destinatária do pagamento foi indicada a Henriques pelo lobista Felipe Diniz, filho do ex- deputado Fernando Diniz ( PMDB- MG), já falecido, exaliado de Cunha.

Henrique disse que fez o depósito em retribuição à venda de um campo de Petróleo no Benin à Petrobras. A transação só foi possível graças a uma informação privilegiada que ele recebeu. A partir da informação, o lobista se encontrou com o empresário Idalecio de Oliveira, que seria o dono de um terreno em Benin. Eles fizeram uma sociedade e venderam a área por US$ 15 milhões para a Petrobras. Após a operação, ele teria embolsado US$ 7,5 milhões. Em seguida, fez pagamentos para pessoas que o ajudaram no negócio.

Após a citação ao nome de Cunha, o depoimento do lobista foi enviado a Teori Zavascki, relator da Lava- Jato no STF. Na nota em que explica a transferência das investigações para o Brasil, a PGR diz que Cunha não pode ser extraditado para outro país. Foi uma das razões que levaram os suíços a repassar a apuração aos procuradores brasileiros.

“Por ser brasileiro nato, Eduardo Cunha não pode ser extraditado para a Suíça. O instituto da transferência de processo é um procedimento de cooperação internacional, em que se assegura a continuidade da investigação ou processo ao se verificar a jurisdição mais adequada para a persecução penal”, diz o texto. Segundo uma autoridade brasileira, a transferência de uma investigação entre países em geral ocorre quando o investigado não pode ser transferido para o país sede da apuração criminal. Os entraves para a extradição inviabilizariam qualquer tentativa de punição do acusado.

No texto, a PGR informa ainda que, num procedimento similar ao de Cunha, o Ministério Público da Suíça já transferiu ao Brasil uma investigação sobre Nestor Cerveró, ex- diretor da Área Internacional da Petrobras. Na denúncia formulada contra Cunha em agosto, Janot pede que ele devolva ao cofres públicos US$ 80 milhões. São US$ 40 milhões refentes a suposta propina cobrada de Júlio Camargo, lobista da Samsung Heavy Industries, e outros US$ 40 milhões a título de multa.

Janot fez a primeira denúncia contra Cunha com base em depoimentos de Alberto Youssef, um dos delatores da Lava- Jato, e de Júlio Camargo, além de vários documentos. Entre as provas estão registros de que Cunha usou dois requerimentos de informações de uma das comissões da Câmara para pressionar Camargo a pagar a parte final da propina, US$ 10 milhões. Desde então, MPF e PF obtiveram outros indícios sobre o suposto envolvimento de Cunha com a corrupção na Petrobras.

Líderes partidários foram cautelosos ao comentar a situação de Cunha. A maioria adotou a linha de que, por enquanto, não há motivo para que ele se afaste da presidência da Câmara.

— Acho que o processo investigatório tem que seguir seu curso na forma da lei. Sou contra qualquer prejulgamento. A garantia deve ser a presunção da inocência. Do presidente da Câmara, inclusive. Até que se conclua o processo, não vejo razão para que ele deixe de exercer suas atribuições — disse o deputado Leonardo Picciani ( PMDB- RJ), líder do partido de Cunha.

Líder do Solidariedade, Arthur Oliveira Maia ( BA), próximo de Cunha, foi na mesma linha:

— Até que haja condenação, é muito difícil aos parlamentares que não conhecem o processo avaliarem se é um caso mais sério ou menos sério do que o do deputado A,B, C ou D.

O líder do PPS, Rubens Bueno ( PR), disse que Cunha pode ser afastado da presidência antes de condenação. Mas isso, afirmou, deve ocorrer só no momento em que a Justiça aceitar a denúncia.

— Se for denunciado, e a denúncia, aceita, vamos ter que nos reposicionar — disse Bueno.

O líder do PT, Sibá Machado ( AC), não quis comentar o assunto.