Medo de 'downgrade' sustenta Levy

Ribamar Oliveira

03/09/2015

Na terça-feira, em audiência pública na Câmara dos Deputados, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, insistiu que é preciso trabalhar para alcançar a meta de superávit primário de 0,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2016, "que já é reduzida". Ninguém entendeu nada.

Naquele momento, os parlamentares tinham em mãos a mensagem da presidente Dilma Rousseff, que acompanha a proposta orçamentária do próximo ano, dizendo outra coisa. Na mensagem, Dilma informa ter encaminhado "um aviso ao Congresso Nacional solicitando que a meta fiscal seja de menos R$ 21,1 bilhões, possibilitando que o resultado primário chegue a - 0,34% do PIB estimado para o ano". Dilma dizia uma coisa e seu ministro da Fazenda outra.

Até a semana passada, Levy lutou o quanto pode para que o governo cortasse despesas para obter a meta de superávit primário de 0,7% do PIB em 2016. Não conseguiu. Dilma preferiu ouvir os ministros do Planejamento, Nelson Barbosa, e da Casa Civil, Aloizio Mercadante, para quem cortes adicionais nos gastos iriam aprofundar a recessão econômica, o que reduziria ainda mais as receitas tributárias.

A política fiscal do segundo mandato de Dilma já mudou

Em vez de cortar despesas, os dois propuseram que o governo procurasse aumentar a arrecadação. Foi assim que surgiu a ideia de recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). Levy foi contra. Mas a proposta entusiasmou a presidente. No entanto, a reação contrária de empresários e líderes políticos levou Dilma e os dois ministros a mudarem de ideia. Esqueceu-se de avisar o ministro da Fazenda. Enquanto Levy anunciava seu apoio à criação do imposto sobre cheques, em Campos de Jordão (SP), onde participava de seminário, o Palácio do Planalto divulgou a desistência da CPMF.

No domingo passado, nas reuniões finais de elaboração do Orçamento de 2016, Levy dizia achar um erro o governo encaminhar ao Congresso a proposta orçamentária com déficit primário. E insistia no corte dos gastos. Não conseguiu. Fontes oficiais informaram que houve um momento constrangedor, pois Levy deu a entender que, publicamente, não apoiaria um Orçamento deficitário.

Quando ainda não tinha assimilado as derrotas em torno do Orçamento, Levy teve mais um dissabor. Ontem, a Câmara concluiu a votação do projeto de lei Complementar 25/07, que aumenta o limite de enquadramento das micro e pequenas empresas para terem acesso ao regime tributário Simples Nacional. A Receita Federal, órgão subordinado a Levy, estimou redução de R$ 11,4 bilhões na arrecadação federal se o projeto for sancionado.

Além da instabilidade política, provocada pela Operação Lava-Jato e pelo esfacelamento da base de sustentação do governo Dilma, existe agora uma briga surda no interior do PT, tendo como motivo a presença do ministro da Fazenda no governo, informa um importante líder governista. Alguns setores do partido querem mudar não apenas Levy, mas a política econômica em curso.

Segundo a mesma fonte, a ideia de trocar o ministro da Fazenda está sendo alimentada por ministros muito próximos à presidente. Esse líder garante que a presidente não vai tirar Levy. "A saída dele agora será um desastre", afirmou. Ele considera que o ministro da Fazenda "é o pau da barraca" e sua demissão vai precipitar o rebaixamento ("downgrade") da nota de crédito do Brasil pelas agências internacionais de risco.

Até representantes do próprio PMDB, ouvidos pelo Valor, anunciam que são contra um "ajuste fiscal que implique corte de investimentos públicos", em um recado direto ao ministro da Fazenda. O partido do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), era uma espécie de "base de sustentação de Levy" no governo. Agora, só quer saber de crescimento.

A questão a ser avaliada é que a política fiscal já mudou. No início do segundo mandato da presidente Dilma, os ministros Levy e Barbosa executaram um ajuste fiscal baseado na teoria da "contração expansionista". Grosso modo, essa teoria diz que quando o governo faz o ajuste necessário em suas contas, com corte de despesas e aumento da economia para pagar juros, reduz as incertezas e eleva a confiança dos empresários no futuro, que passam a investir. Com isso, embora o ajuste seja recessivo, ele termina dando origem a mais investimento e a uma retomada da economia.

Com o ajuste iniciado nos primeiros meses deste ano, Levy e Barbosa acreditavam que a economia brasileira voltaria a crescer no segundo semestre. Mas a confiança dos investidores não foi restaurada. Na verdade, ela passou a cair de forma mais acentuada, resultando na queda na taxa de investimento. Em parte porque se descobriu que a situação fiscal do país era mais grave do que a imaginada, pois havia sido mascarada pelos truques fiscais da equipe econômica anterior.

O governo vai terminar 2015 com déficit primário em suas contas, repetindo o que houve em 2014. É provável que o "rombo" seja semelhante. O mais grave é que o governo anuncia novo déficit em 2016 e, mesmo assim, projeta um aumento das despesas da União equivalente a 0,4 ponto percentual do PIB. Por isso, é difícil achar que os investidores acreditarão que o quadro de deterioração fiscal será revertido em 2017, com a obtenção de um superávit primário de 1,3% do PIB e de 2% em 2018, como está na mensagem de Dilma.

A política fiscal mudou. Não se fala mais em obtenção de uma meta de superávit primário que evite o crescimento acelerado da dívida pública bruta. O discurso agora é de manutenção de programas considerados essenciais pelo governo. Basta ver que o gasto com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) terá mais R$ 7,2 bilhões no próximo ano, na comparação com 2015. E, para isso, se o Congresso puder aprovar novas receitas tributárias, ótimo.

Mudou também porque a prioridade passou a ser discutir "uma política fiscal de longo prazo", embora a agenda apresentada seja tímida. A rigor, apenas duas medidas. Uma reforma administrativa, cuja economia de gastos é pequena, e a discussão com lideranças sindicais "de medidas legais e infra-legais para a redução do déficit da Previdência". O governo agora espera a retomada do crescimento, quando as receitas tributárias retornarão.

Valor econômico, v. 16 , n. 3834, 03/09/2015. Brasil, p. A2