PF pede ao STF para ouvir Lula sobre Lava-Jato

 

CAROLINA BRÍGIDO E ANDRÉ DE SOUZA

O globo, n. 29986, 12//09/2015. País, p. 8

 

A Polícia Federal (PF) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) relatório pedindo autorização para ouvir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre seu possível envolvimento no esquema de corrupção instalado na Petrobras e investigado pela Operação Lava-Jato. O relatório diz ser necessário fazer um levantamento das vantagens pessoais que ele pode ter recebido enquanto estava no cargo, e também dos atos de governo que permitiram a instalação e manutenção do esquema. Segundo a PF, a estrutura montada tinha como principal objetivo a perpetuação do grupo político que estava no poder. Para isso, usava a Petrobras como forma de angariar apoio parlamentar.

RICARDO STUCKERT/ INSTITUTO LULAPetrobras. Lula durante inauguração em Buenos Aires: STF decidirá se ele vai depor

“Atenta ao aspecto político dos acontecimentos, a presente investigação não pode se furtar de trazer à luz da apuração dos fatos a pessoa do então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que, na condição de mandatário máximo do país, pode ter sido beneficiado pelo esquema em curso na Petrobras, obtendo vantagens para si, para seu partido, o PT, ou mesmo para seu governo, com a manutenção de uma base de apoio partidário sustentada à custa de negócios ilícitos na referida estatal”, diz o relatório.

Em Buenos Aires, Lula, ontem, ao ser perguntado sobre o pedido da PF disse:

— Eu não sei como comunicaram a você e não me comunicaram. É uma pena.

O documento da PF menciona os exministros que foram acusados de ligação com o esquema de corrupção na Petrobras e volta a citar conteúdo de depoimentos de delatores — o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef — para justificar que havia uma estrutura montada com propósito de agradar aliados do governo. Os dois dizem não ter provas, mas presumem que Lula tivesse conhecimento do esquema.

“Nenhum dos arrolados nega que as nomeações para as diretorias da Petrobras ora investigadas demandaram apoio político-partidário que, por sua vez, reverteu-se em apoio parlamentar, ajudando a formar, assim, a base de sustentação política do governo. Dentro dessa lógica, os indícios de participação devem ser buscados não apenas no rastreamento e identificação de vantagens pessoais porventura obtidas pelo então presidente, mas também nos atos de governo que possibilitaram que o esquema se instituísse e fosse mantido, uma vez que, tal como já assinalado, não se trata apenas de um caso de corrupção clássica”, diz trecho do documento.

Assinado pelo delegado Josélio Azevedo de Sousa, o relatório foi concluído dia 9 deste mês. O documento lista todas as diligências que ainda precisam ser feitas no inquérito que tramita no STF e investiga 39 pessoas. Além de pedir que seja investigada a atuação e participação da cúpula do governo Lula, o delegado também quer aprofundar o envolvimento dos partidos no esquema. Ele quer que sejam ouvidos os ex-ministros Gilberto Carvalho, Ideli Salvatti e José Dirceu, que cuidaram da articulação política nos governos do PT.

Para aprofundar a apuração envolvendo o PT, a PF quer intimar o presidente do partido, Rui Falcão, e os ex-presidentes da Petrobras Sergio Gabrielli e José Eduardo Dutra. No caso do PP, foi solicitada a inquirição de parentes do ex-ministro Mário Negromonte, e do vice-governador do Rio e ex-presidente do PP Francisco Dornelles, que não está entre os investigados. Segundo a PF, era improvável que o esquema pudesse existir sem o conhecimento de Gabrielli e Dornelles. A PF quer ouvir pessoas ligadas ao PMDB e a empresas suspeitas de terem desviado dinheiro.

O relatório diz ainda que deixa de analisar o caso da presidente Dilma Rousseff em função de decisão já tomada pelo relator Teori Zavascki, a partir de parecer do Ministério Público Federal. Ele considerou que fatos anteriores ao mandato da chefe do Executivo não poderiam ser investigados, conforme definido pela Constituição.

No relatório, a PF divide os parlamentares do PP em vários grupos. Havia aqueles com postos de liderança, e que chegaram a travar uma disputa interna devido a discordâncias no rateio da propina. O restante não tinha cargos de destaque, mas também recebia sua parte.

