Crise exportada aos ‘hermanos’

 

MARCELLO CORRÊA

O globo, n. 29988, 14//09/2015. Economia, p. 17

 

O agravamento da crise econômica brasileira já começa a ultrapassar as fronteiras e afetar os países vizinhos da América Latina. Até agora, esses efeitos eram restritos aos parceiros comerciais mais próximos do Brasil. Porém, a retirada do selo de bom pagador do país, após o rebaixamento pela agência Standard & Poor’s ( S& P), pode estender as consequências da crise brasileira para outras economias da região, já abaladas pela desaceleração global, o freio no crescimento chinês e a queda no preço das principais commodities exportadas pela América Latina. A região deve crescer apenas 0,5% este ano, no pior desempenho desde a crise global de 2009.

Segundo dados compilados pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe ( Cepal), a Argentina é o país mais vulnerável à crise brasileira. De tudo que exporta, 20,8% têm como destino o Brasil. Integrante do Mercosul, o Paraguai também vende muito para compradores brasileiros — 30,8% do total. Já a Bolívia, que vende gás para o país, tem 29,7% de sua pauta de exportações ligada à economia brasileira.

— A Argentina é a mais afetada, porque o Brasil aumentou seu saldo comercial com esse país no primeiro semestre e porque nossa integração intraindustrial ( intercâmbio de produto numa

mesma indústria) é maior lá. As exportações da Bolívia para o Brasil caíram em valor, devido à queda do preço do gás no mercado internacional, mas em quantidade houve aumento de exportações de gás boliviano ao Brasil — afirma Antonio Prado, secretário executivo adjunto da Cepal.

PIB DA REGIÃO TERÁ O PIOR RESULTADO DESDE 2009

A entidade estima que a América Latina crescerá só 0,5% neste ano. O número modesto é influenciado por uma previsão de retração de 1,5% do PIB brasileiro — mais otimista do que a média das projeções dos analistas do mercado, que veem contração de 2,4%. Maior país da região, com um PIB de US$ 2,35 bilhões — quase o dobro do México, que terminou 2014 com US$ 1,28 bilhão, segundo dados do Fundo Monetário Internacional ( FMI) — o Brasil é determinante para as estatísticas da América Latina. Afinal, a economia brasileira responde por 40% do PIB da região.

Mas o efeito da contração brasileira não é distribuído igualmente por todos os países.

— O número não significa que o Brasil afete diretamente o crescimento de toda a América do Sul. Por um motivo simples: os países que têm exportações significativas para o Brasil são basicamente os do Mercosul. Os andinos ( como Peru e Chile) têm poucas exportações para o país. A nossa integração comercial com eles é muito pequena. Para se ter uma ideia, o Brasil, nas exportações colombianas, tem um peso de 3%. Para o Equador tem peso de 0,5% — afirma.

Se são menos afetados pelas relações comerciais, países de fora do Mercosul correm risco de se contaminarem com o agravamento das incertezas causado pela deterioração dos indicadores brasileiros, que acabam dando o tom da economia regional. No início de setembro, o ministro da Economia do Peru, Alonso Segura, disse que a crise brasileira é mais um fator de risco para o país, que, assim como outros emergentes, sofre com a desaceleração da China e com a turbulência causada pela expectativa de elevação dos juros nos EUA.

— Há novos riscos que se somam a este horizonte de fontes externas, um deles é o desempenho da maior economia da região, que é nosso vizinho Brasil, que está em uma recessão que está se acentuando. Isso tem um impacto direto no Peru através de suas relações econômicas, mas também pelo efeito de incerteza que pode gerar na região — disse Segura, em discurso ao Congresso peruano no dia em que apresentou o projeto do Orçamento para 2016.

O efeito sobre a confiança de investidores deve ser o maior motivo de preocupação para economias como o Peru, segundo analistas. Para o economista Paulo Eduardo Nogueira Gomes, da AZ FuturaInvest, o risco é que os países vizinhos sejam julgados pelo desempenho do Brasil, a maior economia da América Latina.

— O que vai determinar é se a percepção de risco é maior e a avaliação se a região está indo ou não para o caminho certo — afirma.

RISCO DE INVESTIDOR POR ‘ TODOS NO MESMO SACO’

A economista Lia Valls, da Fundação Getulio Vargas ( FGV), destaca que sempre se considera o risco de que investidores coloquem “todos no mesmo saco” na hora de tomar decisões, embora lembre que, quando a Argentina anunciou o calote de sua dívida externa em 2001, pouco foi sentido fora de Buenos Aires.

— É mais uma questão sobre como fica a imagem da América Latina. Na década de 1990, quando teve a crise no México, esses fundos agiram olhando mercados regionais. Não sei até que ponto hoje eles distinguem ou colocam todo mundo no mesmo saco — diz a especialista.

O economista Alberto Ramos, que acompanha América Latina pelo banco Goldman Sachs, descarta um efeito manada dos fundos. Para ele, o mercado tem capacidade de distinguir cenários distintos nos países. O Chile, por exemplo, tem nota AA- pela S& P, considerado grau de investimento e sete degraus acima da nova nota brasileira, BB+.

