Correio braziliense, n. 19065, 07/08/2015. Economia, p. 7

Dólar bate novo recorde e o BC decide intervir

 

ROSANA HESSEL
 
Crise política e possibilidade de impeachment de Dilma aumentam a tensão e levam a divisa a R$ 3,53. Para tentar segurar a escalada, a autoridade monetária interfere no mercado e amplia a oferta da moeda por meio de contratos cambiais.

Diante do agravamento da crise política e da possibilidade considerada cada vez maior de afastamento da presidente Dilma Rousseff, o dólar votou a disparar ontem, chegando perto dos R$ 3,60 no momento de maior nervosismo do mercado. Temendo perder completamente as rédeas da situação, o Banco Central tentou, inicialmente, conter a disparada no gogó, com um pronunciamento do diretor de Política Monetária da instituição, Aldo Mendes. “O preço do dólar está claramente esticado”, disse. 

Segundo o diretor, “o nível atual da taxa de câmbio está muito acima do que seria explicado pelos fundamentos econômicos do Brasil, mesmo considerando o delicado momento político do país”. “Os agentes estão agindo com pouca racionalidade. Comprar a moeda nesses níveis pode representar um risco potencial de perda a médio prazo.” No fim da tarde, porém, o BC decidiu tomar uma providência mais concreta e anunciou que vai ampliar a intervenção no mercado por meio da maior oferta de contratos de swap cambial às instituições financeiras.

Os swaps cambiais são operações equivalentes à venda futura de dólares e vêm sendo empregados pelo BC desde agosto de 2013 para controlar as cotações da divisa. Neste ano, contudo, a instituição reduziu a colocação de novos contratos e diminuiu renovação dessas operações. No comunicado feito ontem, a autoridade monetária avisou que vai aumentar a oferta diária de contratos de 6 mil para 11 mil e elevar de 60% para 100% a rolagem dos vencimentos de setembro. Hoje, oferecerá até R$ 5 bilhões ao mercado. O temor do BC é que a disparada do dólar, ao provocar o encarecimento dos preços de bens importados e produtos de exportação, jogue ainda mais lenha na fogueira da carestia e o obrigue a elevar ainda mais as taxas de juros.

Turbulência
Antes que a notícia fosse divulgada, o mercado encerrou as operações com o dólar cotado a R$ 3,537, com avanço de 1,39% em relação ao dia anterior. Foi a sexta alta consecutiva da moeda, que atingiu maior cotação de fechamento desde 5 de março de 2003. Nas casas de câmbio, a moeda foi vendida entre R$ 3,75 e R$ 3,90. O euro chegou a R$ 4,11. A turbulência política não poupou também as ações. A Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa) recuou 0,55%, para 50.011 pontos. Na semana, o Ibovespa acumula retração de 1,68% e, no ano, a variação é próxima de zero. O clima azedou também as negociações no mercado de juros futuros. Os contratos DI com vencimento em janeiro de 2016 subiram de 14,24% para 14,24% ao ano, e os com vencimento em janeiro de 2017 saltaram de 13,76% para 14,21%. A forte volatilidade do mercado fez com que o governo suspendesse, pela manhã, as negociações do Tesouro Direto, que só foram retomadas à tarde.

Paranoia
“O mercado está espelhando a instabilidade política do governo Dilma. As pessoas passam a acreditar que, apesar de não haver impeachment neste momento, não há mais capacidade de governar. O receio com a crise de governabilidade é crescente”, explicou o economista-chefe do banco de investimento Besi Brasil, Jankiel Santos. “O que ocorreu no câmbio foi puramente reflexo da crise política. As derrotas expressivas do governo no Congresso, nesses últimos dias, e o fato de o vice-presidente da República (Michel Temer) fazer um apelo pela governabilidade e afirmar que a situação é grave mostram que o quadro atual é preocupante e deixam os investidores paranoicos”, afirmou. “Mais uma vez, o recado dado pelo mercado é que o governo precisa agir e não apenas falar. Falta ação”, criticou.

Santos destacou que as declarações de Aldo Mendes não impediram novo recorde no dólar. “Isso mostra que nem o BC tem mais força para convencer os mercados”, disse. Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, no entanto, parte do mercado entendeu o recado do diretor do BC. “Ele sugeriu adaptar a atual política de rolagem dos swaps cambiais, o que pode moderar a trajetória do câmbio”, disse ele, acrescentando que o dólar cedeu um pouco e a alta, que chegou a 2,4%, diminuiu para 1,39% no fechamento.