 

Polícia apura se ex-sócio pagava gasto de Pimentel

 

THIAGO HERDY 

 

A Polícia Federal encontrou indícios de que Otílio Prado pagava despesas pessoais do governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, e da primeira-dama Carolina Oliveira, mesmo depois do petista assumir o governo. Prado é ex-sócio de Pimentel e, até o fim do último ano, era o dono da OPR Consultoria, empresa que recebeu pagamentos suspeitos de entidades patronais mineiras, entre 2013 e 2015. Atualmente, a OPR está registrada em nome do filho de Prado.

Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que durante operação de busca e apreensão na casa de Prado, em junho, agentes localizaram recibos de pagamentos referentes a três imóveis de Brasília, realizados em nome de Carolina Oliveira. Identificaram ainda três recibos de pagamento de reforma em apartamento de um prédio de luxo na Rua do Ouro, em Belo Horizonte, onde Pimentel morava antes de se mudar para a residência oficial do governador. E encontraram um documento de 17 folhas que descreve a reforma do apartamento, com a referência “Att: Carolina/Otílio Prado”.

— Ele estava morando aqui embaixo, no primeiro andar, e reformando o do quarto (andar). Todo mundo via o pessoal dele cuidando do apartamento — disse Maria Madalena V. Araújo, moradora do quinto andar.

TROCA DE MENSAGENS

O advogado de Pimentel, Antônio Carlos de Almeida Castro, disse, em nota, que Pimentel morava no primeiro andar, mas negou que ele fosse o dono do apartamento que está em reforma, no quarto. Por meio de seu advogado, Otílio Prado informou que não se pronunciaria sobre o caso, porque o processo corre sob sigilo. Informou apenas que “todas as atividades que prestou para Fernando Pimentel foram regulares e serão justificadas perante os órgãos competentes”.

Na Operação Acrônimo, a PF receptou trocas de mensagens de celular entre Otílio Prado e Benedito de Oliveira, mais conhecido como Bené, também investigado. Os dois discutem a realização de pagamentos e se referem a Pimentel como “chefe”. “Chefe tá meio triste, brigou com a Carol”, escreveu Bené a Prado, em mensagem de novembro de 2013, referência que a PF acredita se tratar de Pimentel e a esposa. “Ele me disse, vou arrumar uma gatinha pra ele”, respondeu Prado.

“Tanto Benedito quanto Otílio referem-se a Fernando Pimentel como chefe. Além desse inegável vínculo, as diversas alterações de contrato social (das empresas ligadas a Otílio e a Pimentel) demonstram que tal prática ocorria sempre que a atuação política ou profissional dos envolvidos impusesse tal necessidade”, escreveu o delegado federal Guilherme Torres, no despacho com pedido de busca e apreensão em endereços vinculados a Otílio.

Advogado de Bené na primeira fase da Operação Acrônimo, Celso Lemos negou que o “chefe” da mensagem fosse Pimentel:

— Sabe quando você chega no bar e grita “chefe, traz uma cerveja?”. É a mesma coisa.

Benedito de Oliveira foi preso, no fim de maio, suspeito de ser operador de uma organização criminosa que a PF sustenta ser responsável pelo desvio de recursos públicos, por meio de contratos não executados ou superfaturados com entes federais. Os contratos, segundo a PF, eram feitos principalmente nas áreas de eventos e serviços gráficos e o dinheiro era lavado por ele. Oliveira foi solto depois de pagar fiança de R$ 78 mil.

Documentos apreendidos e informações colhidas na primeira fase da operação levaram a PF a detonar a segunda fase, no fim de junho, com foco em Otílio Prado, que era sócio de Pimentel em sua empresa de consultoria e, até o fim do ano, estava à frente da OPR, empresa de consultoria que recebeu pagamentos suspeitos de sindicatos mineiros. O processo corre no Superior Tribunal de Justiça (STJ), por causa do foro privilegiado do governador.

Os pagamentos foram revelados nos últimos dias pelo GLOBO. Entre 2013 e 2015, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano e o Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais pagaram R$ 1,6 milhão à OPR, da qual Pimentel foi sócio até 2012.

Conforme O GLOBO mostrou anteontem, a PF encontrou, em operação de busca e apreensão realizada em junho, novos indícios do relacionamento de Pimentel com a OPR. Durante a operação no prédio onde funciona a empresa, no Bairro Serra, em Belo Horizonte, foram localizados objetos pessoais de Pimentel.