Captações externas devem ter o pior ano desde 2008

Talita Moreira e Vinícius Pinheiro 

09/09/2015

As empresas brasileiras com planos de captar recursos no exterior por meio de missão de títulos de dívida devem encontrar demanda bem mais restrita na volta das férias do hemisfério Norte, a partir deste mês. Em meio ao quadro de incertezas internacionais e domésticas, a expectativa é que o volume de captações de emissores brasileiros em 2015 caia para menos da metade dos US$ 45 bilhões registrados no ano passado.

Este tende a se tornar o ano mais fraco para emissões de bônus desde 2008, quando o Brasil alcançou o grau de investimento. Naquele ano, US$ 8,4 bilhões foram captados no mercado internacional. Executivos do setor preveem que 2015 vai fechar com um volume de US$ 20 bilhões, na melhor das hipóteses. Com a alta do dólar, apenas empresas com receita em moeda estrangeira e boa estrutura de capital devem se aventurar nesse mercado.

Travado nos primeiros meses do ano em razão dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, que levaram a Petrobras a atrasar em quase seis meses a publicação do balanço, o mercado externo foi aberto apenas em maio para os emissores nacionais. Desde então, apenas oito empresas captaram recursos de investidores, em operações com um volume total de US$ 7,6 bilhões.

A situação para as captações externas, que já era prejudicada pela crise política e pelo fraco desempenho da economia, agora é agravada pelo quadro externo. O aumento das preocupações com a China nas últimas semanas impõe pressão adicional a emissores de países emergentes, principalmente produtores de commodities como o Brasil.

Enquanto as emissões externas brasileiras caem, o movimento internacional é o oposto. As captações com bônus no mercado americano, considerando só emissores com grau de investimento, atingiram US$ 885 bilhões entre janeiro e agosto e caminham para bater o volume do ano passado, de US$ 1,08 trilhão.

A temporada de captações no mercado americano recomeçou nesta terça-feira, mas as emissões só devem voltar com mais vigor após a reunião do Federal Reserve (Fed), em 17 de setembro. Investidores esperam que o banco central americano adie o início do ciclo de alta dos juros, que antes da turbulência chinesa estava previsto para este mês.

Apesar de todo o vento contrário, o mercado externo não está totalmente fechado para as empresas brasileiras, segundo Rodrigo Fittipaldi, diretor de mercado de capitais do BNP Paribas. "As condições claramente pioraram em relação ao fim de julho, mas essa dinâmica não é irreversível", afirma.

A indefinição política no Brasil tem pesado na decisão dos investidores, o que se reflete na negociação dos bônus de empresas nacionais no mercado secundário, diz Fittipaldi. A queda nos preços reduz a atratividade das emissões para as empresas, que evitam chancelar os níveis mais altos de spreads lançando novos papéis. No mercado de renda fixa, as taxas ("yields") cobradas pelos investidores aumentam à medida que os títulos se desvalorizam.

Os prêmios de alguns papéis já superam o nível de março, até então o ponto mais crítico deste ano. É o caso dos bônus da Petrobras com vencimento em 2024, que eram negociados ontem a 86,5% do valor de face, o que equivale a um retorno de 8,5% ao ano.

Os spreads de bônus brasileiros estão, em média, entre 100 e 150 pontos-base acima dos níveis vistos quando foram emitidos, observa o executivo da área de renda fixa de um banco. "Os investidores estão cada vez mais convencidos de que o país vai perder o grau de investimento", diz esse interlocutor, que pediu para não ser identificado. "Não tem nenhuma notícia boa e é difícil saber quando vamos ter."

A boa notícia é que a maior parte das companhias que hoje teriam condições de acessar o mercado não possui necessidade imediata de recursos, de acordo com Rafael Bello Noya, diretor da área de mercado de crédito internacional e local do Santander. "São empresas com boa estrutura de capital, capazes de atravessar os próximos dois anos em um cenário adverso", diz. A volta das captações trará mais visibilidade sobre o comportamento do investidor após a piora recente do mercado, segundo o executivo. "Em algum momento, as janelas de oportunidade vão aparecer, mas elas devem ser curtas e bem seletivas", afirma.

A volatilidade vai permanecer forte, mas podem surgir brechas para emissões de bônus conforme os investidores forem digerindo as notícias vindas da China e houver mais clareza sobre a estratégia do Fed, avalia Ricardo Leoni, diretor-executivo responsável por mercados de capitais de dívida do J.P. Morgan no Brasil. "Há companhias olhando e tentando ficar prontas para quando houver uma oportunidade", diz. "Mas não espero que nenhuma empresa brasileira ou latino-americana se aventure até que se veja mais estabilidade."

Enquanto isso não ocorre, grandes companhias com bom perfil de crédito recorrem ao mercado doméstico. Há uma fila de empresas com operações engatilhadas para emitir debêntures de infraestrutura ou outros títulos incentivados, que oferecem isenção de imposto de renda para pessoa física e investidores estrangeiros. No fim de agosto, a Vale captou R$ 1,35 bilhão em uma operação desse tipo. Com forte demanda, os papéis saíram com taxa de juros cerca de 0,50 ponto percentual inferior à dos títulos públicos federais corrigidos pela inflação.

Lá fora, uma alternativa para as empresas, mesmo as que não são exportadoras, são as linhas de capital de giro em dólar (operações 4131). Segundo Leoni, essa opção tem se mostrado "muito atrativa" nas últimas semanas em razão do efeito positivo criado pelo swap de dólares para reais. Embora restritas às empresas com baixo risco de crédito, os empréstimos sindicalizados (com a participação de vários bancos) também têm se mostrado uma fonte de recursos a custos atrativos. A produtora de papel e celulose Fibria e o banco ABC Brasil estão entre os que se valeram dessas linhas recentemente.

Valor econômico, v. 16 , n. 3837, 09/09/2015. Finanças, p. C1