Estresse institucional

 

Gustavo Müller é professor de Ciência Política da Universidade Federal de Santa Maria

 

No debate sobre a atual crise política existem inúmeros argumentos para a defesa do ponto de vista de que não vivemos uma crise institucional. No entanto, o debate sobre a existência ou não de uma crise parece perder de vista, para usar uma expressão de José Guilherme Merquior, “a natureza do processo”.

Com o perdão do pleonasmo, a democracia só é democrática porque suas instituições estão permanentemente sob tensão. Dessa forma, a democracia é um processo político para a resolução ou a acomodação dos mais variados interesses, interesses esses balizados pelas regras institucionais formais e informais que conformam não apenas as instituições constitucionais, no plano macro, mas também um conjunto de instituições, que se pode dizer no micro, de regras e procedimentos que envolvem os agentes econômicos.

Desnecessário enumerar os enormes desafios impostos na agenda política brasileira dos últimos 30 anos. Mas convém ressaltar que, desde 1993, o Brasil vinha construindo um quadro institucional baseado tanto na estabilidade econômica como na estabilidade política. A primeira, alcançada por meio de ações transparentes visando a estabelecer marcos para uma economia de mercado com instrumentos de regulação, e a segunda como fruto de uma coalizão minimamente programática.

A vitória do PT em 2002 representava o teste definitivo. A “Carta ao Povo Brasileiro’’ aparentava uma visão de esquerda moderna, com ênfase no social, mas reconhecendo a necessidade de conviver com o mercado, como faria nos anos 80 Alec Nove em “A economia do socialismo possível’’.

Todavia, nos últimos 12 anos, assistimos à gestação de um processo reverso, ou seja, a tentativa de desmantelar instituições no plano micro, voltadas para uma economia de mercado e a retomada do chamado “desenvolvimentismo”, de uma forma muito similar ao adotado pelo governo Geisel, que foi operado em uma ditadura, e não na democracia. Para tanto, no plano econômico vigorou a irresponsabilidade — não apenas fiscal, mas principalmente de diagnóstico —e a falta de transparência; no plano político, ausentes os mecanismos de repressão, vigorou a cooptação pela via da corrupção das instituições.

Nesse cenário, criou- se uma situação na qual, sem um marco institucional no plano micro, o que permanece são as instituições constitucionalmente estabelecidas com seu nível de abstração, e o que é abstrato pode ser interpretado conforme conveniências momentâneas que, mais do que tensão, podem gerar estresse institucional. Desse estresse, ou se tem uma ruptura, o que é pouco provável, ou, tal como um músculo, se tem uma longa e dolorosa regeneração. Esta parece ser a natureza do nosso processo.