Após revés, o improviso

 

MARTHA BECK, CATARINA ALENCASTRO, GERALDA DOCA, DANILO FARIELLO, CRISTIANE JUNGBLUT, ELIANE OLIVEIRA E WASHINGTON LUIZ 

 

Titular da Fazenda, Levy prometeu enviar mais propostas de ajuste fiscal ao Congresso até o fim deste mês e disse que os brasileiros deveriam encarar aumento de impostos como investimento

Um dia após a Standard & Poor’s rebaixar a nota do Brasil, tirando o selo de bom pagador, a presidente Dilma convocou reunião de emergência para tentar unificar a reação e pediu pressa aos ministros nas sugestões de cortes de gastos, mas não anunciou medidas concretas. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse que até o fim deste mês serão enviadas ao Congresso novas propostas para equilibrar as contas e apelou aos brasileiros para que aceitem aumentos de impostos como investimento. Pouco antes da entrevista de Levy, a Bolsa subiu e a alta do dólar perdeu fôlego, na expectativa de que o ministro anunciasse medidas para viabilizar o ajuste fiscal. Mas, diante da falta de ação do governo, o dólar voltou a subir, refletindo a frustração dos investidores. - BRASÍLIA- Um dia após o Brasil perder o grau de investimento — selo de bom pagador — dado pela agência da classificação de risco Standard & Poor’s ( S& P), a presidente Dilma Rousseff convocou seus principais ministros para discutir os efeitos desse movimento sobre a economia. Porém, nenhuma medida concreta foi apresentada. O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, escolhido porta- voz pelo Palácio do Planalto, só conseguiu dizer que a equipe econômica apresentará, até o fim deste mês, as medidas de cortes de gastos e aumentos de impostos que serão adotadas para reequilibrar as contas e atingir a meta de superávit primário ( economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 0,7% do Produto Interno Bruto ( PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2016. Já o líder do governo no Senado, Delcídio Amaral ( PT- MS), após se reunir com Levy, disse que o governo anuncia hoje medidas de caráter administrativo, como cortes em contratos de serviços de terceiros, passagens aéreas e diárias.

Segundo Levy, a decisão da S& P de rebaixar o Brasil — resultado de uma combinação entre baixo crescimento, deterioração fiscal e crise política — pode ter sido precipitada, pois o governo está trabalhando para corrigir esses problemas.

— Uma das agências pode ter se precipitado. Quando a gente mostrar que o processo que já estava em andamento vai ter conclusão em algumas semanas, acho que talvez o afã de revisar a nota do Brasil arrefeça entre as outras agências e a própria avaliação do mercado irá se tranquilizar — disse: — A gente sabe que o mercado não se tranquiliza com palavras, apenas com ações. Evidentemente, a gente deve soltar mais ações de cortes de gastos, de aumento da eficiência do setor público e também um fechamento da equação fiscal que garanta a realização da meta de 0,7% do PIB em 2016.

Na reunião, Dilma orientou os ministros a acelerarem propostas de cortes de gastos para que, depois, o governo possa negociar com o Congresso o envio de novas fontes de receita. Além de cortes de funcionários e ministérios, o governo fará um pente- fino em todos os programas sociais e benefícios concedidos para eliminar fraudes e desperdícios. Já os aumentos de impostos devem ser temporários.

CORTE DE MINISTÉRIOS DEVE SER ANUNCIADO

Também pode ser anunciado nos próximos dias o início dos cortes nos ministérios. Dilma já decidiu que irá manter o status de ministério da Advocacia Geral da União ( AGU), da Controladoria Geral da União ( CGU) e do Banco Central. Ela foi aconselhada sobre a necessidade de blindar os chefes dessas áreas de processos e sinalizar que não serão enfraquecidas. Por outro lado, está avançado, apesar das críticas de setores do PT, a proposta de extinção das Secretarias de Direitos Humanos; de Políticas para as Mulheres e da Igualdade Racial. Elas seriam todas fundidas num único ministério, o Ministério dos Direitos Humanos e Ações Afirmativas.

A proposta prevê ainda o fim da Secretaria de Relações Institucionais ( SRI), da Secretaria de Assuntos Estratégicos ( SAE) e da Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Nessa configuração, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea) — hoje abrigado na SAE — iria para o Ministério do Planejamento, e a Micro e Pequena Empresa para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.

Algumas alternativas em estudo envolvem ainda o Ministério do Turismo, que pode ser extinto, restando apenas a Embratur com as incumbências da pasta, ou ser fundido com o Ministério dos Esportes, como já foi no passado. Outra área que pode ser fundida é a Cultura com o Ministério da Educação.

Dilma pediu que a equipe não trate a perda do grau de investimento como o fato mais importante da semana, mas que também não minimize a decisão, porque ela tem fortes impactos no mercado financeiro. O objetivo da reunião, contou um ministro da coordenação política, foi unificar o discurso em torno do tema e ratificar o rumo das políticas em discussão.

Dilma lembrou aos ministros que a S& P chegou a revisar para baixo a classificação dos Estados Unidos em 2011, quando o governo americano enfrentava um embate com o Congresso, que se recusava a elevar o teto da dívida pública. Dilma disse que o presidente Barack Obama reagiu à decisão da agência com naturalidade. Na reunião de ontem, os presentes receberam uma cópia em inglês de um discurso feito por Obama comentando o rebaixamento na ocasião.

