Indústria desaba e aprofunda a recessão


PAULO SILVA PINTO

Os brasileiros estão acostumados com crise. Mas esta que o país atravessa consegue surpreender. Em junho, a produção industrial do país caiu 3,2% em relação ao mesmo mês de 2014, a 16ª redução seguida, algo inédito. É a maior sequência de quedas já registrada. Só entre 2009 e 2011 estivemos perto disso, mas não se chegou a tanto, disse André Luiz Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De janeiro a junho, a redução acumulada é de 6,3%, o pior resultado semestral desde 2009. 

E o que chama a atenção dos especialistas é a disseminação dos números negativos, que afetam 24 dos 26 segmentos em que a produção se divide. Com estoques altos, as indústrias de máquinas e de automóveis são especialmente afetadas: tiveram queda de, respectivamente, 14,2% e 10,7% na comparação com o ano passado (veja quadro ao lado). As maiores dificuldades para concessão de crédito e a baixa confiança, tanto dos empresários quanto dos consumidores, afetam especialmente esses setores. E não há perspectiva de uma retomada, analisou Macedo. Os fabricantes de máquinas oferecem ao mercado os chamados bens de capital, que permitem a outras empresas produzir mais e melhor. Se elas não encontram demanda para o que fazem, é sinal de que ninguém vê sinais de crescimento no horizonte. 

Em relação a maio, a queda da produção industrial em junho foi menor, de 0,3% o mercado esperava redução de 0,7%. Mas houve ajuda do calendário: o mês teve um dia útil a mais neste ano do que em 2014. Só que esse detalhe torna a comparação anual ainda mais dramática: se, mesmo com a Copa e o calendário, se produziu em junho de 2014, mais do que neste ano, é porque a deterioração foi grande. O resultado de julho deverá vir bem pior, afirmou Paulo Gala, gestor da administradora de recursos Fator. 

Para o economista Rafael Bacciotti, da consultoria Tendências, a situação vai continuar ruim por muito tempo. Não conseguimos ver nada que possa reverter a situação, afirmou. Ele previa queda de 5% na atividade industrial neste ano. Mas, por conta dos números de ontem e de outras informações, está revisando a projeção para baixo e acredita que o tombo chegará perto de 7%. O estimativa para o Produto Interno Bruto (PIB) também será revisada para menos do que a atual, de 1,5%, talvez para 2,5%. E, no ano que vem, a expectativa de ligeira alta provavelmente dará lugar à de estagnação. 

Exportações 
O setor acumula resultados negativos apesar dos incentivos concedidos pelo governo, incluindo empréstimos subsidiados e a desoneração da folha de salários, um benefício que o governo quer reduzir por meio de projeto em tramitação no Congresso. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisou ontem que não haverá novo socorro. Não que se conte seriamente com isso. Com a situação fiscal do jeito que está, com queda na arrecadação, não há o menor espaço para novos subsídios, analisou Gala, da Fator. 

Ainda assim, ele espera que a produção industrial se recupere no próximo ano, por conta da desvalorização do real frente ao dólar. As exportações começam a ficar mais competitivas, com menor peso do salário em dólar para a indústria brasileira, explicou Gala. Com a divisa a R$ 2,50, não há subsídio que resolva o problema e permita aos produtos brasileiros ganharem mercado no exterior. Com o dólar a R$ 3,50, não é necessário qualquer subsídio para conseguir isso, disse. 

O economista da Fator espera que a moeda norte-americana atinja R$ 3,50 e fique nesse patamar por muito tempo. No relatório de inflação de junho, o Banco Central usa como cenário de referência o dólar a R$ 3,10. O fato de a divisa ficar acima disso pressionará ainda mais a inflação, disse Gala, o que manterá a taxa básica de juros inalterada até meados do próximo ano. A política monetária continuará mirando a redução do salário real, disse o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, que prevê nova alta da Selic, neste ano, de 0,25 ponto percentual, o que levará a taxa para 14,50% ao ano. 


Menos emprego 
A indústria de bens de capital fechou 50 mil das 380 mil vagas de trabalho que tinha 2013, metade das quais neste ano. É uma situação de calamidade, disse o presidente da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Pastoriza. O país está investindo menos, em um momento em que a solução seria investir mais, para aumentar a competitividade. É o resultado de um ajuste fiscal equivocado, com aumentos de impostos para as empresas e para a população, afirmou.