Correio braziliense, n. 19063, 05/08/2015. Política, p. 2/3

Planalto e PT deixam Zé Dirceu de lado

 
PAULO DE TARSO LYRA
JORGE MACEDO

 

O governo e a Executiva Nacional da legenda não saem em defesa do petista, que foi transferido ontem para a carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Aliados avaliam que o momento é de impor uma redoma à presidente Dilma.

O Palácio do Planalto e o PT lavaram as mãos após a prisão do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu para tentar evitar a contaminação das próprias vestes. Nem o partido nem o governo defenderão o ex-homem forte petista, preso na 17ª Fase da Operação Lava-Jato. “Não podemos ficar choramingando pelos cantos, precisamos governar”, disse uma fonte graduada palaciana. Já a Executiva do PT reuniu-se por seis horas em Brasília para divulgar uma nota na qual sequer cita o ex-ministro, que foi transferido ontem para Curitiba, onde estão os demais presos da Lava-Jato.

“O PT é um partido diverso, com várias lideranças. Quando fomos procurados no momento da prisão dele, fizemos uma nota para nos defender e deixar claro que não recebemos nenhum tipo de verba ilegal. O Dirceu precisa se defender das acusações que estão sendo feitas contra ele. O ônus da prova é de quem acusa”, esquivou-se o presidente nacional do PT, Rui Falcão.

Lavar as mãos não significa que a prisão de Dirceu não tenha abalado governistas e petistas. Pior. Foi uma bomba que explodiu no momento em que ambos ensaiavam uma reação. Dirceu preso pela segunda vez em menos de dois anos é algo por demais simbólico. E uma nova ameaça está no ar: o início das delações premiadas do ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque.

Segundo apurou o Correio, as duas ações, somadas, afundam de vez o PT na crise do petrolão. Não que o partido já não estivesse enlameado o suficiente. Mas, até o momento, as delações e informações contra a legenda partiram dos empresários e lobistas que pagaram as propinas em troca dos contratos com a estatal.

Duque será o primeiro homem organicamente ligado ao PT a fechar uma delação premiada. E, mesmo com o ex-tesoureiro da legenda João Vaccari Neto preso, Dirceu tem uma dimensão de troféu político muito maior. Tanto que chamou a atenção entre os petistas a mudança no patamar das entrevistas dos procuradores de Curitiba. “Dirceu deixou de ser alguém que teria recebido propina para o ‘idealizador’ do esquema”, apontou um integrante da executiva petista.

Antes de o PT decidir se calar, o líder do partido na Câmara, Sibá Machado (AC), esbravejou, na segunda-feira, contra a prisão de Dirceu e a atuação do juiz Sérgio Moro. “É uma perseguição declarada ao PT. O juiz Sérgio Moro trabalha com suposições, vai à imprensa, faz show. E a Polícia Federal acompanhando esse show. Isso está virando uma aberração ao Estado de direito. Está caminhando para um golpe político da caneta. Moro trabalha para institucionalizar um golpe e para prejudicar o PT”, reclamou ele.

Corrente radical

Em São Paulo, Falcão já sinalizara que Sibá, ao lado de uma ou outra corrente mais radical da esquerda petista, ficaria pregando no deserto na defesa explícita de Dirceu. A primeira nota oficial da legenda, divulgada ainda na segunda-feira, limitava-se à repetição lacônica de que “todas as doações recebidas pelo PT ocorreram dentro dos limites da legalidade”.

Era a senha do que viria. “Falcão sabia que não poderia divulgar uma nota defendendo Dirceu sem consultar a Executiva”. No encontro de ontem, em Brasília, o clima era de desânimo e depressão total. “Foi péssimo acontecer isso na semana em que vai ao ar a propaganda do partido (marcada para amanhã) e a 12 dias das manifestações de rua contra o governo da presidente Dilma”, disse outro integrante da máquina partidária.

Falcão, contudo, evitou confirmar que o partido estava abandonando Dirceu, embora haja um discurso ensaiado para justificar isso: diferentemente de 2005, quando foi condenado no mensalão, agora o ex-chefe da Casa Civil é acusado de ter embolsado dinheiro. “Não estamos abandonando nenhum companheiro nosso. Independentemente de abandonar ou não, toda pessoa acusada tem o direito de ampla defesa e ao contraditório. No momento, estão invertendo esse princípio. O Dirceu é inocente até que se prove o contrário”, declarou.

No Planalto, a ordem também é impor uma redoma de proteção à presidente e ao governo. Dilma comemorou ontem os dois anos do Programa Mais Médicos — uma de suas bandeiras de campanha e uma das poucas coisas que ela conseguiu tirar do papel após as manifestações de junho de 2013. Também prepara-se para lançar, ainda este mês, a terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida.

Segundo interlocutores da presidente, o lema baixado por Dilma é: “Precisamos governar”, emoldurada pela frase dita pelo ministro da Defesa, Jaques Wagner, sobre a prisão de Dirceu. “As investigações seguem e o país também segue.”


