O globo, n.30.028, 24/10/2015. País, p.4

‘Não adianta esconder bens fora do Brasil’, avisa procurador-geral

Após STF mandar repatriar dinheiro de Cunha, Janot adverte que Justiça atua além das fronteiras do país

“Se o crime hoje é organizado e não respeita fronteiras, as decisões judiciais valem também além das fronteiras” Rodrigo Janot Procurador-geral da República

Numa entrevista inicialmente para falar sobre a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou ontem que não adianta um indivíduo cometer crimes no Brasil e fugir, ou tentar esconder dinheiro no exterior, porque, mais cedo ou mais tarde, será preso e terá os bens repatriados. A declaração foi interpretada como um recado ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusado de mandar dinheiro desviado da Petrobras para contas na Suíça.

— Fica também um recado muito claro para as pessoas que cometem ilícitos. Se o crime hoje é organizado e não respeita fronteiras, as decisões judiciais valem também além das fronteiras dos respectivos países, seja para aqueles que fogem para escapar do cumprimento de pena, seja para aqueles que escondem valores, dinheiro e outros bens no exterior — disse Janot.

Anteontem, o ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), determinou o bloqueio e a repatriação de aproximadamente R$ 9,6 milhões (2,5 milhões de francos suíços) mantidos por Cunha e pela mulher dele, Cláudia Cruz, em duas de quatro contas não declaradas no Julius Baer, na Suíça. Cunha e a mulher são suspeitos de usar contas secretas para movimentar dinheiro da corrupção. A repatriação foi determinada no inquérito em que Cunha é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e sonegação.

O presidente da Câmara também já foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em outra investigação, sobre propina em negócios com navios-sonda. Caberá ao STF decidir se acolhe a denúncia contra Cunha. Janot não quis falar especificamente sobre esses dois inquéritos. Mas, ao tratar da extradição de Pizzolato, condenados no mensalão, explicou a cooperação jurídica e o alcance internacional da Justiça brasileira.

— Não adianta esconder bens fora do Brasil porque a cooperação jurídica internacional intensa permite a recuperação desses valores (desviados e escondidos no exterior) — afirmou o procurador-geral.

A identificação e o bloqueio do dinheiro mantido por Cunha na Suíça são o resultado de estreita colaboração entre os MPs brasileiro e suíço. As investigações sobre envolvimento de Cunha com corrupção e lavagem de dinheiro, em especial no caso relativo a um contrato entre a Petrobras e uma empresa do Benin tiveram início na Suíça. Cunha ainda é acusado de receber US$ 1,3 milhão do lobista João Henriques, que intermediou a venda de 50% dos direitos de exploração de um campo de petróleo.

Uma tentativa de se distanciar da imprensa

Cunha agora planeja mudar gabinete para onde não precise dar entrevistas

-BRASÍLIA- Correndo o risco de responder a processo de cassação no Conselho de Ética, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) agora quer transferir o gabinete da presidência da Câmara para um lugar de onde ele possa ter acesso direto ao plenário, sem ter que passar pelo Salão Verde, onde imprensa e manifestantes podem interpelá-lo.

MICHEL FILHO/02-10-2015Obra. Em foto do início do mês, Cunha visita o local onde ficará a presidência

Para isso, ele ordenou uma alteração no projeto original do arquiteto Oscar Niemeyer, o que também fará o gabinete dobrar de tamanho.

A reunião de líderes, que hoje ocorre em uma sala contígua ao gabinete da presidência da Câmara, também será transferida, de forma que, ao término das reuniões semanais para decidir a pauta de votações, os deputados possam seguir direto para o plenário, sem serem incomodados por jornalistas ou manifestantes.

No projeto que está sendo estudado, a imprensa perderá acesso direto ao plenário da Câmara, hoje existente através de uma passagem pelo Comitê de Imprensa, que será fechada. Ainda não há estimativa de gasto com a obra, que será feita por licitação.

Não é a primeira vez que os deputados tentam se afastar da imprensa. Em 2007, o então presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP), cuja dificuldade para lidar com a cobertura dos jornalistas era pública, tentou desengavetar um projeto do ex-presidente João Paulo Cunha (PT-SP), condenado no mensalão, de transferir o Comitê de Imprensa do local onde já funcionava há mais de 30 anos para outra área.

Chinaglia alegava que, no projeto original de Niemeyer, a presidência da Câmara funcionaria onde hoje está o comitê. Na ocasião, o arquiteto negou. Disse que o prédio é tombado e que as reformas não podem desfigurar seu projeto.

GABINETE “MUITO ACANHADO”

O deputado Beto Mansur (PRBSP), primeiro-secretário da Câmara, encarregado de tocar projetos de reforma na Casa, nega que a mudança tenha o intuito de deixar Cunha e os líderes a salvo de abordagens. Para Mansur, o gabinete atual de Cunha é “muito acanhado”:

— Tem que ser maior, está muito apertado. É o gabinete do presidente da Câmara do Brasil. Tem que ser maior.

Para o líder do PSOL, Chico Alencar, que pediu a cassação de Cunha, a obra é inconveniente:

— É muito saudável que, entre a sala de reuniões da presidência e o plenário, você passe pelo Salão Verde, porque nossa atividade é pública. Quem está na vida pública tem o dever da exposição. Todo mundo está sujeito a cobranças.

CUNHA QUER OUTRO ADVOGADO PARA A MULHER

-BRASÍLIA- Acusado de movimentar milhões de dólares provenientes de propinas em contas secretas na Suíça, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afirmou a aliados que pretende fazer uma defesa separada de sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, no escândalo de corrupção.

JORGE WILLIAMCooperação. Janot dá entrevista em Brasília: “Fica um recado muito claro para as pessoas que cometem ilícitos”

O peemedebista quer contratar para a mulher um advogado diferente do dele — o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando Souza — e já esboça uma tese para justificar os gastos de Cláudia no exterior.

Segundo relatos de deputados, Cunha comentou que não havia a necessidade de Cláudia declarar o dinheiro que movimentou na Suíça, pois só há obrigação de Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior, dirigida ao Banco Central, a partir de um valor mínimo, hoje estabelecido em US$ 100 mil.

O deputado disse a aliados que os valores divulgados até agora seriam equivalentes ao acúmulo da movimentação financeira de 10 anos, mas que nunca teria havido um aporte maior do que US$ 100 mil de uma única vez.

A interlocutores, Cunha lembrou que, em 2004, o Ministério Público investigou contas do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no exterior. Na ocasião, o procurador-geral da República chegou a pedir a quebra do sigilo bancário de Henrique Meirelles em duas contas, uma da empresa Boston Comercial e Participações e outra CC-5 (contas correntes usadas para a transferência de valores de empresas com negócios no exterior), no Nassau Branch of BankBoston, por suspeita de remessa ilegal de dinheiro ao exterior.

Mas, lembraram aliados de Cunha, o então presidente Lula concedeu status de ministro e foro privilegiado a Meirelles em 2004, para que seu caso fosse levado ao Supremo Tribunal Federal. E a Corte decidiu pelo arquivamento do inquérito que investigava os supostos crimes praticados pelo presidente do Banco Central.