O globo, n.30.018, 14/10/2015. País, p.3

STF barra rito de Cunha

Ministros concedem liminares que impedem recursos contra rejeição a pedido de impeachment

Teori Zavascki alegou que processo “que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado” tem que observar o devido processo legal, sem qualquer dúvida de ordem jurídica

No dia em que foi denunciado ao Conselho de Ética por quebra de decoro, por supostamente ter mentido sobre contas na Suíça, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB), perdeu uma batalha na guerra pelo impeachment da presidente Dilma: três liminares do STF frustraram a estratégia dele de usar o rito que estabelecera para a tramitação. Líderes da oposição discutiram com Cunha estratégias para o impeachment. “Começo a ficar convencido de que, se eu entregar a cabeça de Dilma, vocês entregam a minha no dia seguinte”, reclamou ele. O ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, também encontrou Cunha, para pedir que a Câmara não atropele a lei. A cassação do peemedebista foi pedida por deputados do PSOL, da Rede e de outros partidos, com apoio de metade da bancada do PT. - BRASÍLIA- Três liminares concedidas pelos ministros Rosa Weber e Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal ( STF), suspenderam ontem o andamento dos processos de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados da maneira como foram definidos no fim de setembro pelo presidente da Casa, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ). Os magistrados não mencionaram qualquer proibição ao processamento do impeachment com a adoção de regras diferentes das fixadas por Cunha, mas o teor dos despachos dos ministros provocou dúvidas entre governistas e oposicionistas sobre a extensão das decisões. As liminares foram concedidas a pedido de quatro parlamentares governistas, que ajuizaram no tribunal dois mandados de segurança e uma reclamação.

AILTON DE FREITASDia ruim. Cunha vai recorrer: “Não há qualquer alteração com relação ao meu papel de aceitar ou indeferir ( pedidos de impeachment)”

As decisões dos ministros do STF foram dadas horas antes de 45 deputados pedirem a cassação de Eduardo Cunha em processo entregue no Conselho de Ética da Câmara.

Cunha anunciou que sua assessoria técnica prepara um recurso contra as decisões dos ministros do STF, que deve ser apresentado hoje. O peemedebista ressaltou que, na liminar, os ministros não julgaram o mérito da questão:

— Isso é um tema muito complexo e não dá para uma decisão monocrática dessa prevalecer. Tem que ser decidida pelo plenário do Supremo. Vou recorrer e certamente outros também irão.

O entendimento de Cunha é que as liminares não interferem em seu poder de decisão sobre o deferimento ou arquivamento dos pedidos de impeachment existentes. O presidente da Câmara disse que, ontem mesmo, decidiu indeferir mais cinco pedidos contra Dilma.

— A decisão dos ministros aborda a questão de ordem, que nada mais é que a reunião de várias decisões tomadas anteriormente na Câmara. Não há qualquer alteração com relação ao meu papel originário, de aceitar ou indeferir. Indeferi cinco agora. Não há nada com relação ao meu papel, é com relação ao processo subsequente — afirmou.

JULGAMENTO DEVE FICAR PARA NOVEMBRO

Cunha alegou que a resposta à questão de ordem apresentada pelo DEM sobre o rito de tramitação de pedidos de impeachment apenas elencava procedimentos existentes na Casa:

— Se for questionar mais, vai dizer que o impeachment do Fernando Collor foi todo ilegal, e o Supremo apreciou todo o rito do impeachment. A nossa assessoria tem plena confiança nos termos que foram colocados na questão de ordem.

Por lei, cabe ao presidente da Câmara decidir sobre um processo de impeachment, diante de pedidos apresentados por deputados, entidades ou cidadãos. Uma das regras estabelecidas por Cunha prevê que, se ele rejeitar um pedido de impeachment, qualquer deputado poderia recorrer da decisão. Neste caso, o plenário da Casa teria a palavra final sobre a abertura de uma comissão especial para analisar o afastamento da presidente.

Em tese, com as decisões tomadas ontem, cabe exclusivamente a Cunha aceitar ou não pedido de impeachment, sem possibilidade de recurso ao plenário da Câmara. Na Câmara, há todo tipo de interpretação sobre as decisões. Procurados pelo GLOBO, os ministros se recusaram a dar qualquer tipo de explicação.

— Ele ( Cunha) que leia e interprete — disse Rosa.

— Essas dúvidas eu não vou tirar, porque não me cabe tirar essas dúvidas — ressaltou Zavascki.

As decisões foram tomadas em caráter liminar, ou seja, provisório. Os ministros deram dez dias de prazo para a Presidência da Câmara se manifestar. Depois, a Procuradoria- Geral da República terá mais dez dias de prazo. A Advocacia- Geral da União ( AGU) também poderá se manifestar se considerar necessário, mas não foi definido prazo. Depois das manifestações, os ministros vão elaborar seus votos para submetê- los ao plenário do STF — que dará a palavra final sobre o caso. Em uma perspectiva otimista, esse julgamento ocorrerá em novembro.

A decisão de Zavascki foi tomada diante de um mandado de segurança proposto pelo deputado Wadih Damous ( PT- RJ). Rosa Weber primeiro concedeu liminar em mandado de segurança ajuizado pelo deputado Rubens Pereira Júnior ( PCdoBMA). Depois, Rosa concedeu outra liminar, em reclamação dos deputados Paulo Teixeira ( PT- SP) e Paulo Pimenta ( PT- RS). As três ações questionaram o fato de Cunha não ter analisado um recurso do PT contra o rito estabelecido por ele.

Na decisão, Zavascki ressaltou que o assunto, à primeira vista, tem aparência de ‘ interna corporis’ — tema a cargo dos próprios parlamentares. No entanto, ponderou que um processo de impeachment é assunto que merece atenção especial. Ele esclareceu que, pela Constituição Federal, as normas de processo e julgamento de pedido de impeachment dependem de lei específica. “Em processo de tamanha magnitude institucional, que põe a juízo o mais elevado cargo do Estado e do governo da nação, é pressuposto elementar a observância do devido processo legal, formado e desenvolvido à base de um procedimento cuja validade esteja fora de qualquer dúvida de ordem jurídica”, escreveu Zavascki. O ministro acrescenta que o “inusitado modo de formatação do referido procedimento” justifica uma posição do STF.

Rosa também justificou a interferência em assuntos do Legislativo como uma forma de impedir o descumprimento da Constituição. Para ela, baixar regras para tratar de processo de impeachment é uma forma de desobedecer a Constituição.