Sinais mostram governo desconfortável e em meio a um flerte com o passado

Claudia Safatle 

03/09/2015

Os últimos dias foram pródigos em indicações de que o governo Dilma Rousseff está desconfortável com a realidade e tenta reagir de acordo com seu DNA. Não foi só a elaboração de um Orçamento deficitário, transferindo a solução para o Congresso, que revelou o desânimo para aprofundar os cortes de gastos públicos. A intenção de incluir o Banco Central na reforma administrativa, tirando do presidente da instituição o status de ministro, é outro aviso importante.

Não foi à toa que nos últimos dias jornais de grande circulação publicaram que Alexandre Tombini estaria procurando emprego ou ameaçando deixar o governo, caso esteja para perder o posto de ministro e voltar a estar subordinado ao Ministério da Fazenda e à Justiça de primeira instância.

Os esforços para "queimar" o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e Tombini, só podem indicar que o Palácio do Planalto quer retomar para si as rédeas da política econômica, cuja essência seria a expansão fiscal, monetária e creditícia. Importante lembrar que, há poucos dias, a Caixa e o Banco do Brasil anunciaram linhas de crédito para salvar o setor automobilístico.

O clima de desacertos e desentendimentos está instalado no governo, sem que se faça o menor esforço para evitar a perda do grau de investimento. O pretenso acordão, ensaiado há dez dias para dar condições de governabilidade à Dilma, não durou 48 horas.

O presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, pediu a exoneração do ministro da Fazenda, em jantar com o vice-presidente Michel Temer e um grupo de grandes empresários, e nenhuma voz oficial se levantou para defender Levy.

Dilma e os ministros palacianos estão flertando com o passado. O mesmo passado que levou o Brasil para a recessão e o desemprego de hoje. Levy resiste na esperança de evitar um desastre, mas trava a batalha solitário.

Tombini, por seu lado, fez desse BC a instituição mais dura do planeta na expectativa de vencer a resistência da inflação. O risco que está colocado é Dilma desistir de tudo e dar um "meia volta, volver".

Divergências fiscais entre Planejamento e Fazenda persistem

Thiago Resende e Raphael Di Cunto 

Os ministros Nelson Barbosa (Planejamento) e Joaquim Levy (Fazenda) continuam em desacordo sobre a meta fiscal traçada para 2016. Ontem, Barbosa reforçou que o Orçamento do próximo ano prevê um déficit de R$ 30,5 bilhões nas contas do governo federal, o que equivale a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Levy, na terça-feira, insistiu que o alvo é o anterior: superávit de 0,7% do PIB.

Negando que as declarações sejam divergentes, Barbosa afirmou que "a proposta orçamentária foi construída por toda a equipe econômica e enviada ao Congresso Nacional", referindo-se ao texto que prevê déficit fiscal.

O chefe da pasta do Planejamento pontuou que "é sempre bom" perseguir o resultado primário mais elevado possível. "Nós estamos empenhados nisso. Estamos construindo medidas de médio e longo prazo para melhorar o resultado fiscal do Brasil", acrescentou. Mas frisou que o Orçamento estima um rombo no próximo ano.

O projeto enviado ao Congresso Nacional é alvo de críticas. O próprio relator da proposta, deputado Ricardo Barros (PP-PR), apontou alguns gastos subestimados, como os desembolsos com a Lei Kandir. Barbosa nega falhas: "Todas as despesas que têm que estar previstas do Orçamento estão previstas".

Segundo o ministro, nos últimos anos, o governo enviou o Orçamento sem programação de gastos com a Lei Kandir, mas, agora, incluiu a previsão. Os governadores querem mais, ressaltou Barbosa, e isso pode ser modificado ao longo da tramitação da proposta no Congresso, cortando-se outras despesas ou buscando novas receitas.

Na tramitação, os cenários traçados podem ser revisados e, quando isso ocorre, é informado ao Parlamento. "Faz parte do processo", acrescentou. "Temos uma previsão de receita e estamos confiantes naquela previsão de receita", disse, citando o esforço do governo em operações com venda de ativos, como terrenos.

