Correio braziliense, n. 19067, 09/08/2015. Economia, p. 8

Recessão piora rombo das aposentadorias

 

Antonio Temóteo
 
Deficit da Previdência Social deverá chegar a R$ 105 bilhões em 2016, o equivalente a 1,7% do PIB, com desemprego e queda no faturamento das empresas. Dispensas em massa vão atingir 1,24 milhão de brasileiros neste ano ANTONIO TEMÓTEO
As ameaças ao bolso dos brasileiros não estão só no presente. Até a expectativa de descansar daqui a uma ou duas décadas está sob risco com a recessão que o país atravessa. O rombo nas contas da Previdência Social ultrapassará os R$ 105 bilhões em 2016 com o aumento do desemprego e com a queda no faturamento das empresas. Esse deficit corresponderá a 1,7% do Produto Interno Bruto (PIB), nas contas da Tendências Consultoria. E será superior aos R$ 88,9 bilhões previstos para este ano.

As demissões em massa, que em 2015 devem atingir 1,24 milhão de brasileiros, reduzirão significativamente o crescimento das contribuições do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Além disso, os recolhimentos que incidem sobre as receitas das companhias tendem a cair com o agravamento da crise econômica e com a baixa confiança das pessoas em consumir. É mais um problema sobre o qual a equipe econômica do governo terá de se debruçar nos próximos anos, ainda que o país consiga sair do atoleiro.

A necessidade de financiamento projetada pelo especialista em finanças públicas da Tendências Fabio Klein será a segunda alta consecutiva. O governo estimou que o deficit equivalerá a 1,5% da geração de riquezas no país em 2015 (leia quadro ao lado). Os cálculos de Klein levaram em conta que as despesas da Previdência Social com benefícios serão de R$ 488,5 bilhões no próximo ano e as receitas, de R$ 383,5 bilhões. Para chegar ao montante de contribuições ao INSS, ele considerou a aprovação do projeto de lei que tramita no Congresso Nacional aumentando as alíquotas das desonerações da folha de pagamento — caso não seja chancelado, a situação será pior.

O Executivo estima incrementar R$ 12,5 bilhões às contas do INSS se o texto for ratificado pelos parlamentares. Entretanto, esse montante será insuficiente para cobrir o aumento de despesas, já que os benefícios são corrigidos pela mesma regra que reajusta o salário mínimo. Pensões e aposentadorias com valor superior ao piso são reajustados apenas pela inflação. “Mesmo quando o país gerava empregos, a Previdência Social era deficitária. Agora, a situação deverá se agravar com o aumento no número de demissões. E as empresas com alíquotas sobre o faturamento pagam menos porque estão vendendo menos”, detalha.

Prejuízo crescente
O aumento do desemprego já afeta significativamente a Previdência Social. Dados do Tesouro Nacional apontam que as contribuições das empresas e dos trabalhadores no primeiro semestre diminuíram 0,8% em relação a 2014 enquanto as despesas cresceram 3,8% no mesmo período de comparação. Somente a previdência urbana, que é tradicionalmente superavitária, acumula redução de 47,65% do saldo positivo entre arrecadação e pagamento de benefícios nos seis primeiros meses do ano.

Com mais demissões, a tendência é que as contas da Previdência acumulem valor ainda maior de prejuízos. No mercado, os analistas já projetam que a taxa de desemprego chegará a 10% em 2016 e a economia encolherá pelo menos 0,2%. Para os analistas, uma mudança na trajetória de rombos passa pelo endurecimento nas regras para concessão de benefícios. O governo criou um comitê para debater com empresários e trabalhadores mudanças nas normas, mas esse grupo nunca se reuniu. Para piorar, o Congresso Nacional criou uma alternativa ao fator previdenciário que tem potencial para elevar os gastos em R$ 2 trilhões até 2060.

Na contas de Rodolfo Peres Torelly, o ex-diretor do Departamento de Emprego e Salário do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), 1,24 milhão de postos formais serão fechados até dezembro. Segundo ele, a crise econômica tem obrigado empresários de todos os setores a dispensar mão de obra para reduzir custos e não há qualquer indicação de mudança nesse cenário. Torelly destaca que o volume de contratações no país se concentra entre junho e outubro, mas o total de demissões no primeiro semestre chegou a 345,4 mil postos.

Nos últimos 12 meses, já foram fechadas 602 mil vagas no mercado formal, e o especialista detalha que julho deve ser um mês com mais demissões. “A situação só tem piorado e não sabemos se já chegamos ao fundo do poço. Quem perde o emprego tende a trabalhar por conta própria porque precisa de renda. Mas, mesmo com os incentivos governamentais, com taxa pequena para que o empresário tenha direito a um benefício, as pessoas se mantêm na informalidade”, afirma Torelly.

O especialista afirma que o governo será obrigado a cobrir o rombo previdenciário e ainda terá de custear benefícios assistenciais para quem nunca fez pagamentos regulares. 
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Melhora vai demorar


 
O ex-secretário de Políticas de Previdência Social Leonardo Rolim explica que as empresas evitam ao máximo demitir os empregados pela escassez de mão de obra qualificada no país e pelos custos com o desligamento do trabalhador. Com isso, o mercado de trabalho é o último a ser atingido pela crise econômica. Entretanto, ele ressalta que as contratações só voltam a ocorrer quando há sinais claros de que a atividade produtiva do país está em ascensão. Nesse contexto, a Previdência é atingida em cheio. Menos contribuições são feitas pelos trabalhadores, e os recolhimentos realizados com base no faturamento das companhias tendem a cair com a recessão, observa. 

Para Rolim, as despesas da Previdência Social terão um crescimento real de pelo menos 3% em 2016 e as receitas terão um incremento de apenas 1%. Assim, o deficit aumentará significativamente e o rombo em relação ao PIB voltará a aumentar. O especialista ainda aponta que, com a recessão, os salários devem encolher para quem entrar no mercado de trabalho. Dessa forma, as contribuições ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) também tendem a se reduzir. Mesmo que o ritmo de demissões diminua no próximo ano, a situação será pior e o Executivo terá dificuldades em fazer superavit primário porque precisará cobrir a necessidade de financiamento da Previdência Social, assinala. 

O ex-secretário ainda alerta que o país perdeu todas as oportunidades para elevar as receitas da Previdência. Segundo ele, a tendência é que o bônus demográfico acabe a curto prazo, que o número de mulheres que entram no mercado de trabalho se estabilize e que os salários não sejam reajustados com a mesma intensidade dos últimos anos. Tudo isso contribuiu para o aumento das receitas, mas temos um sistema insustentável a longo prazo. Para piorar, o Congresso Nacional muda a legislação para facilitar ainda mais o acesso aos benefícios, afirma. 

Ajuste 
Na opinião de Rolim, as mudanças na Medida Provisória nº 664, que altera a concessão de benefícios previdenciários, comprometeram significativamente a economia que se pretendia fazer. Ele ressaltou que as regras de auxílio-doença, sobretudo, deveriam ter sido aprovadas como foram enviadas ao Legislativo. O governo propôs que os primeiros 30 dias de afastamento fossem custeados pelo empregador. Pelo texto aprovado, fica como está. Só os primeiros 15 dias são pagos pelo patrão. Se a mudança tivesse passado, além de o INSS fazer uma economia significativa nos próximos anos, os peritos médicos teriam a carga de trabalho significativamente reduzida, pois dedicam muito tempo à realização dos exames para a concessão do seguro por doença, destacou. (AT)