O globo, n.30.021, 17/10/2015. País, p.36

Para agência Fitch, Brasil terá recessão mais profunda e longa

Analista prevê queda do PIB de 3% este ano e retração de 1% em 2016

“É razoável ser cauteloso com o Brasil. O desempenho econômico piorou muito desde abril”
Shelly Shetty
Chefe de rating na América Latina

O Brasil terá uma recessão mais profunda e longa do que se esperava de acordo com Shelly Shetty, chefe de ratings soberanos para a América Latina da agência de classificação de risco Fitch. A afirmação foi feita durante teleconferência para explicar as razões que levaram a agência a rebaixar a nota de crédito do Brasil de BBB para BBB-, último degrau antes de perder o chamado “grau de investimento”, selo de bom pagador. Segundo ela, a economia brasileira vai se retrair 3% este ano e mais 1% em 2016.

LUÍS USHIROBIRAAvaliação. Segundo Shelly Shetty, um novo rebaixamento pode ocorrer antes de 12 meses “se houver necessidade”

— Nossa previsão é de uma retração de 3% para a economia este ano e mais 1% em 2016, com alguma recuperação em 2017. Neste momento, é razoável ser cauteloso em relação ao Brasil. O desempenho econômico piorou muito desde abril — disse Shetty, observando que, naquele mês, a agência colocou o viés negativo para o país, ainda mantendo a nota BBB.

Para Shetty, o momento econômico é difícil, com maior endividamento público e incerteza política. Ela observou que o país terá dificuldades para alcançar as metas fiscais este ano e em 2016, já que as contas do país só devem começar a se reequilibrar no ano que vem e o superávit só aconteceria em 2017. Embora a analista não tenha citado números, a Fitch vem trabalhando com a expectativa de um déficit fiscal de 0,2% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano.

FITCH NÃO INCLUI NAS CONTAS CPMF

A agência não considera que a CPMF será aprovada pelo Congresso, segundo Shetty, e por isso, o superávit não viria em 2016. Ela disse que ainda existe um alto grau de resistência a este imposto e que a Fitch acompanhará a resposta que o governo dará neste caso, já que as receitas da CPMF são importantes. A agência estima que o endividamento do país chegue a 70% do PIB em 2016, avançando ainda em 2017.

— Trabalhamos com um cenário base em que o endividamento vai continuar crescendo e vai superar os 70% a menos que haja superávits mais elevados — afirmou Shetty.

A meta do governo para este ano é de um superávit primário de 0,15% do PIB, embora o mercado já admita a possibilidade de uma revisão deste número, diante da queda de arrecadação. Para 2016, a expectativa é de um superávit de 0,7% do PIB, considerando que o Congresso aprove a volta da CPMF.

A analista da Fitch explicou que a deterioração da economia brasileira, num ritmo mais forte do que se esperava, a crise política e as dificuldades do governo em aprovar medidas de seu interesse no Congresso pesaram na decisão do rebaixamento da nota brasileira. Entre as dificuldades políticas, Shetty citou a baixa popularidade da presidente Dilma Rousseff e as dificuldades de articulação com o Congresso. Também entrou nesta conta a possibilidade de um impeachment presidencial, embora a agência não considere este cenário base, além das investigações de desvios de recursos da Petrobras.

— O ambiente político prejudica as perspectivas macroeconômicas, mas mesmo assim as autoridades brasileiras se esforçaram para fazer um ajuste monetário — apontou Shetty.

O rebaixamento da nota para BBB- colocou o Brasil ao lado de países como Rússia, Turquia e Indonésia. Entre eles, apenas o Brasil e a Rússia apresentam perspectiva negativa, o que significa que há mais de 50% de chances de um novo rebaixamento entre 12 e 18 meses.

— Mas isso pode acontecer antes, se houver necessidade — alertou a analista.

Como ponto positivo do país, Shetty citou o elevado nível das reservas internacionais (cerca de US$ 370 bilhões), que permite a absorção de choques externos, além do regime de câmbio flexível. Segundo ela, o Banco Central foi cauteloso ao fazer intervenções no mercado de câmbio sem usar as reservas. Ela citou também a diversificada economia do país, o grande mercado consumidor e o sistema bancário adequadamente capitalizado.

Perguntada sobre uma possível saída do ministro da Fazenda Joaquim Levy, Shelly Shetty disse que se isso acontecer a agência vai reavaliar a política econômica que o país adotará. Ela disse que Levy tem credibilidade já que iniciou o processo de ajuste fiscal. — Se esse cenário de saída do ministro Levy se confirmar, vamos observar qual seria o novo ambiente de políticas, qual orientação seria seguida — disse ela, observando que a saída do ministro poderia impactar negativamente o rating brasileiro.