Atrás dos emergentes

 

DAIANE COSTA

O globo, n. 29986, 12//09/2015. Economia, p. 23

 

Ao perder grau de investimento na classificação de crédito da Standard & Poor's (S&P), o Brasil ficou lado a lado com outros grandes emergentes, como Hungria, Indonésia, Rússia e Turquia, que compartilham a nota “BB+” e estão apenas um nível abaixo da chancela de bom pagador. Porém, as semelhanças do Brasil com os seus pares no grupo param por aí. Os demais indicadores econômicos que atestam a solvência do país — ou seja, a capacidade de pagar dívidas — deixam o Brasil em desvantagem frente aos demais. São essas estatísticas que, segundo alguns analistas, podem levar a economia brasileira a ser rebaixada novamente pela Standard & Poor’s. Não por acaso, a agência, ao rebaixar o país, atribuiu perspectiva negativa para o seu rating.

No grupo de grandes emergentes avaliados como “BB+”, o Brasil tem o segundo pior desempenho no quesito crescimento econômico. A projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o PIB brasileiro deste ano é uma recessão de 1,8%, que só não é pior do que o tombo de 3,7% previstos para a economia russa — país que sofre com a queda do petróleo e vem sofrendo sanções econômicas, por causa do conflito na Ucrânia. A relação entre a dívida pública bruta e o PIB brasileiro deve encerrar o ano em 66,2%, abaixo apenas da Hungria (75,2%). A diferença é que a Hungria diminuiu sua dívida no ano passado e o Brasil, aumentou.

‘NOSSO HISTÓRICO RECENTE É MUITO RUIM’

As contas públicas são o calcanhar de Aquiles do Brasil. Além de apresentar uma previsão de Orçamento com déficit de R$ 30,5 bilhões para 2016, o que foi visto por analistas como o gatilho para o rebaixamento, o país deve fechar este ano com um rombo nas contas públicas de 5,3% do PIB no resultado nominal, ou seja, que inclui o pagamento de juros da dívidas. É o pior resultado entre os cinco emergentes com mesma nota pela S&P. O déficit fiscal da Turquia é de apenas 1,4% do PIB e mesmo a Rússia tem um rombo bem menor do que o do Brasil, de 3,7% do PIB.

Para o economista chefe da Austin Rating, Alex Agostini, são indicadores que ajudam a mostrar que o Brasil tem fatores mais do que suficientes que justificam seu recente rebaixamento pela S&P:

— Nosso histórico recente é muito ruim. Temos taxas de juros elevadas, resultado primário fraco, aumento da inflação, crescimento em queda, problemas com corrupção, déficit do orçamento, cenário político conturbado e as perspectivas são ruins para 2016.

Um dia após o rebaixamento, ocorrido na quarta-feira, a percepção de risco dos investidores com relação ao Brasil disparou e o CDS (Credit Default Swap, na sigla em inglês, espécie de seguro contra calote) chegou atingir os 428 pontos. O indicador encerrou a semana em 390 pontos, a maior cotação entre o grupo.

O economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria integrada, acredita que o rebaixamento só não ocorreu antes porque o governo brasileiro, no início do ano, sinalizou que promoveria mudanças na economia e ganhou um voto de confiança. O que acabou não se concretizando.

— A deterioração da economia brasileira foi rápida, mas não foi surpresa. A insistência nesse modelo econômico baseado no consumo das famílias, adotado pelo governo, tem fôlego curto e não se sustentaria — avalia Campos Neto.

INCERTEZAS SOBRE O ORÇAMENTO DE 2016

Agostini endossa a análise:

— Esse modelo de crescimento tem prazo de validade. Esbarra na capacidade de consumo das famílias. E não se sustenta. O governo deveria ter se pautado no crescimento apoiado no investimento, como fez a China, reduzindo, por exemplo, a carga tributária para as empresas. Se tivesse focado no investimento, o crescimento teria sido menor, mas sustentável.

Campos Neto, da Tendências, ressalta ainda que, ao rebaixar a nota do Brasil e atribuir uma perspectiva negativa, ficou implícito que há risco de o Brasil descer mais um degrau na classificação de crédito feira pela S&P. Mas ele não acredita que isso possa ocorrer a curto prazo, tendo em vista que as agências esperam cerca de seis meses para fazer nova alteração na nota do país.

O desafio do governo brasileiro não podia ser maior, analisa a economista chefe XP Investimentos, Zeina Latif:

— Apesar de termos instituições mais sólidas do que países emergentes em igual situação de classificação de risco, não crescemos e há incertezas sobre quando vamos superar a crise. E ainda temos o cenário mundial desfavorável.

Na avaliação de Luiz Carlos Prado, professor da UFRJ, o rebaixamento é “só mais um elemento da crise econômica”, e chega para complicar um cenário que já é adverso:

— A agenda brasileira não pode ir a reboque das agências. A resposta possível é as forças políticas brasileiras chegarem a um acordo para rever o Orçamento para o próximo ano, que não pode ser negativo. Vão ou não aumentar impostos e cortas despesas? Até agora, não temos respostas.