O globo, n.30.021, 17/10/2015. País, p.9

Intelectuais divulgam carta contra pedido de impeachment de Dilma

Em SP, críticas aos que buscam ‘fato ou interpretação jurídica’ para justificar saída da presidente

SILVIA AMORIM

SILVIA AMORIMDebate. Intelectuais se reúnem em SP: conversas até sobre as “pedaladas fiscais” e o TCU

silvia. amorim@ sp.oglobo.com. br

-SÃO PAULO- Um grupo de intelectuais e acadêmicos se reuniu ontem em São Paulo para um ato de resistência ao pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. No encontro foi divulgada uma carta em que o coletivo defende que as chamadas “pedaladas fiscais” não são crime de responsabilidade e que existe hoje uma “busca sôfrega” por setores da política de um fato para justificar o afastamento da presidente.

A reunião aconteceu no Centro Maria Antonia, da Universidade de São Paulo (USP), um símbolo da resistência ao regime militar na capital paulista.

Participaram do ato Emilia Viotti da Costa, uma das maiores historiadoras brasileiras sobre a transição da mão de obra escrava para o trabalho assalariado; o professor e físico da Unicamp Rogério Cerqueira Leite; o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, ex-secretário de Direitos Humanos; o professor de ciência política da USP Andre Singer; o escritor Fernando Morais; o jurista Fabio Konder Comparato; a filósofa Marilena Chauí; o presidente da Associação Nacional de Direitos Humanos, Guilherme de Almeida; o ex-senador italiano José Luiz del Roio; o historiador Luiz Felipe de Alencastro; a socióloga Maria Victoria Benevides; a historiadora Heloísa Starling, ex-vice reitora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Margarida Genevois, que foi presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, entre outros.

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) e Paulo Vannuchi, diretor do Instituto Lula, acompanharam a reunião.

“Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente cometeram crimes. A presidente Dilma não cometeu qualquer crime. Impeachment é instrumento grave para proteger a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la”, diz um trecho da carta.

Nesse contexto, Paulo Sérgio Pinheiro se referiu ao Tribunal de Contas da União (TCU), que recomendou a rejeição das contas de Dilma de 2014, como “playground de políticos fracassados”. O relatório do TCU está sendo usado pela oposição para amparar o pedido de impeachment:

— É um tribunal administrativo, um playground de políticos fracassados. Quatro dos sete que votaram pela rejeição estão sendo processados por crime.

A carta redigida pelos intelectuais também se dirige ao Congresso. “Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de remover a presidente sem que exista nenhuma prova direta e frontal de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou interpretação jurídica para justificar o impeachment. (...) Busca-se agora interpretações bizarras nunca antes feitas neste país”.

DE OLHO NOS MOVIMENTOS SOCIAIS

O ato durou cerca de duas horas e algumas propostas de mobilização foram discutidas, entre elas, um novo encontro na Faculdade de Direito da USP.

O coletivo não quis comentar a atual situação politica e, com críticas à imprensa, negou que o governo esteja tentando um acordo com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), para salvar o mandato de Dilma.

— Mentira — reagiu Marilena Chauí à pergunta de um jornalista. Paulo Sérgio tentou contemporizar: — Não vamos debater aqui questões político-partidárias.

Pouco antes, Marilena havia comparado o clima político atual ao do período da ditadura militar e disse que “hoje não vamos perder porque somos mais experientes”. Ela também afirmou que aqueles que lutaram no passado contra o golpe são os “golpistas” de hoje numa referência ao expresidente Fernando Henrique Cardoso.

— O que é insuportável é que aqueles que lutaram pelo golpe sejam os golpistas de hoje — afirmou.

André Singer alertou para os riscos que o impeachment pode trazer para a democracia. O escritor Fernando Morais, por sua vez, reforçou a importância de levar aos movimentos sociais os argumentos ali discutidos. A avaliação é de que falta informação para fazer o embate:

— Se eles querem tirar a Dilma só tem um caminho, que é o do voto. Temos que deixar claro que no golpe eles não levam. Na mão grande nós não permitiremos. Tem que chamar os movimentos sociais e sair desse núcleo acadêmico.

O grupo manifestou preocupação com um acirramento do clima de ódio no país.

— Sinto tristeza com esse ódio. As pessoas parecem que são nossas inimigas. Ninguém respeita a opinião do outro — lamentou a ex-presidente da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, Margarida Genevois.