Uma base para o ensino

 
RAPHAEL KAPA 
O globo, n. 29986, 12//09/2015. Sociedade, p. 27
 

No evento Educação 360, o ministro Renato Janine disse que a Base Nacional Comum, que norteará a educação básica, será apresentada semana que vem e pregará regionalização e interdisciplinaridade. Interdisciplinar e com muita regionalização. Foram estas as primeiras pistas que o ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, revelou sobre o rascunho da Base Nacional Comum (BNC), documento com orientações curriculares para as 190 mil escolas brasileiras. O esboço do governo deverá ser enviado no próximo dia 16 ao Conselho Nacional de Educação (CNE). Ele abordou o assunto durante sua palestra, ontem, no encontro Educação 360, realizado pelos jornais O GLOBO e “Extra”, em parceria com a prefeitura do Rio e o Sesc, e com apoio da TV Globo e do Canal Futura.

PABLO JACOBMudança. Renato Janine fala, durante conferência, sobre documento que norteará currículos escolares: ‘Com certeza, história, geografia, português e biologia devem valorizar conteúdos regionais’

— A Base Nacional Comum vai fortalecer a estrutura de componentes curriculares. Quando o professor de geografia abordar bacias hidrográficas, por exemplo, poderá relacionar com sertão, que poderá ser utilizado pelo professor de literatura ao trabalhar o livro "Vidas Secas" — exemplificou Janine, no auditório da Escola Sesc do Ensino Médio, em Jacarepaguá.

O objetivo do documento é determinar, pela primeira vez, de forma clara e precisa, o que se espera que o aluno aprenda em cada nível de ensino. Estima-se que essa base representará algo em torno de 60% do conteúdo que as escolas deverão passar aos estudantes. Hoje, o ministério estipula apenas parâmetros de ensino. A regionalização terá um papel importante no documento.

— Há certas disciplinas que talvez tenham mais de 60% de conteúdos específicos. É, provavelmente, o caso da matemática. Já compreendemos isso. Mas, com certeza, história, geografia, português e biologia devem valorizar os conteúdos regionais — disse Janine.

Ao ser questionado se o Enem, exame anual e nacional de acesso ao ensino superior, seria modificado por conta das alterações previstas na Base Nacional Comum, Janine afirmou que é cedo para dizer:

— O Enem pode ser mudado. Ele é um exame que serve muito bem para o que queremos e tem um resultado muito bom, mas pode ser mudado. Isso é um processo. Só pode ser feito depois desse primeiro passo, que é a Base Nacional Comum.

O ministro também demonstrou que estas mudanças podem impactar o Ensino Médio, principal gargalo da educação pública.

— Estamos estudando itinerários mais personalizados, mas isso deve ser feito com cuidado porque o aluno tem que ter um básico. Ele tem que sair do Ensino Médio com a certeza de que vai alcançar um certo patamar.

A interdisciplinaridade e regionalização previstas foram consideradas um avanço pela secretária municipal de Educação do Rio, Helena Bonemy.

— Só de ter uma Base Nacional Comum já é um avanço. Acho que fomos modelo porque o Rio já tem um currículo formado com base nas diretrizes curriculares do MEC. Ter um olhar voltado para regionalização é muito importante porque é no local que acontecem as coisas, e com a interdisciplinaridade podemos interpretar melhor.

Ernesto Vogel, professor de Educação da UnB, que acompanhou a conferência de Janine, também elogiou o projeto.

— É muito importante que se deixe claro o que cada aluno terá de habilidades e competências quando sair de um determinado segmento. Isto é uma escolha, também, política. Por isso, a fala do ministro, mostrando que haverá interdisciplinaridade, é esperada e importante. Já ele ter dito que busca a regionalização mostra um posicionamento que rompe com a atual centralização — afirmou.

