Correio braziliense, n. 19092, 03/09/2015. Economia, p. 7


Dilma reabilita CPMF e diz que respeita Levy 

 

Julia Chaib

Presidente não descarta nenhuma nova fonte de receita para cobrir o deficit do Orçamento, afirma que não transfere responsabilidades e nega isolamento do ministro da Fazenda. Para a oposição, Congresso não aprova mais impostos.
 
Apesar da péssima repercussão na sociedade e no Congresso, o governo não desistiu da ideia de recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para tentar fechar o rombo que produziu nas contas públicas. A presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que deverá enviar ao Congresso Nacional um adendo Orçamento da União para 1016 propondo alternativas para cobrir o deficit de R$ 30,5 bilhões previsto no projeto encaminhado ao Legislativo última segunda-feira.

“Eu não gosto da CPMF. Acho que ela tem suas complicações. Mas não estou afastando a necessidade de criar nenhuma fonte de receita. Quero deixar isso claro”, disse a presidente, em entrevista concedida após participara de uma solenidade no Palácio do Planalto. Dilma disse ainda que o governo não transferirá ao Congresso o ônus de equacionar o desequilíbrio orçamentário. “Nós não fugiremos à nossa responsabilidade de propor a solução para o problema. O que nós queremos, porque vivemos num país democrático, é construir essa alternativa. Mas a responsabilidade sempre será nossa”, afirmou.

Dilma também negou que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, esteja isolado ou desgastado dentro do governo. Nas últimas semanas, Levy tem sido vencido pelo ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, e pelo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, em praticamente todas as discussões de medidas econômicas. Ele queria fazer maiores cortes de gastos, resistiu à redução da meta de superavit primário deste ano e não gostou nada da ideia de elaborar um orçamento deficitário para 2016. A presidente que, por afinidade ideológica, quase sempre fecha com as posições de Barbosa e Mercadante, disse não ver problema no conflito de opiniões.

“O ministro Levy não está desgastado dentro do governo. Ele participou conosco de todas as etapas da construção do Orçamento. Ele tem o respeito de todos nós”, disse a presidente. “Mas somos um governo que debate para chegar a uma posição. E, a partir do momento em que temos uma posição, ela é de todos nós”, disse Dilma. Segundo a presidente, o governo é como uma família que está sempre unida, ainda que seus integrantes tenham posições variadas.

Surto

Ao longo da última semana, ministros discutiram intensamente a possibilidade da volta da CPMF, que vigorou até 2007 com uma alíquota de até 0,38%. O tributo renasceria com o nome de Contribuição Interfederativa da Saúde (CIS), mas, diante da rejeição manifestada por empresários e parlamentares, a presidente voltou atrás, no último sábado. Agora, aparentemente alarmada com a forte reação negativa dos agentes econômicos à incapacidade do governo de reequilibrar as contas, e à possibilidade, cada vez mais próxima, de o país perder o grau de investimento, Dilma mudou novamente de direção.

O vaivém do governo, no entanto, só faz aumentar a perplexidade e a desconfiança do mercado na condução da política econômica. Ontem, o dólar teve mais um dia de forte alta e terminou a sessão cotado a R$ 3,75, o valor mais alto desde 12 de dezembro de 2002. No Congresso, a oposição reagiu com descrédito à ideia de recriar a CPMF. “É mais um surto da presidente. Ela diz que não gosta da cobrança, mas defende uma nova fonte de receita. Trata-se de mais um exemplo da falta de rumo do governo”, avaliou o líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR).

Segundo o parlamentar, com uma carga tributária que chega a quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) e serviços públicos de saúde, educação e segurança de péssima qualidade, a sociedade não tem como arcar com mais impostos. “Não adianta o governo insistir. Medidas como essa não passam no Congresso”, afirmou Rubens Bueno. Ele também cobrou a eliminação de 10 ministérios prometido pela presidente. “Já se passaram duas semanas do anúncio da medida e, até agora, não temos nada de concreto”, disse. “Enquanto isso, o ministro do Planejamento vem à Câmara e diz que já cortou o que tinha que cortar e não tem mais o que fazer. Querem que o Legislativo resolva o problema que o Executivo criou”, criticou o deputado.

Na entrevista, a presidente disse que vai terminar a reforma administrativa até o fim deste mês, mas avisou que as mudanças não vão proporcionar grande redução de custos. “A reforma é importante, mas pelo lado da gestão. Ela torna o governo mais ágil, facilita os investimentos, diminui a burocracia. Mas não produz grande efeito de arrecadação de impostos. Se alguém disser isso, estará fazendo demagogia”, afirmou. Dilma ainda criticou o Legislativo por aprovar medidas que aumentam gastos públicos. “É impossível, na situação em que estamos, que se passe a inventar despesa. Em situação normal, com a economia crescendo a taxas elevadas, tivemos alguns processos que foram vetados porque o país não dava conta. Muito menos agora quando há um deficit.”

Uber em xeque
A presidente Dilma Rousseff defendeu a regulamentação do aplicativo Uber. “É uma polêmica. Eu acho que o Uber é complexo porque tira emprego de muitas pessoas. Não é uma coisa tranquila”, afirmou. Dilma, no entanto, ponderou que não é papel do governo federal interferir no funcionamento do aplicativo. “Depende também da regulamentação de cada cidade, cada estado. Não é União que decide isso”, afirmou.