O globo, n.30.022, 18/10/2015. Opinião, p.17

Imposto para as girafas

Antes de propor qualquer aumento de tributos, o governo deve, comfirmeza, implantar uma redução efetiva das despesas

Grande parte de minha vida profissional foi dedicada ao Direito Tributário. É a minha área de especialização, na qual fiz mestrado e fui professor durante muitos anos. Além de advogar, publiquei artigos, participei de debates e cheguei a acreditar que se poderia fazer uma reforma tributária. Esse sonho se desfez, para ser preciso com os fatos, ainda no fim do governo FH, quando o exgovernador Germano Rigotto, responsável pela reforma no Congresso, jogou a toalha e desistiu. Achei que era o momento também adequado para deixar de ser ingênuo a esse respeito.

Ocorre que esse problema não termina, ele é central para qualquer país. Se analisarmos os debates políticos em todo o mundo civilizado, veremos que o sistema fiscal é sempre fundamental. Estamos nesse instante soterrados por muitos impostos e pelas ameaças de novos.

Há poucos anos atrás, no governo Itamar Franco, tínhamos uma carga tributária de cerca de 28% do PIB. Hoje, ela está em 36%. Todas as maiores economias do mundo, Estados Unidos, China e Japão têm carga abaixo de 30%. O que se vê até agora é um enorme esforço em eleger quaisquer situações fiscais que possam aumentar a arrecadação. Apenas isso. As promessas de redução de despesas se dissiparam e se transformaram em retórica. O ministro Joaquim Levy, de quem se esperava a coordenação de um projeto de recuperação macroeconômica, vem perdendo densidade e diluindo-se nessa proposta única de aumento de tributos.

Antes de propor qualquer aumento de tributos, o governo deve com firmeza implantar uma redução efetiva das despesas. Isso por si só não dará conta do recado, mas apenas com ela o governo terá legitimidade para aumentar sua arrecadação. Temos buscado fórmulas para cobrir déficits sucessivos. O país não cabe na conta. Precisamos inverter essa equação. Pensar fora dessa caixa. Temos que desenhar uma conta na qual caiba o nosso país.

Divido com o leitor meu espanto por um caso real que parece um conto de Kafka ou Borges. Chegará ao Supremo uma discussão sobre tributação de girafas importadas por um zoológico de Santa Catarina e outro nos Estados Unidos. A Fundação Hermann Weege, que mantém o zoológico, permutou 32 aves nacionais por três girafas. Foi autuada. As girafas foram consideradas como bens e assim passíveis de tributos pelos fiscos federal e estadual.

O juiz da Suprema Corte americana Oliver Wendell Holmes, em famosa decisão, sustentou com orgulho que “quando pagava impostos, comprava civilização”. A população precisa saber quanto se arrecada e como é gasto o que vem de todos nós. Não há dinheiro público. O dinheiro só vem dos contribuintes ou quando o Estado vende algum ativo, o que é excepcional. O que mantém o Estado de forma permanente é o que pagamos sob a forma de tributos. Só traremos civilização para a questão fiscal se a população passar a entender como funciona esse sistema.

Voltemos ao nosso caso. Estão sendo cobrados US$ 8 mil de impostos. Por hipótese, será necessário vender uma girafa em leilão para quitar o débito e ficar com as outras duas? Nonsense absoluto. Não é mais importante do que arrecadar esse valor, liberar a troca desses animais que não nascem em nosso continente, permitindo serem conhecidos pelas crianças e pela população? Isso parece ser civilização.

Alegra-me pensar que, do alto de seus enormes pescoços que lembram figuras do pintor Modigliani, andando com suas finas e longas pernas de manequim, as girafas nos olhem com superioridade e desprezo.