Resistência até na base

 

Catarina Alencastro, Cristiane Jungblut, Júnia Gama, Isabel Braga, Evandro Éboli, Bárbara Nascimento, Washington Luiz e Simone Iglesias

O globo, n. 29990, 16//09/2015. País, p. 3

 

Presidente da Câmara, Cunha diz que proposta de novo imposto sobre movimentações financeiras só deve ser votada no ano que vem e é ‘ insuportável’; parlamentares também reagem a uso de emendas para Saúde e PAC

Empenhada em convencer o Congresso a aprovar o pacote de cortes de despesas e aumento de impostos, com a volta da CPMF, a presidente Dilma ouviu ontem dos líderes aliados que enfrentará dificuldades tanto na Câmara como no Senado. Além da resistência à recriação da CPMF, governistas reclamaram do adiamento do reajuste dos servidores e das propostas de usar emendas parlamentares para financiar projetos na Saúde e no PAC. Dilma anunciou que a reforma ministerial será divulgada até a próxima quarta- feira. - BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff recebeu ontem um recado claro dos líderes dos partidos da base aliada sobre a dificuldade para aprovar as medidas do pacote fiscal, anunciado na segundafeira. Durante dois encontros, com as bancadas da Câmara e do Senado, Dilma ouviu relatos sobre a dificuldade de aprovar aumentos de impostos em momento de crise econômica, e críticas pelo adiamento do reajuste dos servidores e pelas propostas de utilizar verbas de emendas parlamentares para cumprir obrigações da União na Saúde e no PAC.

A presidente disse aos líderes que vai se empenhar pela aprovação da nova CPMF e que não tinha outra alternativa para reverter o déficit fiscal, já que um aumento da Cide ( contribuição sobre combustíveis), aventado pelo vice Michel Temer, impactaria a inflação, que começa a dar sinais de controle. Ao sair do evento de entrega do prêmio Jovem Cientista, a presidente defendeu as medidas e nomeou a nova CPMF de CPPrev, já que será voltada a corrigir o rombo da Previdência:

— A proposta que o governo fez é de uma contribuição provisória para a Previdência, uma CPPrev. O governo não aprova a CPMF, quem aprova a CPMF é o Congresso. Como será feito no Congresso é um outro processo de discussão. Nós nos empenharemos bastante para aprovar essas medidas, que são necessárias porque passamos por um momento em que é fundamental que saiamos dessa situação de restrição fiscal o mais rápido possível.

O líder do governo no Senado, Delcídio Amaral ( PT- MS), resumiu o estado de espírito dos líderes no encontro com Dilma:

— Se falássemos ( que aprovar a CPMF) era fácil, não estaríamos falando a verdade. Ela ( Dilma) tem noção clara das dificuldades que vamos enfrentar. Agora, é dialogar muito. É barriga no balcão e conversa.

Segundo aliados, a presidente disse estar “focada” nas negociações e que tem consciência de que o maior problema está na Câmara, por causa das resistências do presidente da Casa, deputado Eduardo Cunha ( PMDB- RJ).

— Vou me envolver e buscar pessoalmente consolidar a fidelização das bancadas. O presidente Obama, no momento de crise, também teve que tomar medidas amargas e fazer opções, cortou salários e até verbas de programas de segurança — disse Dilma, avisando que não abre mão de manter os programas sociais.

Na reunião, os deputados aliados comentaram que qualquer aumento de imposto seria um tema difícil, mas se propuseram a discutir com suas bancadas o assunto.

— A proposta de ajuste dificulta muito a recomposição da base. Com a criação da CPMF, o governo está enfurecendo mais ainda a população e isso vai ter impacto na Câmara. O PR vai discutir, mas é majoritariamente contra a CPMF — disse o líder do partido, Maurício Quintella ( AL).

