O globo, n.30.019, 15/10/2015. País, p.4

Cunha já conta votos no Conselho de Ética

Deputado precisa do apoio de 11 deputados para escapar de cassação, e governo ou oposição podem salvá- lo

- RASÍLIA-Prestes a enfrentar um processo no Conselho de Ética, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), começa a fazer contas de votos e mapear o posicionamento dos integrantes do colegiado, única instância na Casa onde foi derrotado este ano, quando seu candidato, Arnaldo Faria de Sá ( PTB- SP), perdeu a disputa pela presidência para José Carlos Araújo ( PSD- BA). Há uma avaliação de que cada voto pode fazer a diferença e de que, nesse momento, o resultado do processo é “imprevisível”. Ainda há dúvidas se os votos que podem salvar Cunha partirão da oposição, que pode decidir apoiar o peemedebista em troca do prosseguimento do pedido de impeachment, ou do PT, pressionado pelo governo para evitar a deflagração do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff.

Cunha precisa de 11 votos para se livrar de um processo de cassação. Nos cálculos de seus aliados, há um grupo de cerca de 11 deputados, informalmente chamado de centrão, que tende a votar para salvar o presidente da Câmara. São os deputados do PMDB, Solidariedade, PSC, PR, PP, PTB e PSD. Os representantes destes dois últimos, no entanto, são considerados mais suscetíveis a pressões. O PMDB está na linha de frente da operação de blindagem e começou a articular a defesa de Cunha com a nomeação, ontem, de dois suplentes para o colegiado, os deputados Carlos Marun ( PMDB- MS) e Manoel Júnior ( PMDB- PB), ambos aliados do presidente da Câmara. Tudo para garantir uma blindagem no caso de uma votação apertada. Cunha, no entanto, negou ontem estar preocupado com a correlação de forças.

— Não tenho maioria nem minoria. Eu tenho a verdade e a verdade prevalecerá ao fim — disse Cunha.

ATUAÇÃO DO PT AINDA É INDEFINIDA

No PP e no PR, os deputados que representam o partido já foram avisados de que Cunha quer “conversar” sobre o tema. A tendência é que não tragam dificuldades ao peemedebista no colegiado. Apesar de integrarem a base aliada, esses partidos ajudaram a eleger Cunha para a presidência da Câmara e defendem que ele trouxe independência à Casa, fortalecendo o poder dos parlamentares junto ao Planalto.

— Qualquer um que tem inimigos pode ser alvo de um processo no Conselho de Ética. Não dá para fazer nada de forma açodada — afirma um deputado da base que integra o conselho.

A atuação do PT, que tem três votos no colegiado, ainda não está definida. Há um pedido do governo para que o partido não confronte diretamente o presidente da Câmara para evitar que ele reaja dando prosseguimento ao impeachment. Mas, muitos petistas se rebelaram contra a orientação governista.

— Minha decisão vai ser de membro do Conselho de Ética, que não é uma instância de decisão partidária. Não recebi nenhuma orientação de quem quer que seja e espero exercer meu mandato no conselho com independência e na plenitude, sem interferências de ninguém. Acho que a situação do Eduardo Cunha é insustentável politicamente e, com essa decisão do Supremo, teremos ao menos um mês sem que esse debate do impeachment prospere — afirma o deputado Zé Geraldo ( PT- PA), integrante do conselho.

Prova da rebeldia no PT foi que, apesar da orientação do Planalto, 34 deputados do partido assinaram o pedido de afastamento de Cunha protocolado no Conselho de Ética pela Rede e PSOL. Entre os parlamentares, estão ex- ministros e petistas ligados a atuais ministros, o que demonstra que não é tarefa fácil para o governo controlar o seu partido.

O ex- ministro dos Direitos Humanos e da secretaria de Relações Institucionais Pepe Vargas ( PT- RS), exonerado há menos de dez dias, está entre os signatários do pedido de cassação de Cunha. Zeca Dirceu ( PT- PR), filho do ex- ministro José Dirceu e integrante da principal corrente petista, a CNB, também não acatou o pedido do do Planalto. Dos seis deputados da bancada gaúcha, cinco assinaram o requerimento. Apenas Marco Maia, que foi presidente da Câmara antes de Cunha, não aparece no documento. Dois deles, Marcon e Elvino Bohn Gass são ligados ao ministro do Trabalho e Previdência, Miguel Rossetto.

