Correio braziliense, n. 19065, 07/08/2015. Política, p. 2

Encruzilhada em busca de governabilidade

 

PAULO DE TARSO LYRA
MARCELLA FERNANDES
LUIZ CARLOS AZEDO
JULIANA CIPRIANI

 
Dilma tenta juntar os cacos de um governo cada vez mais acuado e, sem amparo dos próprios aliados, volta a pedir ajuda a ministros.

Horas depois de o Planalto sofrer mais uma derrota na Câmara, com a aprovação do reajuste para os servidores da Advocacia-Geral da União (AGU), e de o vice-presidente da República, Michel Temer, pedir socorro para que as crises política e econômica não levem o país para o abismo, a presidente Dilma Rousseff se reuniu com o próprio peemedebista, além de ministros petistas, para tentar juntar os cacos do governo. “Tudo o que nós podíamos fazer para ajudar o governo nós fizemos e não deu certo. Chegou a hora de a presidente governar”, disse um ministro do PMDB.

Dilma, aparentemente, entendeu o recado no dia em que uma pesquisa registrou reprovação recorde (leia abaixo). Tão logo terminou a reunião com Temer, chamou os ministros petistas para pedir empenho. Elogiou Temer e o titular da Secretaria de Aviação Civil, Eliseu Padilha, responsáveis por atender as demandas por cargos e emendas parlamentares. Tarefa cujos resultados, aparentemente, não estão surtindo efeito. “O PSD comanda um ministério com orçamento superior a R$ 20 bilhões (Cidades), e seus líderes promovem rebeliões no Congresso, aprovando matérias que prejudicam as contas do país”, reclamou um integrante da coordenação.

A presidente pediu aos ministros do PT — Aloizio Mercadante (Casa Civil), Ricardo Berzoini (Comunicações), Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social), Jaques Wagner (Defesa) e José Eduardo Cardozo (Justiça) — que ajudem Temer na tarefa de conversar com os deputados. “Se nem vocês, do PT, recebem os parlamentares, quem vai receber?”, cobrou a presidente. Dilma tem vivo na memória que, há 10 dias, reuniu todos os ministros políticos que comandam bancadas no Congresso para pedir empenho. Na segunda-feira, ofereceu um jantar a deputados e a senadores no Palácio da Alvorada. Tão logo o convescote terminou, parte deles correu para a reunião comandada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para organizar a traição.

"A crise econômica muitas vezes ocorre e é logo superada. Uma eventual crise política, no Congresso, é imediatamente superada ou será superada ao longo do tempo", Michel Temer, vice-presidente da República

A petista também pediu aos ministros do PT que ajudem o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a convencer os ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) a aprovar as contas de 2014, rejeitando a tese das pedaladas fiscais. A opinião é de que um revés na Corte dificilmente será revertido diante do clima de beligerância no Congresso.

Dilma não consegue emocionar sequer o próprio partido. “Falta interlocução com o Palácio do Planalto, não no sentido formal, mas quanto à construção de alternativas para a crise”, lamenta o senador Walter Pinheiro (PT-BA), ao falar da situação do governo no Senado.

Ironias
Eduardo Cunha ironizou, ao defender que o governo atue para reconstruir a base aliada em vez de fazer apelos pela governabilidade. Segundo o presidente da Câmara, “não ficou claro” o objetivo da declaração de Michel Temer na quarta-feira. “Pareceu-me mais um desabafo pela situação de crise e um desabafo de ver uma matéria daquela magnitude, virtualmente, vir ser aprovada”, afirmou, em referência à proposta que eleva salários na AGU, aprovada ontem em primeiro turno.

Ontem, a Câmara voltou a apertar o torniquete em volta do Planalto. Pela manhã, aprovou as contas pendentes de alguns anos dos governos Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. A votação abre caminho para analisar as pedaladas fiscais de Dilma em 2014. Assim que o Tribunal de Contas da União (TCU) recomendar a aprovação ou a rejeição dos números referentes ao exercício anterior, a Câmara poderá fazer a análise política. Se decidir rejeitar as contas, Dilma pode responder por crime de responsabilidade, o que pode levar a um processo de impeachment. Mais tarde, nova pressão sobre o Executivo: Eduardo Cunha criou a CPI dos Fundos de Pensão e instalou a CPI do BNDES.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello cobrou responsabilidade do Congresso. “Não é hora de cuidar de políticas paroquiais. A hora é de engajamento, é de haver preocupação com o mal maior que se avizinha, que é a crise econômica-financeira. E a Constituição pressupõe entendimento, inclusive no campo político”, declarou.

