Delator: ‘Só há dois caminhos, o do céu e o do inferno’

 

CHICO DE GOIS, RENATO ONOFRE E CLEIDE CARVALHO 

O globo, n. 29990, 16//09/2015. País, p. 9

 

Primeiro dos grandes empresários a aderir ao acordo de delação premiada na Operação Lava- Jato, o presidente da construtora UTC, Ricardo Pessoa, assumiu ontem o papel do empreiteiro arrependido. Foi à CPI da Petrobras e confessou que não soube recusar o primeiro pedido de propina que recebeu. Apesar do mea- culpa que fez diante dos deputados, ele alegou que não poderia responder perguntas por estar impedido de falar sobre casos específicos, devido ao sigilo em torno do acordo de delação premiada.

DE FREITASMea- culpa. Dono da UTC confessa participação em esquema: “Em vez de ficar de fora, eu paguei. A cada contrato, um pagamento"

— Tive oportunidade de não pagar ( propina) quando me cobraram o primeiro vintém. Mas, ao invés disso, disse “sim” e paguei — disse Pessoa.

Ele afirmou que todo empresário sabe que precisa pagar propina:

— Todo empresário sabe que pagar uma vantagem a alguém pode não representar nenhum beneficio, mas negar- se pode trazer consequências danosas — declarou. — Pequenas propinas e grandes propinas são semelhantes. Só há dois caminhos, o do céu e o do inferno.

Pessoa afirmou que não se valeu do benefício da delação premiada como forma de vingança contra seus inimigos.

— Uma coisa é colaborar, é contar a verdade. Outra coisa diferente é praticar a vingança, valendo- se do instituto jurídico para proteger amigos e atingir inimigos.

Ele disse que, como empresário, não tinha lado político. Revelou que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso ( PSDB) a UTC obteve 169 contratos com a Petrobras. Na gestão Lula, foram 151, e na de Dilma, 73.

— Isso demonstra a desconexão de nossa empresa com a política — afirmou, sem entrar em detalhes se durante o governo FH ele também pagou propina. Ao encerrar seu pronunciamento, voltou a fazer um mea- culpa:

— Em vez de ficar de fora, eu paguei. A cada contrato, um pagamento. Não queria correr o risco de mudar.

O deputado Júlio Delgado ( PSB- MG), que foi acusado por Pessoa de ter recebido R$ 150 mil da UTC para campanha, voltou a negar na CPI que tenha se beneficiado do esquema da empreiteira. Delgado já havia afirmado que os R$ 150 mil foram repassados para o PSB de Minas e que ele não recebeu esses recursos.

— Estive com o senhor uma única vez em minha vida. Nunca troquei e- mail com o senhor, nem telefonemas. Fui apresentado ao senhor naquela tarde. Fui como dirigente partidário, o senhor disse que ia ver o que poderia doar. Aí foram depositados R$ 150 mil e foram distribuídos para 16 candidatos. Nenhum centavo da sua empresa foi para minha campanha. O que estou fazendo citado nisso? Zero. Quantas vezes o senhor já esteve ou trocou telefonemas comigo? Eu respondo: nunca.

PESSOA PERMANECEU CALADO

No acordo de delação premiada, cujos detalhes foram divulgados ontem, Pessoa confirmou que pagou propina na forma de doação oficial ao PT até a campanha de 2014. No total, foram R$ 20,521 milhões entre 2004 e 2014, dos quais R$ 16,6 milhões entraram em contas oficiais do PT e R$ 3,921 milhões foram entregues em dinheiro a João Vaccari Neto, ex- tesoureiro do partido.

O valor das doações oficiais, feitas ao diretório nacional ou a diretórios regionais, não inclui as contribuições de campanha presidencial. O depoimento da delação premiada foi dado por Pessoa em 28 de maio passado, mas só agora o sigilo foi retirado pela Justiça.

Pessoa disse que os pagamentos ao PT começaram antes da cobrança de propina feita pelos diretores da Petrobras. O primeiro pagamento, segundo ele, foi em 2004, quando fechou contrato para construção da P- 53, no estaleiro de Rio Grande ( RS).