— Quando a maior economia está passando um período difícil não é algo bom. Mas o investidor é sofisticado o suficiente para fazer diferenciação — afirma Ramos, que prevê retração de 0,4% do PIB da América Latina. — Há uma recessão que se aprofunda. Tem a Argentina também em recessão e com uma transição política complicada; a Venezuela com problemas institucionais gravíssimos; as pequenas economias andinas em desaceleração e o México que cresce menos. É um quadro não muito inspirador.

 

Argentina, Venezuela e Equador são os parceiros mais complicados

 

ELIANE OLIVEIRA

 

Com sérias dificuldades econômicas e em meio a crises político- institucionais, Argentina, Venezuela e Equador são os países mais problemáticos para se fazer negócios na América do Sul, na opinião de empresários brasileiros de médio e grande porte que exportam para a região. Os parceiros comerciais menos reclamados são Uruguai, Paraguai e Bolívia. Os dados fazem parte de um estudo inédito da Confederação Nacional da Indústria ( CNI), repassado ao GLOBO com exclusividade.

PAULO FRIDMAN/ BLOOMBERG NEWS/ 27- 7- 2015Foco na exportação. Fábrica da Ford na Bahia: setor automotivo aposta em acordos com Uruguai e Colômbia

A forte concorrência de países de fora, como China, União Europeia ( UE), entre outros; o excesso de burocracia; as barreiras não tarifárias; e os problemas de transporte e logística estão entre os principais obstáculos citados pelos 150 médios e grandes empresários de 20 setores, entre os quais, automotivo, de alimentos, de máquinas e equipamentos, de químicos, de metalurgia e têxteis. São pedras no caminho que causaram perdas até agora irreparáveis ao comércio do Brasil com a região.

— A Argentina, principal destino das nossas exportações, tem sistematicamente nos imposto barreiras tarifárias e cotas totalmente inadequadas e inaceitáveis em uma zona de livre comércio como o Mercosul. Do outro lado, Paraguai, Uruguai, Bolívia e Peru têm se mostrado parceiros cada vez mais significativos para o Brasil, com um ambiente de negócios favorável e pouco burocrático, inclusive para investimentos bilaterais. E com a Colômbia também há uma grande oportunidade de negócios. Precisamos acelerar o processo de nosso acordo comercial — disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil ( Abit), Rafael Cervone.

EXPORTAÇÕES ESTAGNADAS

As exportações brasileiras para a América do Sul estão estagnadas desde 2011. Em 2014, o saldo comercial com a região, de US$ 6,9 bilhões, foi o menor dos últimos dez anos. As vendas de bens industrializados aos mercados sul- americanos estão abaixo do nível pré- crise, de 2008. Com a perda de competitividade brasileira, outros países estão aumentando sua presença, com destaque para os europeus e a China.

O economista Fabrizio Panzini, um dos autores do estudo da CNI, denominado “Interesses da Indústria na América do Sul", explicou que as duas modalidades de barreiras não tarifárias mais mencionadas pelos exportadores brasileiros foram inspeção sanitária e requisitos técnicos, largamente adotados por Argentina e Venezuela. Outro problema com esses dois países e com o Equador é a instabilidade da situação cambial, o que afeta diretamente o fluxo de comércio na região.

Chile, Colômbia e Peru precisam ser conquistados pela promoção comercial. Com colombianos e peruanos, especificamente, o Brasil também trabalha pela redução das tarifas de importação.

— Colômbia, Chile e Peru fazem parte da Aliança do Pacífico, que é o grande foco da indústria brasileira na América do Sul — disse o economista, acrescentando que, enquanto esses países estão fechando acordos comerciais com diversos mercados, como União Europeia, Estados Unidos e China, o Mercosul vai ficando de fora.

Para o presidente da Associação Nacional dos Veículos Automotores ( Anfavea), Luiz Moan, a exportação é um caminho fundamental para que as empresas do setor possam sobreviver. Sobre a necessidade de acordos bilaterais para aumentar o intercâmbio de veículos e autopeças, Moan brincou:

— Estou virando caixeiro- viajante, para acelerar os acordos. Já fechamos um acordo com o Uruguai recentemente e, dentro de duas semanas, esperamos chegar a um entendimento com a Colômbia — ressaltou o presidente da Anfavea.

RECESSÃO DE 7% NA VENEZUELA

Um setor que pode servir de exemplo positivo nessa empreitada é o químico, que já tem o comércio liberalizado com todos os países da região. É o que afirma a diretora de assuntos de comércio exterior da Associação Brasileira da Indústria Química ( Abiquim), Denise Naranjo.

— A América do Sul é o principal destino de nossas exportações. Estamos longe de ter esse problema.

Junto com o Brasil, Argentina e Venezuela são os únicos, entre os vizinhos sul- americanos, que terão retração em suas economias este ano. No caso dos venezuelanos, a baixa atingirá 7%, conforme projeção do Fundo Monetário Internacional ( FMI). Para a Argentina, o FMI prevê uma queda de 0,3% no PIB.