OPOSIÇÃO ESTÁ DIVIDIDA

Na oposição, há quem defenda blindar Cunha para garantir o andamento do impeachment, mas muitos acreditam que o presidente da Câmara já foi cooptado pelo governo e não atenderá aos apelos da oposição. Esse grupo defende ser mais urgente recuperar a imagem dos oposicionistas junto à opinião pública diante da pecha de assumir uma “ética seletiva”.

— Eu já me manifestei contra a permanência de Eduardo Cunha na presidência antes mesmo das denúncias ganharem tanto corpo como agora. Não vou fazer acordo e tenho certeza que meu partido não vai dar essa orientação — afirma Betinho Gomes ( PSDB- PE).

— A situação do Eduardo Cunha é muito delicada, mas a prioridade do meu partido é o impeachment. As pessoas nas ruas não me perguntam de Eduardo Cunha, mas sim quando vou tirar a Dilma da presidência — pontua Nelson Marchezan Junior ( PSDB- RS).

 

 

‘ É uma situação extremamente grave’

 

Presidente do Conselho de Ética da Câmara que julgará Cunha considera que revelação de contas na Suíça causa impacto

O presidente da Câmara é um parlamentar muito influente. O Conselho não vai votar pressionado?

GIVALDO BARBOSASem pressão. Araújo sobre julgar Cunha: “Encaro como mais uma tarefa envolvendo um deputado”

Não. Pelo seguinte, quando fui presidente pela segunda vez, fiz uma reforma no regimento do Conselho e uma das coisas que enfatizamos, e foi votada, foi a independência. Ou seja, os membros do Conselho de Ética são eleitos. Eles são indicados pelos líderes e ao chegarem passam por eleição. Como dizia o ex- ministro ( Antônio) Magri, são “imexíveis”, eles não podem ser substituídos pela vontade do líder do partido. Ele só sai se renunciar ou se morrer. Eu não pretendo renunciar e nem morrer, portanto, vamos julgar o processo.

Vai ser um julgamento simples?

Não digo que seria simples, seria normal. Eu encaro isso como mais uma tarefa envolvendo mais um deputado. Eu não estou encarando como o presidente da Câmara, estou encarando como o deputado federal Eduardo Cunha, eleito pelo Rio de Janeiro.

Para o senhor será tarefa difícil?

Todo processo é difícil. Julgar colegas é realmente um processo difícil. Mas já fizemos isso antes, é a terceira vez que sou presidente do Conselho. Já atravessei maremotos parecidos e conseguimos sair do outro lado tranquilamente.

Como o senhor avalia os fatos narrados na denúncia do PSOL?

Não tive tempo de parar para ler toda a denúncia. Hoje pretendo conhecer todas as denúncias que estão ali e as provas, se é que tem provas no processo.

Mas como o senhor vê as acusações envolvendo contas na Suíça, que são as mais recentes?

Acho que é uma situação grave, vinda de um presidente da Casa. É uma situação extremamente grave e estou encarando isso com muita seriedade. Vamos examinar os fatos e tenho certeza que o relator que for escolhido vai saber separar o joio do trigo.

Quanto tempo deve demorar esse processo?

Na verdade, o tempo deve começar a ser contado a partir da instalação. A data limite para isso ocorrer é dia 27. Estou mandando o processo para a Mesa até amanhã. Conta- se três sessões deliberativas. Devo receber o processo na quarta- feira que vem e devo marcar a sessão para a outra terça- feira, dia 27. Esse á data limite de início do processo de investigação do deputado Eduardo Cunha.

Se comprovado que o presidente mentiu à CPI, isso não configura quebra de decoro?

Já existiram outros casos em que isso ficou comprovado, e foi julgado dessa forma. Isso o relator vai examinar. Em tese, mentira configura sim ( quebra de decoro). O Conselho de Ética já apreciou processo de deputados que cometeram esse erro de mentir. Em tese, isso configura quebra.