Barbosa se reuniu ontem com a bancada do PP na Câmara para explicar a situação fiscal e buscar apoio político para reverter o quadro. Na terça-feira, já tinha conversado com deputados do PT, PCdoB e do Pros.

Embora critique a proposta orçamentária, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), defende que o Congresso Nacional aprove a versão que foi enviada pelo governo, que é o responsável por encontrar soluções para o déficit primário - seja por corte de despesas ou por aumento de receitas sem que haja alta de impostos.

"Isso não será resolvido pelo Congresso. Nossa postura ficou muito clara", disse o pemedebista. Cunha destacou ainda que o Orçamento prevê um avanço do PIB no próximo ano, enquanto analistas estimam um recuo.

Em evento com a juventude do Solidariedade, Cunha disse que a omissão é causa da maioria dos problemas do país. "Divergir não causa nenhum problema a ninguém. O que causa é a omissão." Logo depois, ele alegou que a fala foi direcionada à falta de participação política, e não à presidente Dilma Rousseff, com quem se reuniu nesta semana.

União quer obter R$ 1,6 bilhão com venda de imóveis em 2016

Leandra Peres 

O governo decidiu ampliar a lista de imóveis que poderá vender para arrecadar algum dinheiro no ano que vem. Os terrenos de marinha, que até agora eram propriedade da União, poderão ser comprados por seus ocupantes. A expectativa é que o ganho chegue a R$ 1,6 bilhão em 2016. Além disso, o governo poderá criar fundos imobiliários com imóveis que não sejam destinados imediatamente à venda.

Uma medida provisória publicada no início da semana estabeleceu que a parcela de 17% que o governo detém nos imóveis que estão nos chamados terrenos marinha poderá ser comprada pelos ocupantes com um desconto de 25%. É como se os proprietários do imóvel fossem pagar o equivalente a 12,75% do valor do terreno ao governo.

O alvo principal são as propriedades que estão na orla de grandes cidades, com mais de 100 mil habitantes. O caso típico é o Rio de Janeiro, onde a União tem 67.190 imóveis no regime de aforamento, que define a relação jurídica nos terrenos a beira mar.

Na avaliação do governo, os principais interessados serão os ocupantes de imóveis que queiram vender. Atualmente donos de 83% dos imóveis, os ocupantes ficarão dispensados de pagar uma taxa equivalente a 5% do valor do imóvel se comprarem a parte da União. Esta conta, na maior parte das propriedades, é superior ao valor que será cobrado pelo governo na venda de sua parte.

A maior parte do dinheiro, R$ 1,2 bilhão, deve vir de operações de venda com terrenos da União que são ocupados legalmente, mas permanecem como propriedade federal. Nestes casos, a grande maioria condomínios, todo o dinheiro arrecadado vai para o governo. A MP também autorizou que essas operações tenham um desconto de 25% em seus valores.

Para garantir que as vendas saiam do papel, o governo irá contratar a Caixa Econômica Federal para fazer as operações. Isso inclui tanto os terrenos de marinha e os ocupados, assim como os 119 imóveis que a União programa vender em 2016. A intenção do governo é esperar até que a MP seja votada no Congresso e transformada em lei para garantir a segurança jurídica no caso dos terrenos de marinha.

Os bancos estatais também poderão ser contratados diretamente para operar fundos de investimentos imobiliários. Neste caso, a União poderá receber, por exemplo, um fluxo de aluguéis destes imóveis ou mesmo vender quotas do fundo a investidores privados.

Na semana passada, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, estimou que as operações com imóveis vão render ao governo R$ 1,7 bilhão no ano que vem. Este total não incluía as operações que foram autorizadas pela medida provisória. A venda de imóveis faz parte da receita de R$ 27,3 bilhões que o governo previu no Orçamento para reduzir o déficit do governo.

Valor econômico, v. 16 , n. 3834, 03/09/2015. Brasil, p. A2