Alemanha no limite

 

O globo, n. 29988, 14//09/2015. Mundo, p. 21

 

Sírio tenta salvar bebê após naufrágio do bote no qual viajavam para a Grécia. Trinta e quatro pessoas morreram, sendo 11 crianças e quatro bebês. Não se sabe se o menino da foto está entre os mortos. A crise migratória na Europa levou a Alemanha a retomar o controle de suas fronteiras. - BERLIM, BRUXELAS E LESBOS- Apesar de defender com veemência o plano de divisão de refugiados apresentado pela Comissão Europeia na última semana, a Alemanha — nação europeia que mais imigrantes recebeu na recente onda migratória que se espalha pelo continente — se viu obrigada a adotar medidas emergenciais para tentar controlar o fluxo de milhares de pessoas que chegam diariamente ao país. Ontem, o ministro do Interior, Thomas de Maiziere, anunciou o retorno do controle de fronteiras com a Áustria, uma forma de pressão para forçar os países da União Europeia a aceitarem o plano, e afirmou que os refugiados não poderão mais escolher os países em que serão abrigados. Hoje, ministros do Interior do países- membros do bloco europeu se reunirão em Bruxelas.

ALKIS KONSTANTINIDIS/ REUTERSDesespero. Imigrantes sírios e afegãos tentam se manter em bote que perde ar na litoral da Grécia: 34 pessoas, incluindo 4 bebês, morreram ontem tentando cruzar o mar

— A Alemanha demonstrou disposição para ajudar, mas essa ajuda não pode ultrapassar certos limites, e é por isso que a medida deve servir de sinal para toda a Europa — afirmou o ministro. — Aceitamos nossa responsabilidade, mas deve haver uma distribuição justa por todo continente. Sozinho, o controle de fronteiras não resolve nada.

Em Munique, principal porta de entrada para os imigrantes no território alemão, o prefeito Dieter Reiter pediu ajuda às autoridades para conter o grande número de refugiados que chegam à cidade.

— Estamos lotados — disse Dieter, destacando que não há mais vagas nos abrigos da cidade, que recebeu, somente no sábado, 13 mil pessoas. — A partir de hoje não tenho mais como garantir que não durmam nas estações de trem ou a céu aberto.

Para evitar um cenário como o de Budapeste, onde milhares de refugiados têm dormido na estação de Keleti, as autoridades de Munique estudam o uso do Estádio Olímpico como um centro de abrigo para imigrantes. O governo anunciou também que o Exército distribuirá mil barracas pelo território da Baviera para ajudar a acolher os refugiados e enviou centenas de policiais para a fronteira, onde pediam passaportes a quem chegava. Além disso, o tráfego de trens com a Áustria foi temporariamente suspenso.

A decisão alemã foi recebida com preocupação pelo presidente da Comissão Europeia, Jean- Claude Juncker, que, depois de conversar com a chanceler federal Angela Merkel chegou a afirmar que o sistema europeu de fronteiras abertas, determinado pelo Tratado de Schengen, estava ameaçado, antes de voltar atrás e declarar que a decisão era uma possibilidade excepcional, prevista nos termos do acordo, usada para lidar com situações de crise.

O primeiro- ministro húngaro, Viktor Orbán, uma das principais vozes contrárias ao acolhimento de refugiados, elogiou a medida alemã, que classificou como “necessária para defender valores nacionais e europeus”. Na República Tcheca, que juntamente com Hungria, Polônia e Eslováquia forma o principal bloco de oposição à proposta, ação semelhante foi adotada e a fronteira com a Áustria teve sua segurança reforçada.

— A falta de ação da parte dos países europeus está levando até mesmo a Alemanha ao limite de suas capacidades — afirmou ontem o vice- chanceler alemão, Sigmar Gabriel.

Vice- chanceler alemão

NOVO NAUFRÁGIO NA GRÉCIA DEIXA 34 MORTOS

Na costa da Grécia, pelo menos 34 refugiados, entre eles quatro bebês e onze crianças, se afogaram depois que um barco de madeira que partira da cidade turca de Farmakonski naufragou no Mar Egeu. De acordo com a agência de notícias grega Anampa, outras 68 pessoas caíram na água, mas foram resgatadas com vida, enquanto 29 conseguiram nadar e chegar em segurança a uma praia da ilha grega de Lesbos. Os imigrantes nos botes eram, em sua maioria, sírios e afegãos.

O acidente coincidiu com um pedido do primeiroministro grego interino, Vasiliki Thanou, para que a União Europeia adote uma política abrangente para lidar com o número crescente de refugiados que chegam à Europa. Somente ontem, um fotógrafo da agência Reuters afirmou ter visto dez botes chegando em um período de 90 minutos.

— Temos uma segunda fronteira externa, entre a Grécia e a Turquia, que precisa de proteção, e esta proteção não está sendo garantida no momento — afirmou Merkel. — Falaremos com a Turquia, mas a Grécia precisa assumir essa responsabilidade.

 

De onde vêm os refugiados e por quê

 

PATRICK COCKBURN

 

Esta é uma era de violência no Oriente Médio e no Norte da África, com nove guerras civis em curso em países islâmicos entre o Paquistão e a Nigéria. É por isso que tantas pessoas estão fugindo para salvar suas vidas. Metade das 23 milhões de pessoas da Síria foi forçada a deixar suas casas, com quatro milhões se refugiando em outros países.

Na vasta faixa entre as montanhas do Hindu Kush e o Oeste do Saara, conflitos religiosos, étnicos e separatistas dilaceram países. Em todo lugar, nações estão entrando em colapso, se enfraquecendo ou sob ataque; e, em muitos destes lugares, insurgências sunitas extremistas estão crescendo e usando o terror contra a população para provocar fugas em massa.

Outra característica destas guerras é que nenhuma demonstra um sinal de fim e, então, as pessoas não podem voltar às suas casas. A maioria dos refugiados sírios que partiu para Turquia, Líbano e Jordânia em 2011 e 2012 acreditava que a guerra terminaria em breve e eles poderiam voltar ao país. Foi apenas nos últimos anos que perceberam que isso não iria acontecer e que deveriam procurar refúgio em outro lugar.

Estas guerras estão sendo travadas no Afeganistão, no Iraque, na Síria, no Sudeste da Turquia, no Iêmen, na Líbia, na Somália, no Sudão e no Nordeste da Nigéria. Algumas delas começaram há muito tempo, como é o caso da Somália. Mas a maioria começou depois de 2001 e muitas só depois de 2011.

O resto do mundo deveria olhar para tais Estados falidos com medo e angústia, já que são estes lugares que incubaram movimentos como o Talibã, a al- Qaeda e o Estado Islâmico. A “somalianização” acabou sendo o destino de uma série de países, em especial a Líbia, o Iraque e a Síria, onde até pouco tempo atrás as pessoas tinham alimentos, educação e saúde.

Por que tantos destes Estados estão desmoronando agora e criando grandes fluxos de refugiados? A maioria alcançou a autodeterminação quando as potências imperiais se retiraram após a Segunda Guerra Mundial. Até o final dos anos 1960 e o início dos 1970, eram governados por líderes militares que dirigiam Estados totalitários.

Estes regimes foram se enfraquecendo e entrando em colapso. O nacionalismo e o socialismo não oferecem mais a coesão ideológica para manter Estados seculares unidos ou para motivar pessoas a lutar por eles.

A atual crise de refugiados é, em grande parte, o primeiro real impacto da guerra civil da Síria na Europa. As fugas em massa vão acontecer enquanto a guerra na Síria e no Iraque continuar.