Correio braziliense, n. 19064, 06/08/2015. Política, p. 2

Temer: Situação é grave Colunas e Manchetes

 

Ana Dubeux Paulo de Tarso Lyra Marcella Fernandes

 "Não vamos ignorar que a situação é grave. E é grave porque há uma crise política se ensaiando, há uma crise econômica que precisa ser ajustada. Mas, para tanto, é preciso contar com o Congresso Nacional e com vários setores da sociedade", Michel Temer, vice ­presidente da República.

Ao admitir que existe uma grave crise política e econômica em curso no país, e fazer um “apelo” pela repactuação nacional para que o Brasil não entre em colapso, o vice­presidente da República, Michel Temer, escancarou a incapacidade da presidente Dilma Rousseff em propor um diálogo nacional.

Coube ao vice e articulador político do governo, após mais uma reunião infrutífera com aliados para discutir pautas em tramitação na Câmara, a tarefa que deveria ser conduzida pela chefe do governo. “Não vamos ignorar que a situação é grave. E é grave porque há uma crise política se ensaiando, há uma crise econômica que precisa ser ajustada.

Mas, para tanto, é preciso contar com o Congresso Nacional e com vários setores da sociedade brasileira. Então, eu quero, como articulador político do governo, fazer esse apelo.” O “apelo” vem a público dois dias depois de Dilma oferecer jantar para os líderes aliados no Palácio da Alvorada e coincide com o momento em que o exdiretor de Serviços da Petrobras Renato Duque — indicado pelo PT e pelo ex­ministro José Dirceu, ambos presos em Curitiba — negocia acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal.

Temer admite que o governo se assustou com a retomada dos trabalhos legislativos nesta semana, após o recesso branco. “É preciso que alguém possa e tenha capacidade de reunificar a todos e reunir a todos e fazer esse apelo”, reforçou Temer, visivelmente nervoso e com a voz embargada após a reunião de ontem. Mais cedo, o chefe da Casa Civil, ministro Aloizio Mercadante, fez afagos à oposição, propondo uma trégua em um “acordo suprapartidário”.

O pavor do governo cresceu após a base aliada ter sido incapaz de adiar para o fim do mês a apreciação da emenda constitucional que reajusta os vencimentos dos servidores da Advocacia­Geral da União (leia mais na página 8), em um momento de forte retração da economia e de alta do dólar. Um dos presentes na reunião no Planalto, o líder do PSD na Câmara, Rogério Rosso (DF), endossou o receio do vice­presidente. “O recesso parlamentar não adiantou para nada, só agravou a crise.

O governo reúne a base, mas não consegue virar o jogo”, disse ele, em entrevista ao Correio. O Planalto, que contava com o isolamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB­RJ), viu o desafeto atropelar o Executivo em menos de dois dias. Cunha, que já fizera um jantar na segunda­feira, no qual ceifou o PT das relatorias e presidências das duas CPIs que serão instaladas na Câmara — a do BNDES e a dos Fundos de Pensão —, impôs mais uma derrota a Dilma. “Acharam que ele estava morto. Na verdade, Cunha é o prefeito do cemitério”, resumiu o senador Cristovam Buarque (PDT­DF).

Outro fator complicador é a perda de apoio no parlamento — ontem, o PDT e o PTB na Câmara anunciaram que vão deixar a base. Cenários O senador do DF endossa a percepção do vice­presidente, de que a situação do país é muito grave. Cristovam prevê alguns cenários a partir de agora, nenhum deles tranquilo.

O primeiro seria Dilma permanecer no governo, sem credibilidade e governabilidade, sangrando por três anos. “Ela não terá condições porque não conta com o apoio do próprio partido”, resume o parlamentar. Para ele, a presidente foi contaminada pelos escândalos de corrupção do governo, embora não tenha feito parte deles.