A necessidade da valorização da educação também foi uma preocupação demonstrada por Janine, que comparou como os efeitos do ensino são difíceis de serem vistos, se comparados com os de outras áreas, como a de saúde:

— Enquanto uma pessoa tem plena noção de que está doente, ninguém tem sintoma de que está ignorante. Não dói no pé. Ninguém vai conversar com professores para dizer que está passando mal por burrice. Além disso, a cada geração se sabe mais. Os nossos filhos sabem mais do que nós todos. No final, somos todos ignorantes em alguma coisa. O problema é não saber qual é nossa ignorância.

FALTA DE COMPROMETIMENTO DE ALUNOS

Outro tema abordado durante a conferência foi a desigualdade social e a necessidade que estudantes de instituições públicas valorizem aquilo que a sociedade proporcionou a eles:

— Temos estudantes que se beneficiam de um ensino superior público e gratuito e não se sentem comprometidos com a sociedade. Dessa forma, não tem retorno para a sociedade. Nos Estados Unidos, não é assim, não. Para entrar em Harvard, é valorizado se o aluno faz trabalho social.

Durante a palestra, que teve um momento dedicado a perguntas mediadas pelo colunista Antônio Gois, Janine reforçou a importância da ética. Professor titular desta respectiva cadeira na Universidade de São Paulo, o ministro disse que a ética deverá ser incluída na formação educacional.

 

‘Pensar e resolver problemas não é mais suficiente’, diz educadora finlandesa

 

EDUARDO VANINI 

 

Referência no mundo inteiro por seu modelo educacional, a Finlândia se prepara para uma série de mudanças profundas em seu sistema escolar. Pode soar estranho para uma nação que há anos aparece bem em avaliações internacionais — já ocupou a primeira posição no ranking dos 65 países avaliados no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) diversas vezes —, mas a coordenadora de educação de Helsinque, a capital do país, Marjo Kyllönen, veio ao Brasil mostrar que em time que está ganhando se mexe, sim.

PABLO JACOBHorizonte. Marjo Kyllönen na palestra: ‘Estamos olhando para o futuro’

— Estamos olhando para o futuro, tentando descobrir quais são as novas competências necessárias. Estamos no limite de uma era, e isso está alterando nossos procedimentos — disse ela, na conferência que abriu a edição deste ano do seminário internacional Educação 360.

INCENTIVO À COLABORAÇÃO

À frente do projeto "Escola do Futuro", que propõe uma restruturação do ensino pautada em conceitos como multidisciplinaridade e protagonismo dos alunos, já adotados em algumas escolas de Helsinque, Marjo apresentou algumas das novas competências que serão reforçadas no país. É o caso da colaboração, que incentiva os estudantes a serem socialmente mais responsáveis pelos outros, e do pensamento crítico, cujo mote é capacitá-los para lidar com a variedade de informações.

— Pensar e resolver problemas não é mais suficiente. Hoje, qualquer pessoa pode acessar e mudar uma informação. E ainda agimos com se o professor guardasse o cálice sagrado do conhecimento — criticou.

A educadora contou que há um grande foco na criatividade, com crianças e jovens sendo encorajados a pensar diferente, e na transdisciplinaridade, mas sem negligenciar o conteúdo de matérias tradicionais:

— Tudo isso faz com que a gente reescreva a narrativa das nossas escolas. Os alunos precisam saber como aquilo que aprendem está conectado com sua vida cotidiana.

Para alcançar essa nova concepção de ensino, o país tem mobilizado pais, professores e alunos para refletirem sobre a nova cultura das escolas. E isso trouxe à tona várias demandas das novas gerações, como estudar em ambientes externos, ter contato com atividades práticas e fazer uso intenso da tecnologia.

Chegar a esse ideal exige que os professores saiam da zona de conforto, o que pode assustar. Por isso, as ideias vêm sendo implementadas aos poucos no país:

— Introduzimos, por exemplo, o projeto escola pop-up, em que pais ou alunos ensinam algum talento. Essa inversão de papéis foi muito interessante ao proporcionar um rompimento com a forma tradicional de ensinar.

Os resultados têm sido animadores. Marjo garante que quem experimenta essa nova “narrativa”, não quer voltar atrás:

— Queremos ser um país onde todos amam aprender. Acho que em dois anos isso será realidade.