Ministros do Supremo defendem liberação apenas da maconha

Beatriz Olivon 

11/09/2015

O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal ganhou um novo rumo. Em votos proferidos ontem, os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso defenderam a liberação apenas da maconha, divergindo do relator, ministro Gilmar Mendes, que votou de forma mais ampla, abrangendo as demais drogas, como cocaína e crack.

Depois de um longo debate, que tomou toda a sessão, o julgamento foi suspenso por um novo pedido de vista. Desta vez, do ministro Teori Zavascki. No caso analisado pelo STF, um homem foi condenado a dois meses de serviço comunitário após ser pego com três gramas de maconha para consumo próprio.

No caso, os ministros analisam a constitucionalidade do artigo 28 da Lei nº 11.343, de 2006, que institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. O dispositivo questionado pela Defensoria Pública classifica como crime o porte de drogas para uso pessoal e prevê penas de advertência, prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. O artigo prevê essas mesmas penas para quem, com a finalidade de consumo pessoal, cultiva plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de droga.

A análise foi iniciada em agosto, com o voto do relator, ministro Gilmar Mendes. O magistrado foi favorável à descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal e sugeriu medidas de natureza civil-administrativas para os usuários.

A discussão foi retomada ontem com o voto-vista do ministro Edson Fachin. O magistrado e Luís Roberto Barroso votaram de forma favorável à descriminalização da maconha - que é a substância do caso concreto analisado pelo STF. Barroso não se manifestou sobre as outras drogas, enquanto Fachin manteve a criminalização das demais substâncias.

No voto, Fachin propôs declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante. O magistrado ainda sugeriu ao Plenário a criação de um observatório judicial sobre drogas, na forma de comissão temporária, para acompanhar os efeitos da deliberação do tribunal neste caso, especialmente quanto à diferenciação entre usuário e traficante.

"O dependente é vítima e não criminoso germinal", disse. Fachin afirmou que os números referentes ao tráfico de drogas e à realidade carcerária são preocupantes. "Com base nesse quadro, o usuário em situação de dependência deve ser encarado como doente, a necessitar de tratamento", disse. A realidade do sistema carcerário e saúde pública também foram citadas no voto do ministro Luís Roberto Barroso, que se manifestou na sequência.

No voto, o ministro citou o elevado custo da politica de repressão ao consumo de drogas. Dados apresentados pelo magistrado indicam que cada detento custa R$ 2 mil por mês. Desde a lei de drogas, o número de presos por delitos ligados às substâncias subiu de 9% em 2006 para 20% em 2013. "A saúde pública, de longe, virou argumento secundário, porque ela é preterida ante a política de segurança pública", disse.

Barroso considera que a criminalização viola o direito à privacidade, à autonomia individual e também o princípio da proporcionalidade. "Para poupar as pessoas do risco, o Estado vive a vida delas, sem que elas possam fazer suas escolhas existenciais", disse. Para o magistrado, o principal problema das drogas no Brasil é o poder do tráfico. "Só há uma solução, e ela é radical: acabar com a ilegalidade das drogas, sua produção e consumo", afirmou, destacando que esta não é a questão central da discussão da Corte.

No voto, o ministro propôs que o Supremo estabeleça o limite da quantidade de maconha que poderá ser considerada como consumo pessoal até o Congresso dispor sobre a matéria. Sugeriu 25 gramas ou seis plantas fêmea. No entanto, pela sugestão do magistrado, caberá análise e argumentação dos juízes nos casos concretos.

Barroso destacou que os três votos proferidos até o momento são contrários à posição majoritária da sociedade, mas protegem direitos fundamentais.

Valor econômico, v. 16 , n. 3839, 11/09/2015. Legislação, p. E1