O setor produtivo também se manifestou ontem. Por meio de nota, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) manifestam apoio à proposta de união apresentada por Michel Temer.


Um país em suspense
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Manutenção do governo
Dilma segue enfraquecida, mas aposta em uma retomada da economia ao longo de 2016 para reconquistar a governabilidade. Se isso não ocorrer, a credibilidade desabará mais ainda e ela sangrará até 2018.

Impeachment
Essa situação pode ocorrer por dois caminhos. O primeiro corresponde ao julgamento, no Tribunal de Contas da União (TCU), das pedaladas fiscais. Se a Corte não aprovar as contas de Dilma referentes a 2014, e o Congresso rejeitá-las em análise posterior, Dilma corre o risco de responder a crime de responsabilidade e sofrer o impedimento. Nesse caso, o vice-presidente, Michel Temer, assumiria o posto. A outra hipótese é o impeachment derivado do julgamento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Justiça analisará se houve irregularidades na campanha, como, por exemplo doações irregulares vindas de dinheiro desviado da Petrobras. Nesse caso, a chapa pode ser cassada, e o TSE teria duas opções: convocar novas eleições ou decretar vitória do segundo colocado na disputa de 2014.

Renúncia
Dilma abriria mão do mandato, de maneira negociada, com lideranças governistas e oposicionistas, para evitar um cenário de ruptura. Nesse caso, Michel Temer assumiria a Presidência.

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Oposição fala em "fundo do poço"

"O governo do PT e a presidente da República pagam, cada dia mais caro, o preço da mentira, do desprezo à inteligência dos brasileiros e do descompromisso com a verdade e com a ética", Aécio Neves, senador e presidente do PSDB

O aumento da crise que atinge o governo Dilma teve impactos na popularidade da petista e serviu de combustível para o discurso dos opositores. Segundo pesquisa Datafolha divulgada ontem, a reprovação à petista chegou a 71%, percentual mais alto da série histórica do instituto, iniciada em 1990. No levantamento anterior, de junho, 65% dos entrevistados consideravam o atual governo ruim ou péssimo. Na sondagem atual, 64% dos entrevistados se disseram favoráveis à abertura de pedido formal de impeachment.

Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) também comentou os resultados. “O governo do PT e a presidente da República pagam, cada dia mais caro, o preço da mentira, do desprezo à inteligência dos brasileiros e do descompromisso com a verdade e com a ética”, disse, por meio de nota.

O senador José Serra (PSDB-SP) classificou a situação como “grave” e disse que o país não está dividido. “Hoje, não há divisão, porque é todo mundo contra (o atual governo). A pesquisa aponta uma desproporção grande e configura uma crise”, afirmou. Segundo Serra, a avaliação da petista é pior do que a de João Goulart e Salvador Allende às vésperas dos golpes que os tiraram das Presidências do Brasil e do Chile, respectivamente.

Na avaliação do deputado Mendonça Filho (DEM-PE), a situação está no nível mais grave. “O governo chegou ao fundo do poço: sem credibilidade, com a economia mergulhada numa recessão dura, com desemprego cada vez maior, vivendo uma crise ética e moral por conta do petrolão, que ainda terá desdobramentos muito fortes”, disse, em referência à Operação Lava-Jato, que investiga desvios da Petrobras envolvendo PT, PMDB e PR. Para ele, a oposição não pode ser culpada pelas derrotas do Executivo no Congresso porque a base também tem votado contra pautas do ajuste fiscal.

O vice-presidente da República, Michel Temer, tentou minimizar o resultado da pesquisa ao dizer que os levantamentos são cíclicos e que, em breve, o cenário se reverterá e Dilma vai reconquistar a popularidade. “Essas pesquisas são negativas para logo depois se tornarem positivas. Aliás, a presidente Dilma tem feito um trabalho excepcional exatamente para manter uma tranquilidade institucional no nosso país, então a pesquisa de hoje não será a pesquisa de amanhã”, afirmou, durante palestra no UniCeub ontem.

Ex-líder do governo na Câmara, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) atribuiu a baixa popularidade à crise econômica, à aprovação de pautas prejudiciais ao ajuste fiscal — motivadas pela atuação da oposição — e à percepção da população de que a presidente está vinculada aos casos de corrupção, como a Lava-Jato. “Parte da população debita essa corrupção que está sendo investigada na conta da presidente, mas ela conduz o país com coragem e firmeza”, disse o petista. (MF, PTL e JC)