Levy defende alta de receita como "pequeno investimento"
Leandra Peres, Edna Simão, Eduardo Campos e Fabio Pupo
11/09/2015
Enfrentando resistências do Congresso Nacional, de empresários e de trabalhadores a aumentos de tributos para fechar as contas do governo, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse ontem que o país "não deve ser vítima de miopia na questão dos impostos". E insistiu que, para alcançar a meta de um superávit de 0,7% do PIB em 2016, será necessário aumentar as receitas, o que considerou como "um pequeno investimento". Ele prometeu também cortar gastos previstos para o ano que vem e entregar o pacote de medidas fiscais do governo até o fim do mês.
"Se tiver que pagar um pouquinho mais de imposto para o Brasil se tornar um país forte, todos vão concordar. É uma aritmética: talvez tenha que pagar um pouquinho mais de imposto, mas com isso a economia vai crescer mais rápido", disse Levy, citando apoio de empresários com quem tem conversado.
A entrevista do ministro na tarde de ontem foi orquestrada diretamente pelo Palácio do Planalto como mais um esforço para conter o impacto negativo do rebaixamento da nota de crédito do Brasil, anunciada na quarta-feira. Havia a expectativa de que algumas das medidas do ajuste já seriam anunciadas, o que não se confirmou.
"Mercado não se tranquiliza com palavras, mas com ações. Fecharemos a equação que garanta a meta de superávit de 0,7% do PIB", afirmou. Mas de acordo com o ministro, ainda não há decisão no governo sobre as medidas que serão adotadas.
Levy, no entanto, disse que a agência Standard & Poor's "pode ter se precipitado". Ele acredita que, à medida que o governo anunciar as propostas para cumprir a meta fiscal, "o afã de mudar a nota do Brasil também arrefecerá um pouco". O país perdeu o grau de investimento da S&P, mas ainda mantém essa classificação na escala da Moody´s e da Fitch. As três agências são as principais referências de avaliação de risco no mundo.
O ministro citou a crise da dívida nos Estados Unidos, quando o Executivo e Legislativo não se acertavam sobre o aumento do teto de endividamento do país, e a S&P também reduziu a nota de crédito dos americanos. Lá, na visão de Levy, a má notícia "catalizou uma dinâmica positiva". O ministro não chegou a apostar que o mesmo aconteça no Brasil, mas afirmou que o "sinal de alerta bastante importante" cria um "estímulo adicional" para o governo levar adiante o processo de melhora fiscal.
"Em vista da falta de clareza [nos EUA], a agência fez uma avaliação politica, assim como ela fez aqui uma avaliação política de que poderia haver dificuldades objetivas de se alcançar o objetivo fiscal necessário", explicou Levy.
O discurso do ministro continuou baseado na necessidade de reformas de longo prazo, que farão o crescimento se recuperar. Para o curto prazo, o governo quer construir uma "ponte" que combine corte de gastos e novos impostos para melhorar o resultado fiscal.
Mas mudou a maneira como o ministro Levy apresenta o esforço fiscal do governo até agora e se aproximou muito mais do discurso do Palácio do Planalto e do próprio ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Em vários momentos, Levy ressaltou a economia e a disciplina fiscal que o governo tem mostrado este ano. Os cortes de gastos chegam a R$ 80 bilhões em relação ao Orçamento que o Congresso Nacional havia aprovado.
"Vamos continuar com a mesma disciplina deste ano em 2016", afirmou o mesmo Levy que no início do ano não compareceu à entrevista coletiva em que o governo anunciou um contingenciamento de R$ 69 bilhões por considerar o corte mais tímido do que o necessário.
O ministro foi perguntado sobre o congelamento dos salários do funcionalismo público e quais os impostos que o governo pretende elevar. Mas a única medida citada foi que o governo melhorará a gestão do seguro defeso, pago a pescadores e cuja despesa já chega a R$ 3 bilhões, além de mudanças legais no programa para evitar fraudes.
O ministro da Fazenda teve mais uma vez que reafirmar sua permanência no governo ao afirmar que a recuperação fiscal não está concluída e que há bastante trabalho pela frente.
O compromisso do governo federal com um superávit de 0,7% do PIB em 2016 ocorre dez dias depois de a presidente Dilma Rousseff enviar ao Congresso Nacional um Orçamento prevendo déficit de 0,34% do PIB. Antes disso, já havia proposto recriar a CPMF e desistido. O governo também lançou sucessivos balões de ensaio para aumentos de impostos, como aumento do Imposto de Renda e da Cide, a contribuição sobre combustíveis.
Ministro quer discurso unificado sobre política econômica
Andrea Jubé
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, pediu à presidente Dilma Rousseff que o governo unifique o discurso sobre a política econômica, porque a pluralidade de atores do governo pronunciando-se sobre o tema confunde o mercado.
Segundo relato de uma fonte do Palácio do Planalto, a reclamação foi feita na quarta-feira. Um dia depois, ou seja, ontem, na reunião da coordenação política, Dilma pediu "unidade" na equipe e na defesa da economia, ressaltando que a prioridade deve ser o corte de gastos. A reunião com oito ministros e lideranças no Congresso foi convocada para discutir o rebaixamento da nota de crédito do Brasil.
Nos bastidores, Levy trava uma queda de braço com o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, que defende um ajuste fiscal de longo prazo, com cortes moderados. A própria Dilma ampliou a confusão ao passar a defender, publicamente, "remédios amargos" - metáfora para aumento de impostos -, no lugar do corte de gastos.
Na reunião, Dilma pediu "unidade" no governo em defesa da política econômica e "austeridade" nas contas públicas. Pela primeira vez nas reuniões da coordenação, todos os participantes foram unânimes na defesa de que primeiro é preciso anunciar os cortes no orçamento, para depois apresentar as novas fontes de receita, a serem enviadas ao Congresso Nacional.
"A presidente se convenceu de que é hora de agir, é preciso anunciar logo o corte de despesas", disse ao Valor um ministro que participou da reunião. Ele observou que passados dez dias do envio do orçamento deficitário ao Congresso, o governo não anunciou nenhuma medida.
Levy pediu que o Congresso acelere o processo para aprovar o projeto de repatriação dos recursos no exterior, porque aponta como uma injeção extra de receita garantida, que pode impulsionar a retomada do reequilíbrio fiscal.
Contudo, apesar da avaliação unânime de que o momento pede providências urgentes, os participantes avaliaram que o rebaixamento do rating pela Standard & Poor's não deve ser considerado uma catástrofe. "Rebaixaram a nota dos Estados Unidos no passado, e nem por isso a economia americana caiu em descrédito", disse um ministro.
Em sua manifestação, o vice-presidente, Michel Temer, reforçou o discurso de que primeiro é preciso concentrar no corte de gastos, para somente depois, se necessário, o governo discutir o aumento de impostos com o Congresso. Um dos ministros participantes disse ao Valor que houve debates sobre a conveniência de recriação de uma CPMF híbrida, com alíquota regressiva e prazo de validade, bem como da Cide, que recai sobre os combustíveis. "Qualquer remédio será amargo, a Cide é glicose na veia", ponderou.
Valor econômico, v. 16 , n. 3839, 11/09/2015. Brasil, p. A3