O Estado de São Paulo, n. 44503, 22/08/2015. Opinião, p. A3

A visita de Merkel

 

A demonstração de amizade pessoal entre a presidente Dilma Rousseff e a chanceler alemã Angela Merkel, nos compromissos oficiais que tiveram em Brasília, parece ter sido o principal resultado concreto da visita de menos de 24 horas que a dirigente europeia fez ao País. Para funcionários do Palácio do Planalto, só isso terá sido mais do que suficiente para uma presidente sem apoio popular e sob o risco de não poder concluir o mandato, pois o ambiente de entendimento em que transcorreu a visita de Merkel pode ser interpretado como sinal de prestígio internacional de Dilma.

Ainda que a passagem de Angela Merkel por Brasília possa ter essa interpretação, porém, os resultados de sua visita não correspondem ao tamanho de sua comitiva, à participação de representantes do governo brasileiro nas reuniões, nem, muito menos, às dimensões do longo e extenso relacionamento econômico e comercial entre Brasil e Alemanha (a corrente de comércio entre os dois países é de cerca de US$ 20 bilhões por ano). Merkel veio ao Brasil com 7 ministros e 5 vice-ministros, que participaram de encontros com 19 ministros de Estado brasileiros, além da presidente Dilma Rousseff pessoalmente em alguns momentos.

Como ocorre em encontros entre chefes de governo, um longo comunicado conjunto foi emitido para mostrar a importância do evento. O encontro entre Dilma e Merkel é a primeira das consultas intergovernamentais de alto nível entre Brasil e Alemanha, acertadas no ano passado pelas duas governantes, quando da passagem de Merkel por Brasília durante a Copa do Mundo. O Brasil passou, na ocasião, a fazer parte de uma lista restrita de países com os quais a Alemanha mantém esse tipo de diálogo (são cinco países europeus e cinco de outros continentes, além do Brasil). Essas consultas deverão ocorrer a cada dois anos.

O objetivo dos encontros entre Brasil e Alemanha, esclareceu o comunicado conjunto, é aprofundar o diálogo sobre temas globais, como mudança do clima – tema que mereceu outra nota conjunta dos dois países –, fluxo internacional de mercadorias e capitais, cooperação nas áreas de ciência, tecnologia, inovação e cultura, entre outros.

Era grande, porém, a expectativa de que as duas dirigentes avançassem no debate de temas de interesse imediato, pelo menos da parte brasileira, e outros que aguardam solução para a qual os dois países podem contribuir de maneira decisiva. O Brasil carece de investimentos, sobretudo na área de infraestrutura, para assegurar a retomada do crescimento da economia, por isso a vinda de capital alemão seria de grande valia. No campo comercial, há vários anos se anuncia a celebração de acordo entre o Mercosul e a União Europeia, mas os avanços, quando ocorrem, são muito limitados, quadro que, por seu papel nos blocos dos quais participam, Brasil e Alemanha poderiam alterar.

Nas reuniões de trabalho com representantes do governo alemão, ministros brasileiros falaram do Programa de Investimento em Logística (PIL) anunciado em junho por Dilma e que prevê 150 concessões e investimentos de R$ 198,4 bilhões em aeroportos, ferrovias e rodovias. O Brasil tem interesse na participação de empresas alemãs no programa de concessões de ferrovias, por causa de sua experiência.

Embora tenha dito que ficou “bem impressionado” com o programa brasileiro de infraestrutura, o vice-ministro das Finanças da Alemanha, Jens Spahn, foi claro. Para investir no programa, os alemães precisam se convencer de que as aplicações são atraentes e seguras, inclusive no campo tributário. Em resumo, disse Spahn, “queremos que mais empresas alemãs invistam, mas é preciso que o quadro seja mais interessante”.

Quanto ao aguardado acordo de livre-comércio entre Mercosul e União Europeia, o comunicado conjunto diz que as duas governantes “comprometerem-se a intensificar os esforços para (sua) conclusão no mais breve prazo possível”. Isso vem sendo dito há muitos anos, sem que se vislumbre a conclusão das negociações.