Na avaliação de Eduardo Velho, economista-chefe da INVX Global Partners, a desconfiança do mercado deve persistir e o governo continuará com dificuldade para ampliar os prazos da dívida pública. “A curva dos juros pré-fixados vai subir mais ainda e isso tornará mais complicada a rolagem dos títulos do Tesouro”, avisou. Ele observa que quem conseguiu comprar papéis indexados à inflação com vencimento em 2019 está tendo remuneração de IPCA mais 6,88%, o que dá juros reais de 7% ao ano. “O cenário político sinalizado por Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados), no início de julho, está se configurando muito pior, com derrotas sucessivas do governo no Legislativo. Está se cristalizando o rebaixamento do país pelas agências de risco”, avisou.
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Brecha para nova alta de juros

O Banco Central interrompeu o ciclo de alta da taxa básica de juros (Selic) em julho, mas deixou uma brecha para novas elevações se o quadro inflacionário piorar. Essa é a avaliação da maioria dos analistas do mercado, após a divulgação, ontem, da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Na semana passada, o órgão promoveu a sétima alta consecutiva da Selic, que atingiu 14,25% ao ano, o nível mais elevado desde agosto de 2006. Com o país mergulhado em recessão, porém, o BC entendeu que não é preciso subir mais a taxa, que, se mantida por um período “suficientemente prolongado”, conduzirá a inflação para a meta, de 4,5%, no fim de 2016. Na ata, porém, o comitê ressaltou que é preciso manter-se “vigilante em caso de desvios significativos”.

“O Copom deixou muito claro que o ciclo de alta foi interrompido e que pretende manter a Selic constante neste ano, ao afirmar que a estratégia está na direção correta e que os riscos remanescentes são condizentes com o efeito defasado (da elevação de juros)”, avaliou o economista e consultor Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC. No entanto, ele considera que o órgão deixou uma janela aberta a um novo reajuste ao mencionar “riscos remanescentes para que as projeções de inflação atinjam o objetivo com segurança”.

O diretor do Departamento de Pesquisas Econômicas do Bradesco, Octavio de Barros, não acredita em nova elevação. Para ele, a ata reforça o entendimento de que os juros deverão permanecer no patamar atual por um longo período. “(A ata)corrobora o comunicado emitido após o encontro, explicitando o fim do ciclo de alta da taxa Selic”, afirmou.

O economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, tem visão diferente. “O BC não quer subir mais a Selic, mas dada a deterioração recente das expectativas, devido à crise política, à alta do dólar, e à alteração das variáveis fiscais, não terá outra opção”, disse. Ele prevê mais uma alta em setembro, desta vez de 0,25 ponto percentual, que levaria a taxa para 14,50%.

Na ata, o BC avaliou que a redução da meta de superavit primário (economia para o pagamento dos juros da dívida pública) “impacta as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação e podem contribuir para criar uma percepção menos positiva sobre o ambiente macroeconômico a médio e a longo prazos” .

Para Schwartsman, é outro sinal de que o BC pode subir os juros, pois a alta do dólar indica que a inflação vai demorar para arrefecer. Na avaliação do economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, a interpretação mais adequada parece ser a de que o ciclo de alta se encerrou, mas ainda existe possibilidade de que a Selic aumente. (RH)

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Sangria na poupança

Os brasileiros estão raspando o que podem da caderneta de poupança. Em julho, pelo sétimo mês consecutivo, houve mais retiradas do que depósitos na tradicional modalidade de investimentos. O saldo ficou negativo em R$ 2,453 bilhões. Com isso, no acumulado do ano, a caderneta já perdeu R$ 41 bilhões, quase o dobro do saldo líquido computado em 2014. Trata-se do pior resultado em 20 anos.

Pelos cálculos do Banco Central, o saldo total da poupança fechou julho em R$ 646,5 bilhões, o menor nível desde setembro do ano passado. Nem os rendimentos incorporados aos depósitos estão sendo suficientes para conter a sangria da caderneta.

Mantido esse ritmo de perdas até o fim do ano, a Caixa Econômica e os bancos privados poderão anunciar novas restrições para o financiamento de imóveis com recursos da poupança.

Além do baixo rendimento, a caderneta está sendo afetada pela forte queda na renda dos trabalhadores, que têm sido obrigados a recorrerem às economias para fechar as contas, uma vez que a inflação está encostando nos 10%, e pelos boatos sobre confisco, já desmentidos veementemente pelo Ministério da Fazenda.

O atual ciclo de alta dos juros básicos e do dólar também contribui para tirar o brilho da poupança, tornando outros investimentos mais atrativos. Até porque, há três anos, a forma de remuneração da aplicação mudou. Pela regra de maio de 2012, sempre que a taxa básica de juros, a Selic, for igual ou menor que 8,5% ao ano, o rendimento passa a ser 70% da Selic mais a Taxa Referencial (TR). Atualmente, a taxa básica está em 14,25% ao ano. Quando o juro sobe a partir de 8,75% ao ano passa a valer a regra antiga de remuneração fixa de 0,5% ao mês mais a TR.

Energia subirá 50,9% no ano
O Banco Central elevou a expectativa de alta dos preços administrados — energia, combustíveis, planos de saúde, medicamentos — para 14,8%, neste ano. Na ata da reunião do Comitê de Política Monetária de junho, a projeção era de aumento de 12,7%. De acordo com o documento de julho, foi considerado um salto de 50,9% nos preços da energia elétrica, de 9,2% no custo da gasolina e de 4,6% no do gás de cozinha. Também foi contabilizada a queda de 3% nas tarifas de telefonia fixa. O cenário de referência usado pelo Copom levou em conta as hipóteses de taxa de câmbio de R$ 3,25 e de taxa básica de juros (Selic) em 13,75% ao ano. Para os analistas, esse cenário já está defasado.