As outras hipóteses não são menos traumáticas: Dilma poderá sofrer um processo de impeachment com base no julgamento das pedaladas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ou pela irregularidade nas doações de campanha que serão apreciadas pelo Tribunal Superior Eleitoral(TSE). Outra hipótese é a petista renunciar de maneira negociada, propondo um pacto nacional. “Mas já passou o prazo para isso, o que demonstra uma incompetência de todas as lideranças, inclusive eu”, disse Cristovam. Um petista histórico rebateu o senador: “Ela (Dilma) não vai entregar a faixa”. Segundo um interlocutor do Planalto, o ex-­presidente Lula está assustado e acompanha, a distância, os desdobramentos da crise no governo Dilma. Análise da notícia Sucessão de problemas O agravamento da crise política e a declaração explícita do vice­presidente Michel Temer de que o Executivo — e a presidente Dilma Rousseff, em particular — é incapaz de virar o rumo da nau governista não poderiam vir em um momento pior. Não que a sucessão de problemas até agora tenha sido tranquila. Mas o PT, hoje, levará ao ar a propaganda política ­partidária.

E novos panelaços devem ser ouvidos em todos os cantos deste país. O mito do guerrilheiro José Dirceu, que foi capitão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, caiu de vez na segunda-­feira, quando o ex­chefe da Casa Civil foi preso novamente, agora acusado de receber propina direta dos corruptores da Petrobras.

O agravamento também ocorre a 10 dias das manifestações populares, que devem levar milhares de pessoas às ruas pedindo o impeachment da presidente. Coincide, também, com o instante em que o ex­-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque começa a acertar os termos da delação premiada. O ex­-diretor da Área Internacional da Petrobras Nestor Cerveró, responsável pela construção e pela compra das refinarias no exterior, também sinaliza um acordo com o Ministério Público.

No cafezinho da Câmara, atordoado pela sucessão de notícias ruins, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT­CE), não comentou as palavras de Temer: “O café ao menos está quente?”, questionou. (PTL)

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O futuro das pedaladas

A Câmara deve votar hoje as contas relativas aos governos Itamar Franco (referente a 1992), Fernando Henrique Cardoso (2002) e Luiz Inácio Lula da Silva (2006 e 2008). O enredo principal, no entanto, pode virar uma novela e ter o desfecho no Supremo Tribunal Federal(STF). Estimulada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB­AL), a presidente da Comissão Mista de Orçamento, senadora Rose de Freitas (PMDBES), defendeu que a análise das contas presidenciais seja feita em sessão conjunta do Congresso, e não como defende o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB­RJ), com a primeira votação na Câmara e, depois, no Senado.

A batalha regimental atende aos interesses do Planalto, mas, ao mesmo tempo, deixa Dilma Rousseff nas mãos do presidente do Senado. Rose ampara­se no Regimento Comum do Congresso, que prevê que as matérias analisadas pela Comissão Mista de Orçamento (CMO) devem ser submetidas à aprovação do parlamento como um todo. O governo torce para que prevaleça a posição de Renan, pois sabe que, na Câmara, as contas da presidente Dilma Rousseff serão rejeitadas, o que abriria espaço para a abertura de um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal.

O Planalto ainda luta para evitar uma derrota no Tribunal de Contas da União (TCU), mas a tendência é que as pedaladas fiscais do governo em 2014 sejam rejeitadas. Vencida a etapa do TCU, passa­se para a discussão política. Em sessão do Congresso, a apreciação das contas seria secreta e conjunta. Se a votação ocorrer primeiro na Câmara, como quer Cunha, o Planalto sangraria até que os senadores reservassem espaço na pauta para apreciar as contas. “Se a Câmara rejeitar, haverá pouco espaço para que os senadores tomem um posicionamento diferente”, afirmou um cacique peemedebista. Renan, mais uma vez, coloca­se como fiador da crise governista.

Algumas faturas já foram sinalizadas: ele quer tratamento especial para Renan Filho, governador de Alagoas. O estado é um dos mais comprometidos com o pagamento da dívida estadual e está interessado em abrir uma negociação, a exemplo do que ocorreu com o governo de São Paulo, sobre a mudança do indexador da dívida. (PTL).