Correio braziliense, n. 19093, 04/09/2015. Política, p. 2

Livre para votar as pedaladas


Jorge Macedo


Por maioria, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram ontem o recurso apresentado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), contra a orientação do ministro Luís Roberto Barroso, que sinalizava que as contas presidenciais deveriam ser analisadas em sessão conjunta no Congresso. A Corte entendeu que não havia razão para que Cunha recorresse do entendimento de Barroso, uma vez que não houve nenhuma determinação na decisão individual do ministro, mas sim uma opinião sobre o tema. A partir de uma lógica própria, o caminho está aberto para que o presidente da Câmara possa julgar as pedaladas fiscais das contas da presidente Dilma em 2014.

Durante a sessão, ao não analisar o mérito da ação, os ministros não decidiram como as votações devem ser feitas, se em sessão conjunta ou de forma separada pela Câmara e Senado — como vem sendo feito atualmente, deixando, assim, a questão em aberto e a cargo dos parlamentares. “Sinalizar não é determinar, essa é minha opinião. A Câmara não está proibida de continuar com a prática se assim entender conveniente, porque é uma mera sinalização”, declarou Barroso.

O ministro fez questão de deixar claro que não entrou no mérito da questão. “É a sinalização de um ministro do Supremo que entende dessa forma, acostumado a interpretar a Constituição. Em vez de colocar que determino, fiz questão de deixar claro meu ponto de vista. Não me parece haver outra interpretação razoável para o tema”, disse ele, ao frisar que o Regimento Comum do Congresso prevê que a análise das contas deve ocorrer de forma conjunta.

Para ele, se o presidente do Congresso, Renan Calheiros (PMDB-AL), autorizar a Câmara a analisar as contas da petista separadamente, “descumprirá a orientação que foi dada, mas não a decisão, porque o Senado não faz parte do processo. A decisão não representa imposição ao Congresso. Futuramente, o Supremo poderá entrar no mérito da questão e discutir a legalidade de votações separadas”, concluiu Barroso.

Câmara
O presidente do Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, não se manifestou sobre qual deve ser a forma de análise das contas presidenciais no Congresso. No entanto, questionou o ato do presidente da Câmara. “O que causa espécie é o açodamento no julgamento das contas. Contas que esperavam décadas para serem apreciadas foram julgadas numa tacada só”, observou.

A maioria dos ministros não reconheceu o recurso apresentado por Cunha. A exceção foi o ministro Gilmar Mendes, relator das contas de Dilma no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao negar o agravo, ele discordou dos colegas no plenário. Para Mendes, houve sim determinação de Barroso, sendo que a orientação teve “tom mandatório” para futuras contas. “Não há uma palavra que não seja determinação. É uma prática que se desenvolve desde a Constituição anterior. É necessário que haja pronunciamento do tribunal sobre o assunto”, concluiu.

No ano passado, o governo da petista realizou manobras para aliviar, momentaneamente, as contas públicas, as chamadas pedaladas. Para cumprir as metas fiscais, o Tesouro Nacional teria atrasado repasses para instituições financeiras públicas e privadas que financiariam despesas do governo, entre eles benefícios sociais e previdenciários, como o Bolsa Família, o abono e o seguro-desemprego.

Os beneficiários receberam em dia porque os bancos assumiram, com recursos próprios, os pagamentos dos programas sociais. Com isso, o governo registrou, mesmo que temporariamente, alívio no orçamento. Mas a dívida federal com os bancos cresceu. Segundo o processo aberto no Tribunal de Contas da União (TCU), cerca de R$ 40 bilhões estiveram envolvidos nessas manobras entre 2012 e 2014.
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Mais tempo para a defesa


Também na sessão plenária de ontem, os ministros do Supremo concederam prazo em dobro, de 30 dias, para que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), se defenda das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro feitas pelo Ministério Público Federal (MPF) na Operação Lava Jato. Por seis votos a quatro, os ministros aceitaram a argumentação da defesa, que pediu mais tempo para analisar os documentos e vídeos que embasam a denúncia feita contra o parlamentar por suposto envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras. Os advogados alegaram que não tiveram acesso a íntegra da extensa documentação que compõe a denúncia. Com a decisão da Corte, Cunha terá até o dia 24 de setembro para entregar a defesa ao STF.

O presidente da Câmara foi denunciado em agosto por supostamente ter recebido, entre junho de 2006 e outubro de 2012, US$ 5 milhões para viabilizar a contratação de dois navios-sonda para a Petrobras. Cunha nega que tenha recebido a propina. Semana passada o deputado foi notificado sobre a denúncia. Pelas regras da Corte, ele teria 15 dias para apresentar a defesa. Se fosse mantido o prazo original, o peemedebista teria até o dia 9 de setembro para se manifestar sobre o caso. O ministro Teori Zavascki, relator do caso no Supremo, foi contra o pedido. Acompanharam o relator os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber. Contudo, foram derrotados pela maioria, formada pelos ministros Marco Aurélio Mello, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. (JM)