O globo, n.30.005, 18/10/2015. País, p. 3

A vitrine de Dilma em xeque

Governo corta verbas de pelo menos sete
programas de quatro ministérios

Na Educação, os cortes atingem principalmente um dos programas mais exaltados na campanha da reeleição, o Pronatec

Ajuste fiscal ainda afetou o Fies, destinado ao ensino superior. Oferta de vagas caiu 75% entre o primeiro e o segundo semestre deste ano. Ciência sem Fronteiras também não cumprirá meta inicial de 101 mil bolsas

Pelo menos sete programas sociais do governo Dilma foram afetados pela crise econômica e o ajuste fiscal. Dois deles ( Pronatec e Aquisição de Alimentos) sofreram corte de R$ 2,48 bilhões no orçamento de 2016, em relação a este ano, assim como o Farmácia Popular, que ficará sem R$ 578 milhões para subsidiar a compra de medicamentos com descontos de até 90%. De 2014 para 2015, a verba do Água para Todos caiu de R$ 800 milhões para R$ 250 milhões. A crise econômica e o ajuste fiscal levaram o governo federal a fazer cortes em pelo menos sete programas sociais, alguns exibidos como bandeiras de campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff. Somente em dois deles (Pronatec e Aquisição de Alimentos) os gastos previstos no orçamento de 2016 caíram R$ 2,487 bilhões em relação à previsão de despesas deste ano. O governo cortou, no orçamento do próximo ano do Farmácia Popular, R$ 578 milhões para subsídios na compra de medicamentos vendidos na rede conveniada, o que permite descontos de até 90% no preço dos remédios. Dilma, que chegou a prometer que a área social seria poupada, já admitiu cortes no setor.

Há casos de programas, como o Minha Casa Melhor (de aquisição de móveis e eletrodomésticos para beneficiados pelo Minha Casa Minha Vida) que tiveram suas contratações suspensas em fevereiro deste ano. Outros já haviam sofrido cortes drásticos em 2015. O Água para Todos, por exemplo, destinado a garantir água para regiões carentes, teve uma queda de R$ 550 milhões, se comparado o orçamento de 2014 com o deste ano.

No caso do Fies, a oferta de vagas do primeiro para o segundo semestre de 2015 ano caiu 75%. Além disso, os juros cobrados subiram de 3,5% para 6,5% ao ano. Entre 2014 e 2015, o programa já sofrera uma redução de 418 mil vagas (de 731 mil para 313 mil). Já o Ciência sem Fronteiras sofre um baque no número de bolsas oferecidas para interessados em estudar no exterior. O objetivo inicial, anunciado em 2011, era distribuir 101 mil bolsas até o fim deste ano. Mas o painel de controle do próprio programa informa que a meta não será alcançada. Até o primeiro trimestre de 2016, serão 87 mil bolsas oferecidas.

A redução dos investimentos prejudica a vida de quem depende dos programas sociais, entre eles, os produtores rurais. A Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB) afirma que em estados como São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná, o governo não renovou contratos de fornecimento de alimentos este ano, tampouco informou aos produtores com antecedência que o programa sofreria cortes. Com isso, os alimentos que já haviam sido plantados e estão em ponto de colheita vêm sendo descartados e até mesmo jogados aos porcos.

— Foi um desastre. Era a nossa sobrevivência. A gente não sabe o que vai acontecer daqui para frente — conta Lucilei Guilhem, presidente da Associação Nossa Senhora Das Graças e Malu, em Caiuá, interior de São Paulo.

A Confederação de Trabalhadores na Agricultura (Contag) confirma o impacto dos cortes e diz receber reclamações de atrasos de pagamento aos profissionais rurais. O governo nega a falta de pagamentos e cortes, mas confirma a redução do orçamento do programa este ano e também na previsão orçamentária de 2016. Enquanto em 2014 o orçamento do Aquisição de Alimentos era de R$ 1 bilhão, este ano a previsão de gastos já havia caído para R$ 647 milhões. Desse montante, foram gastos até setembro R$ 300 milhões. A previsão de orçamento para 2016 é de R$ 560 milhões.

