Santa Catarina vive entressafra política

Patrick Cruz 

14/09/2015

Santa Catarina tem uma das economias mais fortes do país. Com apenas 3,3% da população brasileira, o Estado tem o sexto maior PIB, é o sexto maior exportador e tem a segunda maior renda per capita. Na última semana de agosto, de acordo com dados do IBGE, o desemprego no Estado ficou em 3,9%, o mais baixo do país e menos da metade dos 8,3% registrados em termos nacionais.

O Estado também aparece no topo, ou próximo dele, em indicadores sociais como nível de alfabetização, mortalidade infantil e IDH, mas na representação política vive uma entressafra. Santa Catarina segue como um coadjuvante dos mais pálidos no cenário nacional - e quem faz o diagnóstico são os próprios políticos do Estado.

O debate sobre a falta de peso nacional dos políticos catarinenses está na conversa aberta e também na entrelinhas das manifestações das principais lideranças do Estado desde a morte de Luiz Henrique da Silveira. O senador pemedebista, morto em maio, era tido - até por adversários - como o único expoente catarinense na política nacional na atualidade. Meses antes de ser fulminado por um ataque cardíaco, disputou a presidência do Senado contra Renan Calheiros.

Luiz Henrique era o fiel da balança em alianças partidárias que, em alguns casos, perduram há mais de uma década. Sem ele, o rearranjo das forças tem se concentrado no microuniverso local, e não na construção de um novo nome para dar voz ao Estado em âmbito nacional.

O PMDB é o principal aliado do PSD, sigla de Raimundo Colombo, o atual governador, provável candidato ao Senado em 2018, mas com relação fria com o vice, o pemedebista Eduardo Pinho Moreira. O senador era o elo que mantinha essa união. Era ele que administrava os humores de seus colegas de legenda, insatisfeitos com o espaço que têm no governo de Colombo (segundo muitos peemedebistas, pequeno). Ao mesmo tempo, trabalhava para que a aliança perdurasse até a eleição para o governo de 2018.

"O Luiz Henrique sempre trazia sugestões, mas nunca impunha nada. Também conversava com os deputados do PMDB na Assembleia Legislativa quando havia alguma dificuldade (para aprovar projetos)", disse Colombo ao Valor. "E ele sabia ouvir como poucos, o que explica muito de seu papel de liderança."

Luiz Henrique, governador de Santa Catarina entre 2003 e 2010, era nome de consenso do PMDB para concorrer ao governo em 2018. Agora, não só a aliança com o PSD ficou mais difícil como o próprio partido se dividiu. No mínimo três lideranças disputam o direito de concorrer ao governo: o vice-governador Pinho Moreira, o senador Dário Berger e o deputado federal Mauro Mariani. Assim, o partido que tinha uma voz nacional passou a ter ao menos três brigando pela liderança local.

"A única certeza que posso te dar hoje é que o PMDB vai encabeçar chapa nas próximas eleições. Esse é um processo irreversível", diz Pinho Moreira. "Nós somos o maior partido, enquanto eles (PSD) mudam de nome." O vice-governador fez referência à sigla de origem dos principais pessedistas, quase todos egressos do DEM. "E eu vou ser o candidato a governador em 2018."

O PMDB tem quase 200 mil filiados em Santa Catarina, número que seus líderes pretendem ultrapassar até o fim do ano. Dos pouco mais de mil prefeitos que a sigla tem no Brasil, 10% estão no Estado. Entre os vereadores peemedebistas, 12% estão em municípios catarinenses. A despeito dessa força, o vácuo deixado por Luiz Henrique abriu flancos para as estocadas da concorrência.

"O PMDB virou um gigante sem cabeça", disse ao Valor um dos líderes de uma das maiores legendas do Estado. "Tem o PMDB do Pinho, o do Berger, o do Mariani. Isso vai enfraquecer o partido". Em todo o Brasil, o PMDB é uma confraria de interesses. Em Santa Catarina, havia um líder de consenso - e não há mais.

