RAMONA ORDOÑEZ, ANA PAULA RIBEIRO
O globo, n. 29985, 11//09/2015. Economia, p. 23
Um dia depois de rebaixar o Brasil, a agência de classificação de risco Standard & Poor’s ( S& P) reduziu a nota de crédito da Petrobras em dois graus. O rating da estatal passou de “BBB-” para “BB” com perspectiva negativa — que é considerado grau especulativo e está abaixo da nota do país ( BB+). Com isso, a petroleira perdeu o grau de investimento que detinha pela S& P há sete anos. Em fevereiro, a Moody’s já havia rebaixado a nota da companhia.
CORTE DE US$ 3 BILHÕES
O rebaixamento da Petrobras em dois níveis pela S& P vai obrigar a estatal a reduzir ainda mais seus investimentos, afirmam analistas de mercado. De acordo com uma fonte próxima ao governo, a Petrobras já começou a avaliar um corte nos investimentos previstos para este ano, inicialmente estimados em cerca de US$ 29 bilhões. Segundo essa fonte, os investimentos em 2015 ficarão abaixo de US$ 26 bilhões.
Em nota, a Petrobras garantiu que está mantida a capacidade de financiamento de seus projetos a médio prazo, graças a captações feitas este ano no Brasil e no exterior. A estatal ressaltou que seus investimentos não serão afetados com o rebaixamento da S& P porque não têm cláusulas atreladas ao rating das agências classificadoras.
A companhia destacou, ainda, que tem adotado um conjunto de medidas para melhorar seus processos, citando o plano de redução de custos operacionais de US$ 12 bilhões até 2019. “Dentre as medidas adotadas destacamos a redução do volume de investimentos ( Capex) e a priorização do segmento de exploração e produção conforme previsto no novo Plano de Negócios”, afirmou em nota.
O economista Thiago Biscuola, da RC Consultores, destacou que o rebaixamento da nota da Petrobras, assim como de outras empresas brasileiras, era esperado após a queda da nota do país:
— Creio que podem vir novos rebaixamentos em seguida. Com o elevado nível de endividamento, boa parte em dólar, a companhia terá de fazer um corte maior em seus investimentos.
Para especialistas, a situação da Petrobras é a mais grave entre todas as empresas brasileiras, porque a estatal já teve sua nota rebaixada pela Moody’s. Com a nova perda, muitos fundos de investimentos deverão se desfazer dos papéis da estatal.
Além disso, a Petrobras já enfrenta dificuldades de caixa por conta de seu elevado nível de endividamento líquido, que atingiu R$ 323,9 bilhões em 30 de junho, sendo 81% em dólar, e a queda dos preços do petróleo no mercado internacional, cujo barril está hoje abaixo dos US$ 50.
Segundo uma fonte, a Petrobras vai rever todo seu Plano de Negócios 2015/ 2019, que previa investimentos de US$ 130,3 bilhões, contra US$ 220,6 bilhões do anterior.
Para Luís Gustavo Pereira, estrategista da Guide Investimentos, os dois efeitos imediatos para a Petrobras do rebaixamento da nota de crédito do Brasil e da própria empresa é a elevação do custo de captação de recursos e o aumento do seu endividamento. A empresa, que já vinha tendo dificuldade para se financiar, encontrará ainda mais obstáculos para levantar dinheiro. A perda do grau de investimento do Brasil tende a elevar o dólar, fazendo a dívida da companhia crescer ainda mais.
— A dívida da Petrobras vai crescer, e o problema é que o aumento da geração de caixa não vai conseguir crescer no mesmo ritmo — diz Pereira.
A primeira prova de fogo da estatal será a emissão de R$ 3 bilhões em debêntures ( títulos da dívida) que a empresa está preparando com o objetivo de levantar recursos para seu plano de negócios.
— Ou haverá menos interesse nos papéis ou o investidor vai cobrar um prêmio de risco maior ( ou seja, o retorno do investimento terá de ser maior) — afirma o analista.
Devido a essa perspectiva, as ações da Petrobras foram as que exerceram maior influência negativa ontem no pregão da Bolsa de Valores de São Paulo ( Bovespa). Os papéis ordinários ( ON, com direito a voto) caíram 3,82%, enquanto os preferenciais ( PN, sem voto) recuaram 5,01%. A Bolsa fechou em baixa de 0,33%, aos 46.503 pontos.