— Já enviamos diversos documentos pedindo ao governo que o orçamento se recomponha. Recebemos reclamações de vários estados falando sobre a falta de pagamento aos agricultores — conta Alberto Broch, presidente da Contag.

Em Goiás, a presidente da Cooperativa Mista Agropecuária dos Produtores Rurais de Ferninópolis, Luciana Naves, conta que enviou à Conab o projeto de 2015, com o que cada agricultor continuaria a produzir, mas os contratos não foram celebrados.

— Enviamos o projeto de 2015 e a Conab aprovou. Mas, no fim de agosto, tivemos a má notícia de que a verba para atender aos projetos estava cortada. Pegaram-nos de surpresa. Não fomos orientados a não fazer o projeto e os produtores se organizaram para entregar esses produtos. São 84 famílias cadastradas pela cooperativa e a maioria tem esse valor como uma forma de sobrevivência. Nunca passamos por essa situação antes — diz.

Na pasta da Educação, os cortes atingem principalmente um dos programas mais exaltados durante a campanha presidencial, o Pronatec. O programa sofreu corte de mais da metade em seu orçamento para 2016, em comparação com o gasto previsto para 2015, que é de R$ 4 bilhões. Na lei orçamentária apresentada à Câmara pelo governo, a previsão caiu para R$1,6 bilhão no próximo ano. Do montante previsto para 2015, foram executados até setembro R$ 2,4 bilhões. O Pronatec terá este ano um milhão de vagas, um terço do oferecido em 2014.

Sobre a redução dos investimentos nos programas, o MEC afirma que tem trabalhado para viabilizar as metas do Plano Nacional de Educação e, para tanto, todos os programas e ações do ministério estão mantidos e terão continuidade no próximo ano. Porém, diante da situação fiscal pela qual passa o país, o ministério terá que fazer mais com menos.

SUSPENSÃO NO CRÉDITO PARA MOBILIAR A CASA

Lançado em junho de 2013, o Minha Casa Melhor, da Caixa, foi suspenso no fim de fevereiro deste ano e não há previsão de retomada das contratações. O objetivo do programa era oferecer linha de crédito para aquisição de móveis e eletrodomésticos para os beneficiários do Minha Casa Minha Vida. Dos R$ 3 bilhões destinados ao programa, aproximadamente R$ 2,92 bilhões foram utilizados. Cerca de 700 mil famílias utilizaram o cartão, segundo o banco.

Ainda na área da habitação, o governo afirma que pretende investir este ano R$ 250 milhões no programa Água para Todos. Deste montante, foram gastos R$ 204 milhões até setembro. Os investimentos estão bem abaixo do valor de 2014, quando foram gastos R$ 800 milhões no programa. Para 2016, a previsão orçamentária é de R$ 268 milhões. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, o programa continua, e, desde 2011, já beneficiou mais de cinco milhões de pessoas com “tecnologias de abastecimento de água”.

Na área da Saúde, a navalha vai passar pelo Farmácia Popular. A doação de remédios vai continuar, mas o governo acabará com subsídios de R$ 578 milhões, que garantiam descontos nas farmácias e drogarias da rede privada com a identificação “Aqui tem farmácia popular”.

Com o fim do cofinanciamento de medicamentos, a Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa) estima que cerca de três milhões de pessoas devem deixar de ser beneficiadas. A modalidade oferece tratamento para colesterol, osteoporose, mal de Parkinson, glaucoma e rinite.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que os medicamentos cofinanciados ofertados como parte do programa integram a Relação Nacional de Medicamentos (Rename) e, portanto, devem ser ofertados na rede pública de saúde, independente da disponibilização no Programa Farmácia Popular.

Sobre a redução nos programa sociais, o Ministério do Planejamento afirma que, em momento de cenário restritivo, escolhas precisam ser feitas. Segundo a pasta, a prioridade é pagar o que já está contratado e alterar o calendário de novas ações. O objetivo é reduzir os restos a pagar, com menos limite orçamentário e mais limite financeiro. (* Estagiário, sob supervisão de Maiá Menezes)