Investimentos por municípios podem ser via contra crise, diz Mettenheim

Daniel Buarque 

08/09/2015

O foco na questão fiscal durante o ajuste econômico pelo qual o Brasil está passando pode afetar a capacidade da economia doméstica de encontrar caminhos para o desenvolvimento e a inclusão social. A avaliação é do filósofo e cientista político, Kurt von Mettenheim. Para ele, a crise atual não deve ser vista como surpresa, e mesmo com os ajustes o Brasil poderia incentivar o investimento a partir dos municípios para gerar uma movimentação de até R$ 10 bilhões na economia.

Professor da FGV, Mettenheim estuda relações entre políticas públicas e inclusão social no Brasil. Ele dirigiu por anos a área de previsões políticas e econômicas da FGV GVPrevê e é autor de "Monetary Statecraft in Brazil", obra sobre a história de políticas monetárias no Brasil desde 1808 que está disponível online e vai ser lançada em livro nos EUA.

"Se a questão fiscal é o único foco, você compromete e inibe a inovação financeira e as medidas monetárias. Essa inibição faz perder flexibilidade e oportunidades monetárias e financeiras", defende.

Mettenheim admite que sua avaliação é puramente teórica, e que na prática a questão fiscal sempre se impõe como primordial, mas que é preciso pensar fora do modelo tradicional para pensar melhor o desenvolvimento e a inclusão social no país.

"Financiar uma saída de recessão parece estranho em termos fiscais, mas não é necessariamente. Poderia haver um longo trabalho de construção na atual crise do Brasil, mas o que está acontecendo vai contra isso", diz.

Segundo ele, desde os anos 1970 a economia monetária avançou muito no Brasil, o que ajudou a estimar e entender os canais de juros e crédito. "Isso recoloca o debate sobre a inclusão social porque conseguimos trabalhar, monitorar, avançar na inclusão, respeitando limites fiscais, mas usando ideias e teorias sobre os canais monetários", diz.

"Não diria que a questão fiscal é irrelevante, mas as questões monetárias e financeiras também são importantes. O limite fiscal é parte da estrutura econômica, mas ele é primordialmente importante porque os atores de mercado leem assim, estudam assim, analisam as dívidas assim. Isso acontece na Grécia, na Comunidade Europeia, que têm uma situação semelhante ou até pior. Quando há crise, a questão volta a ser fiscal. A lei de responsabilidade fiscal é um consenso em termos de avanço, mas as consequências são grandes", diz Mettenheim..

Um dos caminhos para pensar de forma mais aberta soluções para a atual crise econômica do Brasil é pensar modelos de financiamento para municípios do país. "Os municípios são proibidos de se financiar, o que é uma anomalia. O mercado de títulos municipais nos EUA é de 4 trilhões, quase um terço dos mercados de capital, enquanto aqui os títulos municipais são proibidos. Um dos nossos projetos [na FGV] é para desenvolver financeiramente a capacidade de municípios, criando um mercado de títulos municipais", avalia.

Segundo ele, simulações indicam que se os municípios brasileiros fizessem um mínimo de uso de crédito de 120% da sua renda líquida, que é permitido pela lei de Responsabilidade Fiscal, o país geraria entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões em financiamentos. "Aqui no Brasil o legado do ajuste fiscal e da responsabilidade fiscal é de que alguns entes do estado podem emitir títulos e outros não. Os municípios deveriam ser parte do investimento público. Este é um problema do excessivo foco no lado fiscal", explica.

Mettenheim rejeita a tese de que o governo Dilma cometeu erros em sua política econômica do primeiro mandato, e diz que o modelo de estabilidade econômica apresentado em seu trabalho como sendo o estabelecido no Brasil desde 1994 continua em vigor. A crise, segundo ele, é parte natural do ciclo econômico, que hoje sofre muito menos de que no passado.

"A anomalia não é o Brasil ter uma crise agora, mas que o país tenha evitado uma crise até agora. O fato de o Brasil ter saído da crise de 2008 melhor do que todo mundo esperava foi uma surpresa. O fato de haver um ajuste agora, no qual o custo maior cai sobre quem chegou à inclusão por último é típico desse processo", diz.

Mettenheim avalia que a atual instabilidade política do país tem raízes diferentes do ciclo econômico de recessão, e que a crise ainda deve demorar para se refletir na política. "Normalmente diz-se que crises econômicas determinam os rumos políticos até quatro anos depois dela, pois a percepção dos problemas econômicos é mais lenta. Não há uma previsibilidade linear. A crise econômica começa no mercado financeiro, depois se espalha por indústria e comércio e o nível de emprego vem por último. O impacto da economia sobre um sistema político precisa de mais tempo para se concretizar. No ciclo econômico típico veríamos recuperação entre 2016 e 2017, com uma retomada mais forte em 2018, que é quando vai ocorrer a eleição. Se os ajustes funcionarem como dizem as previsões atuais, a retomada vai evitar um impacto maior da economia na política".

Apesar de não fazer críticas ao modelo econômico do governo Dilma, o pesquisador da FGV admite que ações do primeiro mandato geraram a atual dificuldade que o governo tem para melhorar os índices a partir dos ajustes. "Há um grande desânimo e desespero dos investidores com a intervenção do governo baixando unilateralmente os valores da remuneração das concessões para eletricidade em setembro de 2012. Desde então há uma desconfiança muito grande no investimento de longo prazo, que é um problema diferente da questão fiscal e da questão do ajuste. Isso justifica a dificuldade de virar o jogo hoje e melhorar os índices".

"Não diria que sou otimista, mas me acostumei a analisar as circunstâncias e sei que a situação atual é grave, mas quando se olha para o futuro em meio a uma recessão é preciso se iludir para projetar o futuro. O ciclo econômico em geral se reverte por inércia e por si só. Para mim não é uma questão de otimismo e pessimismo. Quem critica tem toda razão para apontar os problemas, mas é preciso apontar também caminhos para a retomada."

Valor econômico, v. 16 , n. 3836, 08/09/2015. Brasil, p. A2