Levy também fez questão de falar publicamente sobre o ocorrido nos Estados Unidos e fez um paralelo com o Brasil. Frisou que o movimento da agência ajudou a solucionar o impasse nos Estados Unidos. Assim, o downgrade do Brasil agora pode ter como aspecto positivo a solução para o problema das contas públicas:

— Cada país é um país, mas não é impossível deixar de lembrar o movimento dessa empresa em 2011, nos Estados Unidos. Havia uma falta de disposição do Congresso em aumentar o teto da dívida, o que dificultava o aumento de despesas. Pela falta de clareza, a agência fez uma avaliação política lá, assim como fez no Brasil. Na ocasião, esse movimento catalisou uma dinâmica positiva na economia americana.

O Palácio do Planalto distribuiu um gráfico aos ministros para mostrar que o grau de classificação do Brasil junto à agência era pior na gestão do ex- presidente Fernando Henrique Cardoso. E, mesmo assim, naquele período não deixaram de chegar investimentos do exterior:

— O investidor vai continuar vindo, até porque os ativos no país estão mais baratos com a valorização do dólar. O realinhamento do câmbio também melhora o perfil das contas externas — disse ao GLOBO um ministro.

O governo busca reduzir em 0,5 do PIB o gasto com despesas discricionárias. Isso faria com que esses gastos passassem de 4% do PIB este ano para 3,5%. Outro gráfico debatido na reunião mostrava que esse indicador já foi de 3% do PIB em 2003 e que, na maioria dos anos, esteve abaixo de 4%.

— Ou seja, 3,5% do PIB não é nada absurdo no cenário atual — acrescentou o ministro.

Adiada pelo governo devido às dificuldades, a terceira fase do Minha Casa Minha Vida sofrerá reajustes nas taxas de juros e irá contar com uma nova faixa de renda intermediária para financiamentos. Os juros vão variar entre 6%e 8% ao ano. Atualmente, as taxas estão entre 5% e 7,16% ao ano. Já a chamada faixa 1,5 oferecerá subsídios para famílias com renda de até R$ 2.350.

As proposta foram apresentadas ontem pelo ministro da Cidades, Gilberto Kassab, durante reunião com representantes dos movimentos sociais e da construção civil. Outra mudança está no limite da renda da faixa 1, que vai aumentar, dos atuais R$ 1.600 para R$ 1.800 por família, sem cobranças de juros e parcelamento de até 10 anos. Na nova faixa criada, os juros serão de 1,5%.

 

Pagar mais é ‘ investimento que vale a pena’

 

MARTHA BECK E ELIANE OLIVEIRA

 

Oministro da Fazenda, Joaquim Levy apelou aos brasileiros para que encarem novos aumentos de impostos como um investimento. Ao comentar a perda do grau de investimento pelo Brasil, ele ressaltou a importância do reequilíbrio das contas públicas, que virá de uma combinação de corte de gastos, melhoria da gestão e alta de tributos. De acordo com o ministro, a solidez fiscal evita turbulências eé a base do crescimento da economia. Ele também reafirmou sua permanência no cargo e disse que seu trabalho “ainda não terminou”.

— Se você pagar 0,5% a mais e o PIB ( Produto Interno Bruto, soma de bens e serviços produzidos no país) começar a crescer 0,5% mais rápido porque as pessoas não têm tanta insegurança, é investimento que vale a pena — disse o ministro, acrescentando:

— Nosso esforço adicional é para garantir que o Brasil seja um país seguro para investidores, trabalhadores e famílias. Uma condição fiscal sólida permite que o câmbio não tenha volatilidade excessiva e evita que a inflação se desgarre. A solidez fiscal é a base do crescimento.

O ministro disse que o Brasil não pode ser “vítima de uma miopia” na questão dos impostos e que o setor produtivo já sinalizou que entende esse tipo de medida como uma necessidade do país:

— Eu tenho ouvido de empresários que eles estão dispostos e que essa estratégia que estamos desenhando responde à necessidade do Brasil. (...) Você quer ir do ponto A para o ponto B. Você tem que mostrar como você vai chegar lá e esse como é uma combinação de cortes de gastos e, se precisar, pedir à sociedade, às empresas e às famílias que elas também façam um esforço adicional para ajudar o Brasil.

Embora não tenha apresentado nenhuma medida concreta, o ministro disse que o governo está empenhado em resolver o déficit de R$ 30,5 bilhões previsto na proposta orçamentária de 2016 — que foi a gota d ´ água para o rebaixamento do país — e em atingir a meta de superávit primário ( economia para o pagamento de juros da dívida pública) de 0,7% do PIB fixada para o ano que vem. No entanto, ressaltou, o Executivo não tem como fazer isso sozinho:

— O governo não chega sozinho no 0,7%. Ele só vai chegar lá se a sociedade entender a importância de a gente ter as contas fiscais em ordem. O nosso trabalho, com agência de rating ou sem agência de rating, é botar a casa em ordem para as pessoas poderem trabalhar, as empresas poderem contratar e as famílias poderem ter tranquilidade.

Perguntado se ainda ficará no cargo diante do rebaixamento, o ministro deixou claro que não é sua intenção deixar a pasta.

— Não acredito que meu trabalho de recuperação fiscal já esteja completo. Eu teria alívio, mas não é essa minha avaliação.