Correio braziliense, n. 19059, 01/08/2015. Cidades, p. 22

Direitos humanos violados

CAMILA COSTA

Quando um morador de rua é queimado; uma criança, maltratada; pessoas mais velhas, desrespeitadas; e homossexuais, agredidos, infringem-se normas jurídicas antigas, as dos direitos humanos. No Distrito Federal (DF), os grupos que mais sofrem com essas violações ainda são os das crianças e dos adolescentes, e os dos idosos. Somam a maioria das denúncias registradas pelo Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH). Apenas no primeiro semestre deste ano, foram 1.497 ligações feitas para denunciar algum tipo de violência contra eles. De acordo com o balanço total da SDH envolvendo esses grupos, o DF somou, em 2015, 1.537 registros. 

O número, porém, é menor do que o dos primeiros seis meses de 2014, quando o Disque 100 recebeu 1.797 ligações para esse recorte. O número também não representa um salto em relação aos anos anteriores (Veja tabela), no entanto, revelam a relação do brasiliense com os direitos humanos. Enquanto centenas e milhares de pessoas ainda violam a dignidade das pessoas, outras centenas e milhares não deixam passar em branco. Denunciam. E as ligações colocaram o DF como a 5ª unidade da Federação com o maior número de denúncias de violências contra as pessoas em situação de rua, por exemplo (veja quadro). 

Segundo a ouvidora nacional da SDH, Irina Bacci, mais do que observar para os números, é preciso olhar para cada caso que ocorre. Poucos ou muitos, todos merecem atenção. A relação do brasiliense com o serviço de denúncia é próxima e boa. Estar com uma evolução ou queda mediana dos números é um bom sinal, porque reforça o fato de a população usar bem o canal de pedido de socorro, explicou Irina. Hoje, o principal meio ainda é por telefone, pelo Disque 100, serviço gratuito, entretanto, a secretaria se prepara para lançar um site oficial, que também receberá as denúncias. 

Entre os tipos de violência que mais preocupam a secretaria estão os que envolvem pessoas em restrição de liberdade. Segundo Irina, é a segunda mais recorrente no DF. O Disque 100 contabilizou, nos primeiros seis meses de 2015, 77 denúncias. São violações em locais de privação, tais como  cadeias públicas, presídios, delegacias, manicômios judiciários, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas, unidades de internação socioeducativa e instituições de longa permanência para pessoas idosas (ILPI). Isso nos preocupa por causa da manifestação de possíveis atos de tortura, afirmou a ouvidora. 

Homofobia 
Ainda de acordo com o ranking, o DF é o 10º com mais denúncias de violência contra o público LGBT e mantém a posição em relação a 2014 nos grupos relacionados a idosos (13º lugar) e a crianças e adolescentes (15º lugar). Ao todo, 1.051 integrantes do último grupo podem ter sofrido algum tipo de violência de janeiro a junho deste ano. Os idosos correspondem a 446 denúncias. A sociedade brasiliense não difere do restante da sociedade. E a sociedade é tolerante com a violência. Acaba sendo familiarizada, inclusive, no ambiente doméstico. Como vemos com as mulheres, os abusos contra os idosos, muitas vezes, começa em casa, avaliou a secretária de Políticas para as Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos do DF, Marise Nogueira. 

O grupo LGBT, para Marise, merece atenção especial. Sofre violências cada vez mais perversas, com casos de desfiguração, morte, e está dentro de um perfil diferenciado. Por isso, precisa de tratamento diferenciado, justificou. Em outubro do ano passado, um jovem ficou com o rosto marcado depois de ser ferido por uma garrafa de cerveja jogada na direção dele. Outro rapaz que estava com ele foi agredido com chutes e socos e levado ao Hospital Regional da Asa Norte. O caso ocorreu em um bar da Asa Sul. O motivo: a orientação sexual dos jovens. Mesmo assim, todos os casos são violações dos direitos humanos. Seja quem for, negros, mulheres, gays, pessoas com deficiência, é preciso enfrentar e ver os números diminuindo por reflexo da diminuição da cultura da violência, ponderou a secretária. 

Segundo a especialista em direitos humanos da Universidade de Brasília Soraia da Rosa Mendes, a estabilidade dos dados mostra que, de alguma forma, as políticas públicas e os serviços estão conseguindo sensibilizar a população contra as agressões e as violações dos direitos humanos. No entanto, para Soraia, os dados não refletem, necessariamente, a ausência de violações. Uma cultura de paz é uma cultura de direitos humanos. Essa aparente estabilidade não quer dizer que a violação não aconteça e que o estado não precisa aprimorar mais mecanismos. Com certeza, há violências desacobertadas, afirmou.