Título: Matando bebês
Autor: Soares, Glaucio Ary Dillon
Fonte: Correio Braziliense, 22/09/2011, Opinião, p. 25

Professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj

O homicídio de crianças é considerado o crime mais cruel e repugnante por várias culturas. Alder e Polk (2001) escreveram um livro sobre esse tipo de homicídio, Child victims of homicide. Compararam a Austrália, o Reino Unido e a América do Norte, concluindo que as crianças representam entre 10% e 20% do total de homicídios nessas áreas. Não há "o" homicídio: há tipos variados de homicídios, e as análises tendem a se concentrar ou na vítima, ou no algoz, ou na relação entre eles.

Nos países com sistemas policial, judicial e estatístico muito deficientes, como é o caso do Brasil, estudar as vítimas é mais fácil do que os autores e as relações entre eles e as vítimas. Por isso, estudos desse tipo são muito mais numerosos. O primeiro ano de vida é o de maior vulnerabilidade e, nesse tipo de homicídio, os pais, particularmente a mãe, respondem por uma percentagem muito alta do total de assassinatos. Há uma subcategoria, os neonaticídios, cujos autores são quase sempre as mães.

Há um dia mais vulnerável na vida de uma criança do que todos os demais: o primeiro. É no primeiro dia de vida que mais crianças são assassinadas. O infanticídio é prática antiga, mais do que documentada na Antiguidade ¿ na Grécia, em Roma, no Egito, em Israel, na China e em muitas outras civilizações. O infanticídio, particularmente o feminino, ainda é praticado extensamente na Índia.

O infanticídio é um fenômeno mundial. Em dezembro de 2008, o renomado Australian Institute of Criminology informou que em 2006-2007 houve 752 homicídios cujas vítimas tinham idade inferior a 18 anos. Das vítimas com menos de 10 anos, 91% foram mortas pela mãe, pelo pai, madrasta ou padrasto, sendo que algumas pelo casal. Houve aumento percentual em relação a 1989-90 porque os homicídios permaneceram estáveis, mas os demais homicídios como um todo diminuíram.

Alder e Polk defendem que, para poder explicar esses crimes, é necessário começar separando os autores em dois grupos: familiares e não familiares. Uma segunda divisão separa autores homens de mulheres. A combinação das categorias indica dinâmicas muito diferentes, motivações diferentes, tipos diferentes.

Os autores argumentam contra a teoria dicotômica que divide os homicídios de acordo com a idade, sendo os infanticídios os casos em que a vítima é menor do que certa idade que define um adulto a partir de um critério legal e não sociológico, nem psicológico ou criminológico. Criticam, também, a visão que defende, apenas, a substituição do critério dicotômico por um continuum. A justificativa do continuum é múltipla: há, primeiro, uma redução no número de mortos na taxa de vitimização até a puberdade ou a juventude, quando os homicídios voltam a crescer. Porém, a autoria de pais e, sobretudo, mães nesses homicídios é muito menor.

Alder e Polk inserem as mudanças em contexto maior, do qual as relações sociais e interpessoais das crianças e, depois, dos adolescentes fazem parte. A exposição deles aos familiares diminui, ao passo que aumenta a exposição a terceiros, não familiares. As suas atividades também mudam, se diversificam. Crescem, em muitos países, as mortes por acidentes, drogas e suicídios e, em países como o Brasil, na guerra do tráfico.

Muitos autores reservam o último capítulo dos livros para a apresentação de uma teoria. Child victims of homicide não segue esse padrão. Os autores constatam e enfatizam que os infanticídios incluem tantas características, combinações e tipos diferentes que não há lugar para uma teoria unificadora. Infelizmente, a compra e venda de órgãos e tecidos de recém-nascidos não escapou ao crime, como vem denunciando a jurista Michelle Oberman, da Santa Clara Law.

Pior, o infanticídio múltiplo também é comum. Tomando exemplos franceses, Dominique Cottrez matou oito bebês seus em Villers-au-Tertre no norte da França entre 1989 e 2006. Em 2010, a Justiça francesa condenou Celine Lesage na Normandia por ter assassinado seis dos próprios bebês. Às vezes, pai e mãe participam desse tipo de assassinato múltiplo: usando mais um exemplo francês, em 1984 o casal Jean-Pierre Leymarie e Rolande foi preso porque matou sete de seus bebês. Outro caso notório, desta vez nos Estados Unidos, foi o de Andrea Yates, que afogou suas cinco crianças na banheira.

A situação no Brasil, país com alta taxa de subregistros, é pouco conhecida, mas evidências não sistemáticas sugerem que essa triste prática é comum, como é mundo afora. Uma violência indescritível contra quem não pode se defender e ainda não viveu.