Correio braziliense, n. 19095, 06/09/2015. Política, p. 2

Um vice com cartas na manga

 

PAULO DE TARSO LYRA
JULIA CHAIB
 
Com o papel de protagonista no jogo político adquirido nas últimas semanas, Temer passou a ter nas palavras, um forte arma de embate com o PT. Especialistas avaliam que o fantasma do impeachment deixa Dilma refém do PMDB.

O vice-presidente Michel Temer, com sua fala mansa, articulada, gentil e incapaz de proferir palavras de baixo calão, atingiu nas últimas semanas uma dimensão política muito maior do que ele próprio imaginava. E viu-se obrigado a conviver com uma realidade estratégica e, ao mesmo tempo, perigosa: cada vez mais, suas palavras ganharam força para abalar as estruturas da República. Por coincidência — ou não, já que Temer pode ser tudo, menos um político inexperiente —, passou a usar de maneira moderada essa nova arma que tem em mãos.

Temer cresceu diante da fragilidade política da presidente Dilma. Mas ele é muito mais do que uma mera sombra guindada a um novo patamar de exposição. Temer construiu, ao longo dos anos, a capacidade, ainda que na marra, de unificar o PMDB. “Ele aguentou muita pancada. Penou para rearrumar a legenda. Vide a famosa convenção de 1998, que fez com que o partido apoiasse a reeleição de Fernando Henrique Cardoso (FHC) e se recusasse a dar a legenda ao ex-presidente Itamar Franco. Os insatisfeitos, literalmente, quebraram as vidraças do Congresso”, disse um aliado do atual vice-presidente da República.

Temer começou a construir uma parceria com uma ala peemedebista que até hoje lhe é fiel: Geddel Vieira Lima (presidente do PMDB baiano); Eliseu Padilha (ministro da Secretaria de Aviação Civil); Moreira Franco (presidente da Fundação Ulysses Guimarães); e Eunício Oliveira (líder do PMDB no Senado). Com a ascensão de Temer ao comando partidário e o acerto com a ala independente do partido — composta pela bancada dos senadores, hoje desfalcada de José Sarney (AP) —, Temer conseguiu unificar a legenda e torná-la tão poderosa que qualquer governante se torna obrigado a engolir as sabotagens constantes do partido, em nome da “governabilidade”.

Mas Temer não é apenas respeitado no PMDB. Ele desliza com suavidade na oposição. “Ele é uma pessoa que dialoga com todas as tendências. Prova disso foi o fato de ele estar presente, na noite de quinta-feira, em um evento organizado por uma socialite — Rosângela Lyra — que defende o impeachment da Dilma”, disse um interlocutor do vice-presidente. Foi justamente neste evento que afirmou ser difícil Dilma resistir mais três anos e meio se mantiver as taxas de popularidades baixas como as atuais. “Temer dialoga com a esquerda, radical ou não. A direita, radical ou não, os moderados e os empresários”, enalteceu um admirador do vice-presidente.

Trânsito
O vice de Dilma Rousseff é bem-visto pelos tucanos. Em 2002, apoiou a candidatura presidencial de José Serra, contra o petista Luiz Inácio Lula da Silva. Só se aproximou do Planalto em 2006, quando Lula, sobrevivente do escândalo do mensalão, concorreu à reeleição e o PMDB, com felicidade explícita, aderiu ao petismo. Pavimentou o caminho para se tornar candidato a vice-presidente em 2010.

O peemedebista também é acompanhado com lupa, atenção e mimo pelo setor produtivo. Tem um correligionário instalado na Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp) — Paulo Skaff — sabe que o PMDB fluminense ascende sobre a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Fierj) e ainda conta com a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) na manga, que até o início do ano era presidida pela aliada, amiga pessoal e atual ministra da Agricultura, Kátia Abreu.

A esses elementos todos, adiciona-se outro, fundamental nesse momento de crise e instabilidade política. “O Temer é o segundo na linha sucessória. Qualquer sinal de impedimento da presidente vai torná-lo presidente da República”, explicou o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Antonio Augusto de Queiroz, o Toninho do Diap. “Dilma não duelará jamais com Temer por uma razão muito simples: sobrevivência”, resumiu Toninho.

Para o professor de ciência política da Universidade de Brasília Ricardo Caldas, o diagnóstico feito por Temer na noite de quinta-feira foi preciso, por isso, causou tanto incômodo no governo. “Dilma hoje não tem apoio político, social e não é vista pelo empresariado como alguém capaz de dar o salto necessário para o país sair da atual estagnação. Temer, por outro lado, reúne todos esses pré-requisitos neste momento”, completou o cientista político.
O fantasma do impeachment também torna a presidente refém do vice. “A condenação de um presidente pelo Congresso é uma decisão política. O PMDB comanda as duas Casas — Câmara com Eduardo Cunha e Senado com Renan Calheiros. Se não tratar bem Temer e o partido presidido por ele, permanecerá eternamente nessa crise”, avaliou Caldas.

“Dilma hoje não tem apoio político, social e não é vista pelo empresariado como alguém capaz de dar o salto necessário para o país sair da atual estagnação. Temer, por outro lado, reúne todos esses pré-requisitos neste momento”
Ricardo Caldas, professor de ciência política na UnB
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As alternativas para sair das cordas

A situação crítica de Dilma faz com que ela, diferentemente da capacidade impulsionadora de um titular do Planalto em um regime presidencialista, tenha que se amparar no prestígio e na força política de terceiros para sair do canto do ringue e virar a luta desigual que vem travando com a economia e a opinião pública. Nesse seleto rol não está apenas o vice-presidente Michel Temer, mas também aparecem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

O analista político Paulo Kramer avalia que a falta de tato político e a crise na qual está mergulhada levou a presidente a depender dos outros. “Ela se ampara demais na credibilidade alheia porque não tem alternativa. A única alternativa à abração de urso é renunciar”, afirmou Kramer, que também é professor de ciência política na Universidade de Brasília (UnB).

Um analista político avaliou que a demonstração clara da necessidade de se amparar nos outros foi o suposto acordo que teria feito com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para garantir apoio ao governo. Dilma tornou-se fiadora da Agenda Brasil, proposta pelo peemedebista. Em troca, o presidente do Senado espera ganhar tempo e uma sobrevida em relação à Operação Lava-Jato. “O problema é que esses que se declaram apoiadores da Dilma, se a questão do impeachment prosperar, vão ser os primeiros a pintar a cara de verde e amarelo e sair na rua pedindo a saída dela”, disse Kramer.

Curiosamente, até mesmo com esses pilares de sustentação política às quais se agarra desesperadamente em busca da própria sobrevivência, Dilma desenvolve uma relação bipolar. Na semana que passou, ela entrou em colisão com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que só não deixou o cargo após o encaminhamento de um orçamento deficitário em R$ 30,5 bilhões ao Congresso porque foi apoiado por representantes pesos pesados do empresariado nacional. E Lula, constantemente, tem reclamado que a sua pupila ouve os conselhos que recebe dele mas, na hora de colocá-los em prática, age de maneira complemente diversa. (JC e PTL).