Título: Tratamento como alternativa à prisão
Autor: Insulza, José Miguel
Fonte: Correio Braziliense, 29/08/2011, Opinião, p. 13

Secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA)

Mesmo reconhecendo que houve progresso significativo nos resultados das atividades dirigidas a impedir a produção e o tráfico, muito ainda precisa ser feito para conter o aumento dos níveis de uso de drogas em todo o hemisfério. Uma série de estudos tem demonstrado a conexão subjacente entre o uso de drogas e o crime. Nas prisões, 80% dos reclusos têm uma história de abuso de drogas e 50% são viciados. Mais alarmante: cerca de 80% dos viciados voltam a cometer crimes e, em 95% dos casos, voltam a consumir drogas depois de cumprir suas penas.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) adotou, no ano passado, uma nova Estratégia Hemisférica sobre Drogas, concentrada não apenas no combate ao tráfico, mas, também, na prevenção da dependência. A estratégia reconhece explicitamente que o vício é uma doença crônica, com tendência a recaídas, e que deve ser tomada em conta nas políticas de saúde pública. A adição às drogas é uma doença ¿ como a hipertensão, diabetes ou asma ¿ que requer cuidados médicos.

A estratégia da OEA promove o tratamento como uma alternativa à privação da liberdade dos dependentes que cometem crimes menores. Isso inclui o estabelecimento de uma Justiça terapêutica, onde a recuperação é supervisionada de perto por um juiz capaz de recompensar rapidamente os progressos realizados e reprimir as recaídas. A OEA lançou esse programa em vários países do Caribe, e tem planos de contribuir, também na América Latina, para o estabelecimento dos tribunais de drogas. Além da presença de um juiz, o juizado ou vara de medidas para usuários de drogas aproveita a experiência dos procuradores, advogados de defesa, profissionais de saúde e policiais para reabilitar e reintegrar as pessoas de volta à comunidade. Essa abordagem, bastante difundida nos Estados Unidos e no Canadá, tem alcançado sucesso também no Brasil, onde já foi adotada em 20 estados, por meio do Programa de Justiça Terapêutica, tendo reduzido significativamente os índices de reincidência criminal.

Um estudo recente conduzido pela OEA e pela American University, em Washington, indica que o tratamento reduz o abuso de substâncias em 50%, diminui a atividade criminal em 80% e reduz a reincidência em até 64%. Infelizmente, só um em cada cinco dependentes recebe tratamento adequado.

O tratamento médico também diminui o custo do sistema de Justiça. De acordo com a Associação Nacional dos Profissionais das Cortes de Drogas dos EUA (NADCP), o sistema de tribunais de drogas, como alternativa ao aprisionamento, representa uma economia de US$ 3,36 para cada US$ 1 investido no sistema judiciário. Se considerarmos todos os custos diretos e indiretos, tais como a economia gerada pela redução da criminalidade ea menor utilização dos serviços de saúde, os benefícios alcançam até US$ 12 para cada US$ 1 investido. Nos Estados Unidos, os tribunais de drogas significam uma economia de US$ 4 mil a US$ 12 mil por cliente. No Brasil, a aplicação da Justiça terapêutica custa 5% do valor gasto com um preso comum. Em suma, esse sistema reduz significativamente o uso de drogas, diminui as taxas de criminalidade e é menos dispendioso do que qualquer outra estratégia de Justiça criminal.

As opções de tratamento adequado são raras na maior parte do hemisfério, mas a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD), uma agência especializada da OEA, vem tendo sucesso com a certificação de especialistas e a formação de conselheiros e terapeutas. Além disso, a OEA está ajudando as universidades a incorporarem os estudos sobre a dependência de drogas nos currículos das escolas de medicina, enfermagem, saúde pública e direito. O nosso objetivo é assegurar que os jovens profissionais estejam preparados para lidar com o problema.

Temos que considerar que o tratamento eficaz da doença é fundamental para quebrar o ciclo da dependência que leva ao crime e à prisão do viciado. Reduzindo a dependência entre usuários de drogas pesadas, os nossos programas não só ajudam a diminuir a demanda por drogas como também afetam a rentabilidade das organizações criminosas que ameaçam a economia, a segurança e a governabilidade democrática do nosso hemisfério. Muitas vidas estão sendo destruídas, nossos governos estão ameaçados e a economia está sendo pressionada cada vez mais pelo crime organizado transnacional. Já é chegada a hora de adotar novas ideias e que os países das Américas, e demais nações em todo o mundo, façam desse imperativo moral uma prioridade estratégica.