O globo, n.30.021, 24/10/2015. País, p.3

 

A contradição de Cunha

Presidente da Câmara recorreu na Suíça para tentar impedir transferência de dinheiro que ele diz não ter

Apesar de negar ser dono das contas atribuídas a ele na Suíça, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, tentou impedir, na Justiça daquele país, que as provas sobre elas fossem enviadas ao Brasil. O STF decretou sigilo no primeiro inquérito sobre Cunha na Lava-Jato, aberto antes do que investiga as contas da Suíça. Embora o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), negue ter contas na Suíça, ele e a mulher, Cláudia Cruz, tentaram impedir a transferência do dinheiro e das provas sobre as contas secretas deles daquele país para o Brasil, com o objetivo de dificultar o andamento das investigações da Procuradoria-Geral da República. Por meio de advogados, os dois entraram com um recurso na Câmara de Apelação Criminal do Tribunal Federal da Suíça para travar o repasse dos documentos do Ministério Público suíço para o Brasil, como informou ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso.

ANDRE COELHO/6-10-2015Cunha. Peemedebista usou até passaporte diplomático para abrir as contas no exterior

Cunha disse em depoimento à CPI da Petrobras, em 12 de março, que não tinha contas bancárias no exterior. A tentativa do presidente da Câmara e da mulher dele, de barrar a investigação no Brasil a partir de um recurso no exterior, não produziu o resultado esperado. As leis suíças vedam a estrangeiros expedientes específicos para bloquear remessas a outros países de documentos relacionados a investigações criminais de âmbito internacional.

A Suíça já enviou os documentos para a Procuradoria-Geral da República, e esses papéis deram origem a um segundo inquérito contra Cunha no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal. Cláudia Cruz e a filha de Cunha, Danielle, também são alvos da investigação. Pelo relatório do Ministério Público suíço, Cunha e a mulher têm quatro contas secretas no Julius Baer. O deputado usou até passaporte diplomático para abrir as contas, que estão vinculadas a offshores com sede em paraísos fiscais. Uma das contas era exclusiva para cobrir gastos com cartões de crédito internacionais de Cláudia Cruz e Danielle.

NAVIOS-SONDA: TEORI DECRETA SIGILO

O ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo, decretou ontem o sigilo de um dos inquéritos que investiga o presidente da Câmara. O caso apura se Cunha recebeu propina no valor de US$ 5 milhões para permitir a contratação de navios-sonda pela Petrobras. Nesse inquérito, Cunha já foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República, que na semana passada ofereceu um aditamento à denúncia, com fatos novos surgidos a partir da delação do lobista Fernando Baiano.

Teori Zavascki decretou o sigilo das investigações porque os depoimentos de Baiano ainda estão em segredo de Justiça — e, portanto, não poderiam ser divulgados. No entanto, trechos da delação de Baiano já tinham sido divulgados pelo próprio andamento processual do STF na semana passada. Segundo Baiano, Cunha recebeu sua parte nos desvios da Petrobras não só em dinheiro, mas também em créditos para usar aviões particulares fretados por lobistas ligados ao esquema.

A propina devida a Cunha totalizava R$ 7 milhões. O dinheiro foi repassado pelo lobista Julio Camargo a Baiano em espécie, por meio do doleiro Alberto Youssef. Dos R$ 7 milhões, foram feitos repasses à igreja evangélica Assembleia de Deus de R$ 250 mil e de R$ 125 mil, a pedido de Cunha.

Ao fim de todas as operações, Cunha cobrou de Camargo o pagamento de mais R$ 1 milhão. O valor seria devido por conta da variação cambial no período. Camargo inicialmente discordou, mas, ao fim das negociações, em 2014, acabou concordando em pagar mais R$ 500 mil a Cunha. Baiano desembolsaria os outros R$ 500 mil cobrados.

No inquérito sobre as contas abertas na Suíça em nome do parlamentar, na última quinta-feira Teori Zavascki determinou a transferência, para uma conta judicial no Brasil, de 2,5 milhões de francos suíços (R$ 9,6 milhões). O dinheiro ficará bloqueado em uma conta judicial. Ao fim do processo, se ficar comprovado que o valor foi obtido de desvios da Petrobras, o Erário será ressarcido.