"Independentemente de abandonar ou não, toda pessoa acusada tem o direito
de ampla defesa e ao contraditório. No momento, estão invertendo esse princípio.
O Dirceu é inocente até que se prove o contrário”

Rui Falcão,
presidente nacional do PT
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Protesto e vaias

JOÃO VALADARES
EDUARDO MILITÃO

Curitiba e Brasília — Aos gritos de “ladrão e vagabundo”, o ex-ministro José Dirceu chegou à Superintendência da Polícia Federal na capital paranaense. Quando os carros da PF cruzaram a entrada, um grupo de 40 manifestantes, com faixas de apoio ao juiz federal Sérgio Moro e às ações policiais, soltou fogos de artifício.

O delegado Igor Romário de Paula comunicou que a PF precisou alterar o procedimento de chegada. “Ele veio numa aeronave própria da PF. Nós temíamos que algo pudesse ocorrer num voo normal. Na chegada, recebemos a informação de que havia um grupo bastante animado no prédio. Ficamos com receio de que ele pudesse sofrer algum tipo de agressão”, ressaltou.

Enquanto todos esperavam Dirceu descer de uma van da Polícia Federal, ele entrou pelos fundos do prédio. O delegado informou que, apesar de abatido, ele estava tranquilo e veio conversando normalmente no trajeto do aeroporto até a sede da PF.

Dirceu está dividindo a cela com dois outros presos. São homens acusados de contrabando. “Ele veio tranquilamente. O ex-ministro está numa ala em que há outros investigados da Lava-Jato, mas em celas diferentes. A intenção é evitar uma articulação de respostas”, justificou Igor. Mais cedo, advogados levaram um travesseiro e roupa de cama e banho para ele. Amanhã, o petista já pode receber visitas normalmente.

José Dirceu saiu da Superintendência do Setor Policial, em Brasília, ontem, às 12h45, com um semblante sério, como em todas as vezes em que se viu às voltas com a polícia e a Justiça. Na noite anterior, dormiu numa cela com pouco menos de três metros quadrados sozinho. A cama de concreto foi amaciada por um colchão cedido pela PF. Os advogados trouxeram uma mala com mudas de roupa e remédios. O banho disponível era de chuveiro com água fria. Para as necessidades fisiológicas, uma privada turca. A simplicidade da cela de passagem é motivada por questões de segurança.

Foi pensando na segurança de Dirceu que eles o colocaram em um avião da PF e não de carreira para viajar até Curitiba. Os delegados e agentes temiam o assédio da população, com vaias e xingamentos, como aconteceu em aeroportos e restaurantes em 2007, conforme narrou reportagem da revista Piauí. 
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PF encontra pistas na casa do irmão
 
João Valadares
 
A Polícia Federal comunicou que a busca e apreensão realizada na casa de Luiz Eduardo de Oliveira e Silva, irmão do ex-ministro José Dirceu, foi bastante proveitosa e deve balizar as investigações daqui para frente. O farto material recolhido, muitos manuscritos de reuniões e documentos produzidos pelo próprio Dirceu, começará a ser analisado hoje. Ontem, os policiais deram início à digitalização de tudo o que foi apreendido.
 
“Eles (Dirceu e o irmão) vão ser questionados a respeito de tudo que consta nos autos. Também vamos focar no material que foi apreendido. As buscas na casa de Luiz Eduardo foram bem proveitosas”, afirmou o delegado Igor Romário de Paula.
 
Ele ressaltou que a análise do material pode motivar a conversão da prisão temporária em preventiva em relação ao irmão do petista. O policial salientou que Dirceu já esperava a ação da Polícia Federal. As buscas em sua residência foram inócuas. Ao chegar lá, os agentes nada encontraram. “O que vimos foi uma casa limpa em relação às atividades dele. Uma busca inócua”, afirmou o delegado.
 
A Polícia Federal não quis informar se, nos documentos apreendidos, havia novos nomes de políticos envolvidos no esquema de corrupção na Petrobras. O irmão do petista é tido pelos investigadores como o canal de José Dirceu para arrecadar dinheiro da propina. A investigação diz ter provas materiais de que ele recolhia o suborno nas empresas investigadas e repassava ao irmão.
 
Depoimentos
 
A força-tarefa atesta que o ex-ministro recebeu propina enquanto respondia no Supremo Tribunal Federal ao processo do mensalão ou até mesmo no período em que estava preso. Estes fatos, de acordo com o Ministério Público Federal, motivaram o pedido de prisão preventiva do petista.
 
Na tarde de ontem, foram ouvidos, na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Olavo Hourneaux de Moura Filho, irmão de Fernando de Moura, e Pablo Alejandro Kipersmit, presidente da Consist Software. Hoje, os delegados da PF vão tomar o depoimento de Roberto Marques, ex-assessor de Dirceu, e de Júlio Cesar dos Santos, sócio minoritário da JD Consultoria até 2013.
 
“Os depoimentos de hoje (ontem) não foram tão proveitosos. Não foi trazido nada novo, apenas coisas que já tinham sido apuradas. Os de segunda-feira, aqueles que vierem por condução coercitiva, prestaram informações mais consistentes. Eles confirmaram o envolvimento de alguns já investigados e também fatos relacionados ao ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto e o ex-diretor de Serviços Renato Duque. Vários dados foram confirmados”, ressaltou Igor Romário de Paula.