Correio braziliense, n. 19059, 01/08/2015. Ciência, p. 17

Surge vacina capaz de vencer o ebola

 
Imunização mostra 100% de eficácia em testes e começa a ser aplicada em massa na Guiné. OMS acredita que a fórmula pode acabar com a epidemia do vírus.
 
Uma vacina experimental, testada em humanos, mostrou 100% de eficácia contra o vírus ebola e pode se tornar uma poderosa ferramenta no combate à epidemia que matou 11,2 mil pessoas na África Ocidental. Experimentos realizados na Guiné mostraram que a fórmula VSV-EBOV, produzida por um grupo independente de pesquisadores, é a primeira capaz de proteger indivíduos com alto risco de contrair a doença. A fórmula já está sendo usada para imunizar milhares de pessoas na região, incluindo os trabalhadores que se dedicam a controlar a enfermidade nos países afetados.

Os resultados foram publicados ontem na revista médica britânica The Lancet e divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Esse é um avanço extremamente promissor”, anunciou, em uma coletiva de imprensa, Margaret Chan, diretora-geral da OMS. “Se sua eficiência for comprovada, isso vai mudar tudo. Vai mudar como estamos lidando com a epidemia atual e (como vamos lidar) com os surtos futuros”, acrescentou.

O teste da vacina foi realizado em tempo recorde, entre 23 de março e 26 de julho deste ano. Quase 4 mil pessoas que tinham uma relação próxima com 100 pacientes infectados pelo vírus foram imunizadas. A estratégia foi baseada no mesmo método de vacinação usado para a erradicação da varíola nos anos 1970. “A premissa é que, vacinando todas as pessoas que tenham entrado em contato com uma pessoa infectada, você cria um círculo de proteção e impede que o vírus se espalhe ainda mais”, explicou, por meio de um comunicado, John-Arne Røttingen, diretor da Divisão de Controle de Doenças Infecciosas do Instituto Norueguês de Saúde Pública, que faz parte da frente de testes da vacina na Guiné.

Enquanto parte dos círculos de pessoas ligadas aos pacientes foi vacinada imediatamente após ser colocada no grupo de risco, o restante recebeu a imunização somente três semanas após a identificação do perigo de infecção. O método permite aos pesquisadores comparar os resultados e testar a ação da vacina, sem excluir qualquer voluntário dos possíveis efeitos protetores.

Passados 10 dias da aplicação no primeiro grupo, nenhuma das 2.014 pessoas foi contaminada com o ebola. Algumas demonstraram os sintomas antes desse prazo, mas isso indica que elas já haviam sido infectadas antes de serem protegidas com a VSV-EBOV. Entre os 2.380 indivíduos que foram vacinados após três semanas, 16 desenvolveram os sinais da doença após o tempo estimado para a confirmação de uma condição preexistente.

Ação definitiva
Com a comprovação da eficácia da fórmula, uma vacinação em massa foi iniciada na Guiné na segunda-feira passada. Estão recebendo a dose todos com risco de contrair o vírus, incluindo crianças e adolescentes. Em breve, a imunização também deve ser aplicada em Serra Leoa, onde três novos pacientes foram diagnosticados na última semana. O número faz parte do menor índice de casos do vírus do último ano, com outros quatro pacientes infectados na Guiné nos últimos sete dias e nenhum registro da doença na Libéria desde o início do mês. As autoridades querem aproveitar o momento para dar um fim definitivo à epidemia, que se prolonga desde dezembro de 2013.

A nova vacina está sendo dada também às equipes de funcionários dedicados a cuidar dos doentes na Guiné. “Com uma eficácia tão alta, todos os países afetados deveriam começar com os círculos de vacinação para quebrar a cadeia de transmissão e vacinar todos os trabalhadores de linha de frente para protegê-los”, afirmou, no site da OMS, Bertrand Draguez, diretor da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF). Os pesquisadores também devem testar a imunidade de grupo da vacina, isto é, os benefícios do composto para as pessoas que não foram imunizadas. A nova fase de testes foi aprovada pelas autoridades da Guiné.

A VSV-EBOV foi desenvolvida pela Agência de Saúde Pública do Canadá e consiste em uma combinação do vírus da estomatite vesicular (VEV, que só causa doenças em animais), com uma proteína do ebola. Depois de ser licenciada por meio de um acordo de companhias internacionais, a produção e a implementação também contaram com a coordenação de agências como a OMS e a MSF, além do patrocínio de diversas organizações e dos governos do Reino Unido, da Noruega, do Canadá e dos Estados Unidos.