A falta de um político catarinense com voz nacional contrasta com o protagonismo que as lideranças locais já tiveram. Em 1994, por exemplo, PMDB, PFL e PPR, então os partidos com as três maiores bancadas do Congresso Nacional, foram comandados simultaneamente por três catarinenses. Luiz Henrique era o presidente do PMDB (posto que ocupou de 1993 a 1996), Jorge Bornhausen, do PFL (hoje, DEM), e Esperidião Amin, do PPR (atual PP).

Também houve tempo em que coube a um catarinense apaziguar a nação. Nereu Ramos presidiu o país por 82 dias, entre o fim de 1955 e o início de 1956, no turbulento período pós-suicídio de Getúlio Vargas. Café Filho, o vice-presidente, e Carlos Luz, presidente da Câmara, não se mantiveram na presidência por causa da oposição feita pelos militares. Nereu Ramos, presidente do Senado e próximo na linha de sucessão, ocupou o cargo e passou a faixa presidencial a Juscelino Kubitschek. Foi ministro da Justiça de JK e morreu em um acidente aéreo em 1958.

Bornhausen aposentou-se da política em 2010. Era o líder regional inconteste do DEM, mas o governador Raimundo Colombo migrou da sigla para o PSD, organizado pelo atual ministro das Cidades, Gilberto Kassab, levando todo o grupo político. Bornhausen não acompanhou o movimento. Abriu caminho para o filho, Paulo Bornhausen, que disputou e perdeu o Senado no ano passado, pelo PSB.

Amin, hoje deputado federal, já não tem o prestígio nacional que teve no passado. Em 1994, quando comandava um dos maiores partidos do país, era senador e concorreu à presidência da República. Amin terminou a corrida em sexto lugar, com 2,75% dos votos. Fernando Henrique Cardoso foi eleito em primeiro turno.

Hoje, Amin é tido como nome certo do PP para voltar a disputar o governo do Estado em 2018. Em 2002, quando concorria à reeleição e sua vitória parecia fato consumado, foi derrotado pelo próprio Luiz Henrique da Silveira. A virada ocorreu na última semana de campanha - a diferença foi de apenas 3.612 votos. O capital político de Amin não foi mais o mesmo depois dessa derrota. Ele foi derrotado mais uma vez por Luiz Henrique em 2006 e, dois anos depois, perdeu a eleição para a prefeitura de Florianópolis.

O ex-governador, ex-senador e ex-candidato à presidência da República comanda o PP no Estado. Mas, a despeito de seu histórico, ele chegou a não ser candidato de consenso para presidir a sigla: Leonardo Piruka, vereador em Balneário Camboriú, insinuou-se como adversário do cacique na disputa. O calvo Amin - sem a oposição de Piruka - foi eleito no último dia 21 de agosto.

Quando derrotou Amin, em 2002, Luiz Henrique teve o apoio do PSDB. Em 2014, depois de três eleições para governador aliados com o PMDB, os tucanos lançaram candidatura própria. O senador Paulo Bauer enfrentou Colombo, em eleição que não chegou ao segundo turno por menos de um ponto percentual.

Em Joinville, base de Paulo Bauer e Luiz Henrique e maior colégio eleitoral de Santa Catarina, algumas lideranças empresariais têm dito que gostariam de ter o tucano como candidato à prefeitura, hoje nas mãos do PMDB. Ele refuta essa ideia - mas, em uma hipotética vitória de Bauer, a maior cidade de Santa Catarina passaria de dois senadores a nenhum. "Eu serei candidato ao governo em 2018", diz o tucano.

É certo que o vácuo deixado por Luiz Henrique no plano nacional não pode ser preenchido por decreto. "A liderança vem também da personalidade. Isso não se substitui automaticamente", diz o governador Colombo. De qualquer forma, o movimento das lideranças do Estado mostra que, ao menos por ora, a disputa é pelo espólio local - e não pela construção conjunta de um líder com voz além-divisas.

A falta de políticos com liderança nacional pode afetar os interesses de um Estado "A importância é grande, especialmente nas questões federativas, como já tivemos, por exemplo, com a discussão do marco regulatório do petróleo", diz o cientista político Cláudio Couto, professor da Fundação Getúlio Vargas. "E a importância é ainda maior no Senado, onde há muito cacique e pouco índio. Lá, a capacidade de liderança e articulação é fundamental."

Valor econômico, v. 16 , n. 3840, 14/09/2015. Especial, p. A14