Perda do selo vai adiar queda de juro

 

ANA PAULA RIBEIRO

RONALDO D’ERCOLE

 

O rebaixamento do Brasil tornará mais difícil a queda dos juros. Analistas preveem que a taxa Selic ficará em 14,25% ao ano até o fim de 2016. As ações da Petrobras caíram 5,37% ontem. A retirada do grau de investimento do Brasil pela agência Standard & Poor’s (S&P) deve fazer com que a taxa básica de juros (Selic) não só demore mais do que se esperava para voltar a cair como também possa subir ainda mais. Novas projeções de bancos e economistas indicam que a Selic pode permanecer nos atuais 14,25% até o fim do ano que vem. Como a tendência para o desemprego é de elevação e para a renda, de queda, por causa da inflação elevada, os juros nos bancos, já altíssimos, devem continuar em alta.

— É um círculo vicioso. Com a inadimplência em alta e o maior risco de crédito, as taxas vão continuar subindo para o consumidor, mesmo que a Selic fique estável — diz Miguel Ribeiro de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Executivos de Finanças (Anefac).

PIORA NAS PROJEÇÕES

Até o anúncio da S&P, o mercado esperava que a Selic começasse a cair em meados do próximo ano. Mas depois do rebaixamento da nota de crédito do Brasil, bancos e corretoras mudaram suas projeções diante do que classificaram como maior nível de incertezas e perspectiva de maior pressão sobre o câmbio.

“A elevação da incerteza e a desvalorização do real tornam a relação entre atividade e inflação ainda mais complexa”, diz relatório assinado pelo economista-chefe do Itaú, Ilan Golfajn. “A retração da atividade deve se intensificar, e a inflação, se elevar. Nesse cenário, a taxa Selic deve se manter em 14,25% até o final de 2016”, escreve o economista, que também destaca o risco de alta dos juros no curto prazo. “A rápida deterioração da taxa de câmbio, se continuar, pode gerar desvios das projeções de inflação, demandando um ajuste monetário adicional”.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, mantém a previsão de que a Selic comece a cair no segundo trimestre do ano que vem, mas também não descarta a possibilidade de um “revés” que obrigue o BC a voltar a subir mais os juros.

— Se o câmbio continuar pressionando e não houver esforço fiscal real, o BC poderá movimentar a taxa para cima, especialmente para tentar mudar as expectativas de todos que olham a inflação muito distante de 4,5% no ano que vem, ainda mais agora — diz Vale, que projeta IPCA de 5,6% para o próximo ano, mas reconhece que com a decisão da S&P aumentou muito o risco de um índice mais próximo de 6%:

— Que viria (a inflação de 6%) pelo impacto adicional do câmbio que deveremos ter ao longo de 2016.

Luiz Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, concorda que o comportamento do dólar vai ser determinante para a trajetória futura da taxa de juros. Segundo ele, a perda do grau de investimento pode contribuir para que governo e o Congresso consigam avanços na área fiscal. Isso faria a cotação da moeda recuar, abrindo espaço para o BC cortar a Selic a partir de abril do ano que vem.

— O câmbio é a variável mais sensível para os juros neste momento — disse.

Se a melhora fiscal não vier, admite Leal, o dólar seguirá em alta, e o BC terá de manter a Selic em 14,25% por mais tempo. No pior cenário do economista do ABC Brasil, haveria uma fuga de capitais, e o BC teria não só que intervir mais fortemente no mercado de câmbio como também elevar o juros de forma mais drástica.

Tatiana Pinheiro, economista do Santander, considera que, apesar da perda do grau de investimento e da tendência de valorização do dólar, o BC terá espaço para reduzir os juros a partir do segundo trimestre do ano que vem. Isso porque a pressão do câmbio sobre a inflação, pondera ela, será mitigada pela forte queda da atividade econômica no início do ano que vem.

— A gente vê a atividade econômica muito fraca no início do ano que vem, com o pior momento para os dados de produção industrial, vendas no varejo e mercado de trabalho, o que vai mitigar o efeito da alta do dólar sobre os preços. Essa retração forte na economia vai propiciar ao BC o início do ciclo de queda da Selic — explica a economista.

Para Pinheiro, a volatilidade cambial causada pela perda do grau de investimento tende a se dissipar e, mais adiante, o que se verá é uma valorização mais gradual do dólar. O fator de risco para o BC seria a volatilidade continuar elevada, o que faria a autoridade monetária perder a janela de redução dos juros.

Vale, da MB, considera que a atual incerteza política deverá durar um bom tempo, e a tendência é o câmbio continuar pressionado, chegando a R$ 4,00. O Itaú Unibanco projeta o dólar a R$ 4,25 no final de 2016.

— E não ficando muito diferente disso ano que vem, enquanto a situação política não se normalizar — disse Vale.

Mesmo divergindo sobre o timing do início da mudança do ciclo de alta dos juros, há certo consenso entre os economistas de que não existe muita chance de uma recuperação no nível de atividades no próximo ano. O Itaú Unibanco reviu de - 2,3% para - 2,8% sua projeção para a retração do PIB neste ano, e de -1% para -1,2% para 2016. Ao mesmo tempo, a inflação chega a 9,5% neste ano (contra 9,23% anteriormente) e 6,5% em 2016. A MB Associados manteve a projeção de queda de 2,5% este ano, mas para o próximo ano, o número mudou de - 1% para -1,4% .

A economia andando de ré, a inadimplência seguirá pressionando o custo do crédito nos bancos e o bolso de quem precisar de empréstimos. De acordo com a Anefac, enquanto a Selic subiu 7 pontos percentuais de 2012 até agora — passando de 7,25% para 14,25% —, a taxa média anual dos financiamentos a pessoas físicas avançou 38,14 pontos percentuais e passou de 88,47% para 126,61% em julho, último dado disponível.