À tarde, Cunha, que chamou a CPMF de “insuportável”, afirmou ser “impossível” a Câmara votar este ano a criação do tributo. O presidente da Câmara disse que um eventual apoio dos governadores não terá influência sobre os deputados. Perguntado sobre quanto tempo levaria a tramitação da CPMF, deixou claro que será um longo período:

— A desvinculação de receitas está há três meses na CCJ, não saiu de lá ainda. Tem um rito. Ela ( a CPMF) vai primeiro para a CCJ, depois para a comissão especial, lá tem 40 sessões, e não são 40 dias, podem ser até 80 dias. Só depois vai para o plenário. Este ano é impossível votar.

LÍDER DO PSD DISCUTE COM LEVY

Pouco depois de a presidente deixar a sala, o líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso ( DF), teve uma discussão acalorada com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Rosso defendia que o governo optasse por uma política mais desenvolvimentista, no que foi retrucado pelo ministro, que apontou o Congresso como um dos responsáveis pelo rebaixamento da nota de crédito do Brasil. A discussão precisou ser interrompida pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante.

O presidente da Câmara respondeu ao ministro da Fazenda em entrevista no fim da tarde:

— Se eles não têm capacidade de buscar o equilíbrio fiscal, não culpem o Congresso, que não recusou nada até agora, e não usem isso como elemento para constranger o Congresso a aprovar algo que não esteja disposto a aprovar, que é um aumento de carga tributária.

Ao contrário do presidente da Câmara, o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDBAL), disse que será preciso esperar as medidas amadurecerem no Congresso.

— Deixa o pacote assentar. Agora, temos que esperar as medidas chegarem ao Congresso, que vai fazer a sua parte para melhorar essas medidas. Não quero aprofundar a discussão de mérito das propostas até porque não vou predizer o que o Congresso vai fazer ou não. 

 

Braço- direito de Dilma na articulação política

 

A presidente Dilma Rousseff vai aproveitar a reforma administrativa, que anunciará semana que vem, para tomar para si, de fato, a articulação política do governo. Isso se dará por meio da nomeação de seu assessor especial e braçodireito, Giles Azevedo, para a Secretaria de Relações Institucionais. A pasta, no entanto, não voltará a ter o status de ministério, que perdeu em abril, quando Pepe Vargas deixou o cargo e o vice- presidente Michel Temer assumiu a articulação política.

Ontem, na reunião com os líderes da base na Câmara, o ministro Aloizio Mercadante ( Casa Civil) anunciou que caberá a Giles e ao ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, negociar com os parlamentares.

— Sem dúvida será a mão dela na articulação — afirmou um interlocutor de Temer.

Emissários do governo comunicaram por telefone a mudança a Temer, que está em viagem oficial à Rússia. Segundo pessoas próximas ao vice- presidente, houve promessa de “compensação” ao PMDB.

Apesar de ser cogitado no governo que um Ministério dos Transportes turbinado vá para o PMDB, a compensação ainda não está fechada. A presidente terá de dialogar antes com outras lideranças do PMDB e com os partidos da base aliada, especialmente aqueles que podem ser afetados pela mudança, como o PR, que hoje comanda os Transportes e se recusa a deixar a pasta ou mesmo trocála por outra.

Pessoas próximas ao vice notaram que a nomeação de Giles para a SRI seria mais uma demonstração de que Dilma resolveu “entrar em campo” para comandar a articulação política. As reuniões da presidente com governadores e com líderes na Câmara e no Senado também são sintomáticas, para políticos ligados a Temer, de que Dilma não pretende manter o PMDB como intermediador do diálogo político no governo.

— Se o governo não conseguiu resolver o problema com Michel, vai resolver com quem? — questionou um peemedebista.

Mesmo sem ter iniciado o processo de negociação com os partidos aliados, Dilma disse ontem que a reforma administrativa contemplará o fim de até dez ministérios, a junção de pastas e o corte de cargos de confiança.

— Antes de quarta- feira da semana que vem eu apresentarei a reforma administrativa. Vamos tomar uma série de medidas para enxugar a máquina e focá- la — disse Dilma.