BC cita déficit no Orçamento e dólar como ameaças à inflação

 

GABRIELA VALENTE

O globo, n. 29985, 11//09/2015. Economia, p. 27

 

Na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária ( Copom), divulgada ontem, o Banco Central aponta riscos adicionais ao objetivo de fazer a inflação convergir para o centro da meta ( 4,5%) em 2016: o Orçamento com déficit enviado ao Congresso Nacional e a recente explosão do valor do dólar. Ainda assim, o Copom justifica a interrupção do ciclo de alta da taxa básica de juros ( Selic), mantida em 14,25% na semana passada, pelo agravamento da recessão e pela expectativa de que a crise econômica seja mais longa que o esperado. Esta avaliação ainda não leva em conta a perda do grau de investimento do Brasil, anunciada pela agência de risco S& P na quarta- feira. Para analistas, a ata ficou defasada, porque o cenário piorou muito com o rebaixamento do país e a disparada do dólar.

— É um documento defasado. Não dá para dizer que ele reflete o pensamento do Banco Central hoje, mas também não acredito que mudasse significativamente a visão do BC. Fizeram um aperto monetário num momento em que a economia sofre choques diversos. Acho razoável que ele pare para ver o que acontece. Afinal, o grosso do impacto do dólar será dado neste ano — avaliou a economistachefe da XP Investimentos, Zeina Latif.

“O atual nível de incertezas macroeconômica e política é tão alto que não podem ser completamente descartados cenários mais negativos e de ruptura”, alertou o economista- chefe para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, em comunicado enviado aos clientes ontem, logo após a divulgação da ata.

Mesmo sem levar em consideração o rebaixamento do Brasil, o Copom usou um tom bem diferente do comunicado da semana passada, quando os diretores do BC previam que a recessão seria suficiente para conter os preços. Agora, dizem que há mais riscos de que a meta de inflação não seja cumprida.

“O Copom avalia que o cenário de convergência da inflação para 4,5% no final de 2016 tem se mantido, apesar de certa deterioração no balanço de riscos”, diz a ata, que define claramente o que está pior: “Elevações recentes de prêmios de risco, que se refletem nos preços de ativos, exigem que a política monetária se mantenha vigilante em caso de desvios significativos das projeções de inflação em relação à meta”.

Com elevações de prêmios de risco o Copom quer dizer que o Brasil paga mais caro por causa da própria crise política e econômica. E que ter admitido que não fechará as contas no ano que vem e gastará mais do que deve arrecadar prejudicou todo o quadro.

“A perspectiva de nova mudança de trajetória para as variáveis fiscais, implícita na proposta orçamentária para 2016, afetou as expectativas e, de forma significativa, os preços de ativos. Nesse sentido, o Comitê nota que alterações significativas na trajetória de geração de superavit primários impactam as hipóteses de trabalho contempladas nas projeções de inflação e contribuem para criar uma percepção menos positiva sobre o ambiente macroeconômico no médio e no longo prazo”.

‘ EVENTOS NÃO ECONÔMICOS’

Ou seja, a perspectiva de que o ajuste fiscal poderia ajudar no combate à inflação deve se concretizar “mais lentamente”. A crise deve durar mais tempo que o esperado antes. E parte da culpa é dos chamados “eventos não econômicos”. No caso atual, isso significa crise política.

“Esse processo está sendo intensificado pelas incertezas oriundas do efeito de eventos não econômicos. Em particular, o investimento tem- se retraído, influenciado, principalmente, pela ocorrência desses eventos, e o consumo privado mostra sinais de contração, em linha com recentes dados de crédito, emprego e renda. Entretanto, para o Comitê, depois de um período necessário de ajustes, que pode ser mais intenso e mais longo que o antecipado, o ritmo de atividade tende a se intensificar, na medida em que a confiança de firmas e famílias se fortaleça”, diz o texto.