Dependência do Congresso torna incerta boa parte de novas receitas

Marta Watanabe, Fábio Pupo e Edna Simão 

02/09/2015

Dos R$ 11,2 bilhões em receitas de novas medidas tributárias que o governo federal incluiu no Projeto de Lei Orçamentária (Ploa) de 2016, a maior parte - R$ 8,2 bilhões - depende de aprovação do Congresso. Para analistas, isso, além do efeito da recessão na base de cálculo dos tributos, joga incertezas sobre as receitas novas previstas para o ano que vem. Tributaristas apontam ainda contestações possíveis em relação à mudança do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

Para José Roberto Afonso, economista do Ibre-FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), são quatro medidas avulsas (ver tabela abaixo) e que, têm em comum "tentar" aumentar a arrecadação. "Nem sempre o governo tem conseguido transformar o que estima em arrecadação efetiva, ou porque a base de cálculo acaba depreciada pela recessão, ou porque os contribuintes compensam com outras medidas."

Das quatro novas mudanças tributárias que constam do Ploa de 2016, apenas a alteração do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que volta a ser cobrado nas operações de crédito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pode ser aplicada diretamente pelo Executivo. Tanto que já vale desde ontem, com base em decreto publicado e que estabelece alíquota de 0,38% no momento da realização da operação mais 0,0041% ao dia limitado a 365 dias (1,5%).

De acordo com o governo, a medida deve render R$ 3 bilhões em arrecadação no ano que vem. O coordenador-geral de tributação da Receita, Fernando Mombelli, não informou qual será o efeito do novo IOF nos cofres públicos deste ano. Segundo a Receita, somente novas operações de crédito serão afetadas.

Se tivesse se limitado à alteração de alíquotas, a mudança do IPI sobre bebidas quentes poderia ser aplicada por decreto. O governo, porém, quer mudar também a forma de tributação, o que depende da tramitação da MP 690, publicada na segunda-feira, explica o tributarista Sérgio Villanova Vasconcelos, do Machado Associados.

Segundo a Receita, antes havia um sistema de classificação complexo demais, que variava em uma escala de letras, de A a Z, dependendo do tipo da bebida. Além disso, eram consideradas diferentes variáveis. Agora, o método será mais simples. A alíquota de IPI vai variar de 10% (caso de vinhos, espumantes e sidras) até 30% (para uísques, vodcas, licores, gim e outros destilados). Não deve haver mais diferença de IPI entre bebidas nacionais e importadas e a Receita deixará de exigir o selo de produto industrializado no caso dos vinhos.

No sistema antigo, diz Vasconcelos, havia um teto de tributação para cada tipo de bebida. "Na prática, o valor devido do IPI deve até triplicar em alguns casos", diz o tributarista Júlio de Oliveira. Ele ressalta que a medida equipara estabelecimentos comerciais, como atacadistas e varejistas, à indústria, o que obriga esses segmentos a recolher o IPI dessa forma também. "Essa equiparação pode ser questionável juridicamente", diz.

Segundo a Receita, a principal receita "extra" prevista para 2016 deve vir do fim da alíquota zero de PIS/Cofins sobre produtos de informática como computadores desktops, notebooks, tablets e smartphones, entre outros. O objetivo do benefício, diz a Receita, era tornar os produtos mais acessíveis aos consumidores de baixa renda e também reduzir a entrada de produtos de forma ilegal no país.

"Dez anos depois, em 2015, vemos que foi bem-sucedido. Aí surge a questão. Na conjuntura real podemos abrir mão de recursos importantes para a seguridade social?", afirma o coordenador de tributos sobre produção da Receita Federal, João Hamilton Rech. A MP 690 estabelece alíquota de 3,65% ou 9,25%, dependendo do porte da empresa. A alteração passa a valer em dezembro de 2015, com efeitos financeiros a partir de janeiro. A Receita espera arrecadar R$ 6,7 bilhões com essa mudança.

A quarta mudança prevista pelo governo é na base de cálculo do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) sobre direito de imagem e de autor, que deve gerar R$ 615 milhões em arrecadação no próximo ano, também veiculada pela MP 690.

No modelo atual, o sistema presume percentual de 32% de lucro sobre as receitas obtidas pela empresa. Segundo a Receita Federal, esse percentual não corresponde à realidade dos negócios de cessão de autor e de imagem, que não demandam tantos custos e despesas.

Pelo novo modelo, a receita obtida por uma empresa pela cessão de direito de imagem e autor será adicionada integralmente à base de cálculo do IR e da CSLL. Segundo a coordenadora da área de IR da Receita, Cláudia Lúcia Pimentel Martins da Silva, serão afetadas pessoas que cedem sua imagem e, ao mesmo tempo, são sócias da empresa. É o caso, diz, de jogadores de futebol e o meio artístico. Editoras de livro, por exemplo, ficam de fora.

A grande dúvida, diz Everardo Maciel, ex-secretário da Receita e sócio da Logus Consultoria, é se a estimativa de arrecadação está correta. Ele exemplifica com a alteração no PIS/Cofins dos produtos de informática. "Essa conta não depende apenas da renúncia fiscal atual, mas da contenção de demanda por conta do aumento de preço, inclusive de eletrônicos que poderão começar a ser adquiridos no mercado informal."

O fim da alíquota zero de PIS e Cofins para itens de informática pode gerar aumento direto de quase 8% no preço de computadores, smartphones e tablets, segundo cálculos de Reinaldo Sakis, gerente de pesquisas da consultoria IDC.

A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) critica a medida. "O governo opta pela volta da informalidade na economia, com a diminuição de empregos formais e da arrecadação de outros impostos na cadeia", disse o presidente Humberto Barbato, em nota. Diz que o consumidor será o maior prejudicado.

A entidade afirma que a Lei do Bem, que isentou o setor de impostos, foi determinante para reduzir o mercado cinza de equipamentos de informática. Em 2004, um ano antes da implementação da medida, 73% das vendas de computadores no país eram de montadores ilegais. Hoje, os computadores comercializados no mercado cinza são menos de 20% do total. O presidente da Abinee deve ir hoje à Brasília, para negociar com deputados uma emenda que reverta o fim da isenção de PIS e Cofins para itens de informática.

A Associação Brasileira de Bebidas (Abrabe) informou ontem que vai avaliar a proposta do governo de aumentar a tributação do setor antes de se manifestar.

Para Maciel, as medidas explicitadas ontem pela Receita mostram tentativas de geração de receitas esparsas, sem política tributária definida. Antes de pensar em novas medidas de tributação, o governo deveria tentar, diz ele, recuperar valores da dívida ativa ou de litígios administrativos.

"O que eu preferia destacar não é o que o governo anunciou, mas o que faltou. E a reforma do PIS/Cofins? Até a presidente Dilma Rousseff disse que era a reforma estrutural mais importante da área tributária", diz Afonso. Ele lembra que o governo prometeu o envio do projeto ao Congresso desde o primeiro semestre. "Se esperava que viesse agora com o Orçamento, mas nada apareceu. É estranho que surgiu a antítese dessa reforma, que foi a suposta recriação da CPMF. Não só parou de se falar na reforma do PIS/Cofins, como agora quer fazer a sua antirreforma?"

Valor econômico, v. 16 , n. 3833, 02/09/2015. Brasil, p. A2