MAIS 43 EMPRESAS REBAIXADAS
Além da Petrobras, outras 30 empresas e 13 bancos tiveram seus ratings rebaixados pela S& P. Estão na lista companhias como Eletrobras e Itaipu Binacional, que tiveram a nota rebaixada para “BBB-”, último nível do grau de investimento, e concessionárias rodoviárias, rebaixadas em um grau, para “BB+”, mesma nota do Brasil. Todas estão com perspectiva negativa.
Na avaliação da S& P, as empresas de distribuição elétrica e as rodovias ficam em situação mais vulnerável caso ocorra um enfraquecimento significativo da qualidade de crédito soberano.
As notas da Ambev ( de “A” para “A-”), Globo Comunicação e Participações ( de “BBB+” para “BBB”), Multiplan Empreendimentos (“BBB” para “BBB-”), Ultrapar (“BBB" para "BBB-") e Grupo Votorantim ( Participações, Industrial e Cimentos, com as notas rebaixadas de “BBB” para “BBB-”) foram reduzidas em um nível, mas continuam com avaliação acima do Brasil e, portanto, mantêm o grau de investimento.
A agência lembra que essas empresas têm condições particulares de acesso ao crédito, liquidez e sensibilidade ao risco país, o que justifica a classificação acima da nota soberana.
JOÃO SORIMA NET
O ano de 2015 deverá registrar o menor volume de captações de recursos de empresas brasileiras no exterior, via emissão de dívida, desde 2008, quando o Brasil ganhou o selo de bom pagador da Standard & Poor’s. Até agosto, só oito empresas foram ao mercado externo e tomaram US$ 8 bilhões, e esse volume pode ficar entre US$ 10 bilhões e US$ 15 bilhões até dezembro, segundo especialistas, no cenário mais otimista. Em 2008, as captações atingiram US$ 8,4 bilhões e, no ano passado, somaram US$ 45,4 bilhões. Os analistas avaliam que, com a perda do grau de investimento, as companhias terão de pagar juros mais altos para atrair investidores e, mesmo assim, vão encontrar demanda mais fraca.
REBAIXAMENTO JÁ NO PREÇO
O volume de emissões de companhias brasileiras no exterior está muito baixo este ano porque várias empresas haviam antecipado captações em 2014, visando a compromissos financeiros deste ano e de 2016, observa a superintendente- executiva de mercado de capitais do banco Santander, Cristina Schulman. Ela afirma que o mercado já vinha embutindo em suas operações a perda do grau de investimento nas novas emissões de dívida:
— Parte do rebaixamento já vinha sendo precificada pelo mercado. Mas é preciso lembrar que o volume de captações de empresas nacionais, este ano, é muito baixo lá fora, e o downgrade não é uma mudança de paradigma. As companhias já previam um cenário mais difícil da economia este ano e anteciparam suas captações.
O consultor Luiz Marcatti, da Mesa Corporate, lembra que rolar as dívidas corporativas no exterior vai ficar mais caro e que a empresa terá de ter uma “história bem construída”, além de oferecer garantias mais robustas aos investidores. Marcatti afirma também que, com a valorização de quase 50% do dólar frente ao real este ano, as companhias que têm receita em reais e compromissos em moeda estrangeira enfrentarão condições mais duras, já que a economia brasileira está em recessão:
— Aquelas que fizeram dívida em dólares, mas têm dependência do mercado doméstico, com receita em reais, podem ter problemas.
Com o dólar valorizado, o custo de fazer hedge ( proteção de dívida em moeda estrangeira) e emitir dívida no exterior fica mais elevado, o que desestimula as companhias a recorrerem ao mercado externo, observa Helcio Takeda, diretor de pesquisas econômicas da Pezco Microanalysis. Ele diz, no entanto, que o mercado não se fechará totalmente às empresas brasileiras, já que o país não está em uma situação de calote.
— Mas a tendência de alta do dólar eleva o risco cambial, o que deve tirar o apetite de muitas empresas por novas emissões no exterior — ressalta Takeda.
No caso de empresas com ligação direta com o governo, como a Petrobras, o prêmio de risco se potencializa, lembra Luis Scaglianti, sócio da consultoria RGF. Ele ressalta que a petrolífera está envolvida nas investigações da Operação Lava- Jato e demorou a publicar seu balanço, o que a colocou na berlinda aos olhos dos investidores internacionais. Ontem, os bônus da Petrobras com vencimento em 2024 eram negociados a 85,24% do valor de face ( um retorno anual de 8,74%). Na terça- feira, os papéis valiam 86,5% do valor de face ( um retorno de 8,50% ao ano).