Governo cogita IR maior para fechar contas

Leandra Peres, Lucas Marchesini e Daniela Fernandes 

09/09/2015

O governo poderá elevar o Imposto de Renda como forma de aumentar a arrecadação para cobrir o obter o déficit primário de 0,34% do Produto Interno Bruto (PIB) projetado para 2016. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse ontem em Paris, que um aumento do IR "pode ser um caminho" para o ajuste fiscal. "Essa é a discussão que estamos tendo agora e que acho que tem de amadurecer mais rapidamente no Congresso."

Dentre todas as alternativas de aumentos de impostos tentadas até agora, a que parece enfrentar menor resistência é o aumento da Cide, a contribuição sobre combustíveis. Haveria espaço para reajustes da contribuição num valor intermediário, abaixo de R$ 0,60 por litro de combustível. Hoje, a tributação é de R$ 0,22 por litro. O vice-presidente, Michel Temer, sugeriu elevar o tributo.

Não foi por acaso que Levy falou sobre a baixa tributação da renda no Brasil quando comparada a outros países da OCDE. O aumento do IR é uma das opções mais discutidas na Fazenda para elevar a arrecadação em 2016. "O Brasil tem menos impostos sobre a renda da pessoa física do que a maior parte dos países da OCDE. É uma coisa para a gente pensar", disse, após encontro com o ministro francês das Finanças, Michel Sapin.

Após reunião da coordenação política na manhã de ontem, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, reafirmou a disposição do governo em buscar novas fontes de receita. Mas a maior preocupação é não repetir com o IR o que ocorreu em relação à CPMF, quando autoridades defenderam a recriação do imposto e depois recuaram. "Não queremos apresentar proposta a priori e depois observar reações. Queremos construir junto com a sociedade alternativas para construir superávit em 2016", afirmou Berzoini.

Os sinais recebidos de fontes oficiais são de que a discussão sobre o IR é uma "possibilidade", mas que não alcançaria a classe média ou trabalhadores de baixa renda, apenas "altas rendas" e que não há alíquota definida ou proposta elaborada, ao contrário do que parece indicar a entrevista de Levy.

Há muito se discute no governo a criação de nova faixa de tributação no IR Pessoa Física (IRPF) de 35%. É uma ideia que reaparece sempre que o governo precisa fazer caixa. Dessa vez, poderia render até R$ 7 bilhões ao Tesouro. Atualmente, a alíquota máxima do IR de pessoa física é de 27,5% para salários acima de R$ 4,6 mil por mês. Levy não deixou claro se estava falando de tributação na fonte sobre salários, como seria o caso de nova alíquota no IRPF.

O drama do governo com aumentos de impostos é que o IOF e o IPI, elevados no início do ano, não estão rendendo o que havia sido previsto. O baixo desempenho da economia tem afetado o recolhimento desses impostos que são ligados à produção industrial e empréstimos tomados junto a bancos. Novos aumentos agora não renderiam dinheiro suficiente.

A Cide, apesar de alternativa que pode render até R$ 15 bilhões, se elevada a R$ 0,60, tem efeitos colaterais. É um problema potencial para a inflação e para a Petrobras. A cada alta da Cide reduz-se o espaço para ajustes nos preços dos combustíveis pela estatal. No lado fiscal, com déficit garantido para 2015 e outro esperado para 2016, o governo teria que elevar a dose de juros e a recessão para evitar que o aumento da Cide - impacto de até 0,9 ponto no IPCA - se espalhasse pela economia. Na melhor das hipóteses, estaria elevando a pressão sobre o BC, que já não consegue convencer que a inflação de 2016 vai convergir para 4,5%.

A discussão no governo sobre aumentos de impostos ganhou força na semana passada. Desde que enviou ao Congresso o Orçamento com previsão de déficit de 0,34%, o governo vinha dizendo que trabalharia em medidas de longo prazo para corrigir a trajetória fiscal. Levy, que perdeu o debate no governo sobre o assunto, insistiu sozinho na necessidade de reverter o resultado das contas públicas, o que amplificou seu isolamento e desgaste no governo.

Somente depois de reunião convocada às pressas pela presidente Dilma Rousseff, na quinta-feira, é que o ministro conseguiu fazer valer sua posição e o governo passou a demonstrar algum esforço para garantir a meta de superávit de 0,7% no ano que vem.

Previsões para inflação a partir de 2016 voltam a piorar

Arícia Martins e Ana Conceição 

A escalada do dólar e a deterioração fiscal podem comprometer a convergência da inflação ao centro da meta, de 4,5%, para além de 2016, segundo economistas. De acordo com dados do boletim Focus, do Banco Central, a mediana das estimativas para a alta do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2017 aumentou mais uma vez.

Os analistas de mercado agora esperam que o índice oficial de inflação suba 4,7% no período. Na semana anterior, a mediana estava em 4,6% e, antes, em 4,55%. Para 2016, o consenso de previsões do boletim Focus está em alta há cinco semanas e aponta inflação de 5,58% no próximo ano, depois de avanço de 9,29% em 2015.

As revisões pessimistas para a variação dos preços ocorrem mesmo em meio à piora da percepção sobre a atividade econômica: segundo o boletim, o Produto Interno Bruto (PIB) vai cair 2,44% neste ano, e 0,5% no próximo. Na semana anterior, as projeções estavam em -2,26% e -0,4%, respectivamente.

Para Luciano Rostagno, estrategista-chefe do Mizuho do Brasil, as perspectivas para a taxa de câmbio estão mudando rapidamente, o que se refletiu nas estimativas para a inflação. "O BC deve ficar atento a esse movimento, porque o mercado está projetando inflação acima do centro da meta em 2016 com o câmbio a R$ 3,60 no fim deste ano. Claramente o risco para o dólar é para cima", disse.

No cenário do Mizuho, a moeda americana vai encerrar 2015 em R$ 3,80, taxa que deve subir ainda mais ao fim de 2016, para R$ 4. A depreciação contínua do real, diz Rostagno, vai afetar a inflação no próximo ano e também em 2017, ano para o qual estima alta de 5% do IPCA, apesar do quadro ruim para a atividade econômica, com dois anos seguidos de recessão.

Com a fraqueza do PIB, o estrategista do Mizuho ainda observa que o BC deve ser pressionado a iniciar um ciclo de redução dos juros a partir de 2016, outro fator que impedirá que o IPCA diminua para 4,5% no ano seguinte. "Se o Banco Central ceder a essa pressão, vai comprometer o objetivo de levar a inflação ao centro da meta."

O economista-chefe da INVX Global Partners, Eduardo Velho, afirma que, além do ajuste na taxa de câmbio, a piora nas projeções para o IPCA também incorporou as expectativas de déficit nas contas públicas em 2015 e em 2016. O resultado fiscal menor e dólar mais elevado são fatores de pressão sobre os preços, avalia Velho, e seu impacto na inflação deve se sobrepor aos efeitos da recessão econômica nos próximos meses.

Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do banco ABC Brasil, concorda que a disparada do dólar influenciou as previsões para a inflação. Leal pondera, no entanto, que o ajuste para cima nas estimativas para o IPCA de 2017 ocorreu mais em função das novas projeções para 2016, e não considera haver um processo de desancoragem das expectativas. "Apesar do câmbio ser uma grande incógnita, a tendência para os números de atividade é que eles venham cada vez piores", comenta o economista, o que deve ajudar a inflação oficial a recuar um ponto percentual entre 2016 e 2017, para 4,5%.

Valor econômico, v. 16 , n. 3837, 09/09/2015. Brasil, p. A3