Entre duas altas

 

O globo, n. 29986, 12//09/2015. Economia, p. 24

MÍRIAM LEITÃO 

 

Reverter o câmbio não será fácil como em 2003. Em 2002, o dólar teve forte alta e depois despencou. Infelizmente, a alta de agora não será tão facilmente revertida. A moeda americana vai oscilar, mas a tendência continua sendo de um real fraco. Naquele período, o dólar chegou a subir 75% em seis meses. Mas depois entrou em período de queda. Houve a recuperação da confiança, o mundo estava com muita liquidez, e o preço das commodities disparou.

Próximo da primeira vitória do ex-presidente Lula, havia o temor de que ele aplicasse a política econômica que sempre defendera; ele não o fez nos primeiros anos. Agora já se sabe que o governo petista implantou parte das suas ideias econômicas, durante os últimos anos, e elas produziram estragos difíceis de consertar. Naquela época, as emissões do Banco Central americano, para evitar a recessão decorrente do atentado de 11 de Setembro de 2001, fizeram com que houvesse abundância de capital no mundo por vários anos. Agora, estamos às vésperas de uma política monetária mais contracionista nos EUA. Em 2003, houve o início de um longo período de elevação dos preços dos produtos que o Brasil exporta. Agora, eles estão em declínio. Tudo conspirou para que a alta do dólar fosse de curta duração; agora, tudo fortalece o cenário de a moeda americana permanecer forte.

Em 2003, o dólar começou a cair, após o então ministro Antonio Palocci demonstrar que manteria as bases da política econômica do governo anterior. Do pico de R$ 3,95, em outubro de 2002, já havia caído para R$ 2,82 em julho do ano seguinte. Voltou a subir a R$ 3,13 em 2004, mas depois entrou em um ciclo de anos de queda, para atingir a mínima de R$ 1,56 em julho de 2008, um pouco antes do início da crise americana. Uma redução forte assim está descartada desta vez. É possível que o evento do rebaixamento tenha provocado um overshooting (aumento exagerado) e que o preço da moeda ceda. Mas nada será como antes.

Durante os anos 2000, o crescimento da China beneficiou o Brasil. Agora, os chineses estão em processo de desaceleração e sobre o país pairam dúvidas que têm assombrado o mundo e derrubado ativos.

O Ministro Joaquim Levy, em entrevista na quinta-feira, lembrou que a alta do dólar faz parte do ajuste, por reduzir o déficit externo, o que é verdade. Aumenta a competitividade dos exportadores e diminui as importações. Por isso, o país já está tendo saldo comercial este ano, que deve chegar a US$ 10 bilhões até dezembro, pela previsão da Go Associados.

Mas também traz uma série de custos para as próprias empresas e, principalmente, o cidadão comum. O país é importador de trigo, e isso quer dizer pressão no custo do pão e das massas. O mesmo acontece com componentes eletroeletrônicos. O Brasil também importa os mais diversos tipos de insumos de energia: gás, gasolina, diesel, querosene de avião, nafta petroquímico, petróleo leve. Os preços desses produtos estão em queda, neutralizando parte do efeito cambial. Há o risco, no entanto, de nova alta na conta de luz, porque a energia de Itaipu é corrigida pelo dólar.

A dívida de muitas empresas, principalmente as grandes, foi dolarizada. Na Petrobras, chega a 70% do total. O dólar mais alto deixa a companhia fragilizada financeiramente. Ela terá que gerar mais caixa para reduzir o seu gigantesco endividamento. A consequência será a redução do Plano de Investimentos para os próximos anos e a aceleração do plano de venda de ativos, em plena época de preços baixos.

O dólar forte traz mais complicadores do que soluções para a conturbada conjuntura brasileira. E, ao contrário de 2003, não será passageiro.