STF voltará a julgar se empresas podem doar

 

CAROLINA BRÍGIDO

O globo, n. 29985, 11//09/2015. País, p. 10

 

Um ano e cinco meses após pedir vista, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal ( STF), liberou ontem seu voto sobre a contribuição de campanha por parte de empresas. Ele pediu vista do processo em abril de 2014 e, por ter demorado para concluir o voto, foi alvo de críticas de entidades defensoras da reforma política. Gilmar liberou seu voto um dia depois de a Câmara concluir a votação da reforma política, mantendo as doações empresariais. O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, marcou para o próximo dia 16 a retomada do julgamento.

Anteontem, a Câmara dos Deputados votou o texto final da reforma política, incluindo a confirmação da regra segundo a qual empresas podem doar para campanhas, contrariando a decisão tomada pelo Senado, que proibira a prática. A nova lei seguirá para a presidente Dilma Rousseff, que pode sancionar ou vetar a regra.

Se a nova lei ainda não tiver sido sancionada até a próxima semana, o julgamento do STF ocorrerá normalmente. Caso tenha sido sancionada, os ministros precisarão decidir se a nova lei prejudica o julgamento. Isso porque a Ação Direta de Inconstitucionalidade ( Adin) foi proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil ( OAB) contra a lei antiga.

— Precisamos examinar — disse o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski.

SEIS MINISTROS JÁ VOTARAM

Mesmo que o julgamento da ação não ocorra, o entendimento majoritário no STF é expresso ao proibir o financiamento de campanha por empresas. Portanto, a nova lei poderia ser revogada em um julgamento futuro, de uma nova ação contra a regra.

— Qualquer que seja o pronunciamento do Congresso Nacional, o julgamento do Supremo baseou- se em princípios constitucionais. Então, qualquer nova norma que advenha do Congresso, ela será ou poderá ser examinada novamente à luz dos princípios constitucionais — argumentou o presidente do tribunal.

Quando o julgamento foi interrompido, seis dos 11 ministros do STF haviam votado pelo fim da possibilidade de pessoas jurídicas financiarem campanhas eleitorais. Defenderam a mudança Luiz Fux, relator; Joaquim Barbosa, já aposentado; Dias Toffoli, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral ( TSE); Luís Roberto Barroso; Marco Aurélio Mello e Lewandowski. Todos, exceto Barbosa, ainda podem mudar de opinião até o fim do julgamento.

Havia só um voto a favor da possibilidade da contribuição de empresas, de Teori Zavascki. Além de Gilmar, outros três ministros votarão: Celso de Mello, Cármen Lúcia e Rosa Weber.

Atualmente, a lei eleitoral permite a doação de empresas para campanhas. Em várias ocasiões, Gilmar declarou que eventual mudança no entendimento deve ser feita pelo Congresso, e não pelo Judiciário.

Na avaliação da OAB, se o STF derrubar o financiamento de campanha por empresas antes da sanção, a presidente Dilma ficará obrigada a vetar a nova lei. Isso porque a Constituição Federal proíbe a sanção de normas inconstitucionais.

O ministro do STF Dias Toffoli, que preside o TSE, disse que o Supremo poderia esperar a presidente Dilma sancionar a lei para depois retomar o julgamento do processo, o que evitaria confusão.

— O melhor era aguardar a sanção ou veto, porque isso foi aprovado no Congresso e ainda vai à Presidência, para analisar qual é o quadro jurídico final. Eu penso que já tivemos bastante tempo para refletir sobre isso, não custa nada aguardar um pouco mais — afirmou Toffoli.

TOFFOLI ELOGIA TETO DE DOAÇÕES

O presidente do TSE elogiou a decisão da Câmara de limitar as doações de empresas a candidatos e partidos, o que, em sua opinião, ajuda a evitar discrepâncias nas eleições:

— Isso traz uma seriedade na contribuição para as campanhas, ou seja, nenhuma empresa pode ter uma contribuição tão maior do que outras.

Para analistas políticos, porém, a Câmara deveria, em vez de apenas limitar, ter mantido a proibição de doação empresarial que havia no texto aprovado antes pelo Senado, uma demanda vinda da sociedade.

— O que vimos foi uma antirreforma, já que o “x” da questão estava em acabar com o financiamento empresarial de campanha, e isso não foi feito — disse Fernando de Azevedo, cientista político da UFSCar.

 

‘O ruim era não ter teto de campanha. Demos o 1 º passo’

 

ISABEL BRAGA 

 

Como avalia a reforma política- eleitoral aprovada pelo Congresso?

Em relação às mudanças possíveis em lei, avançamos muito. Reduzimos pela metade o tempo de campanha, organizamos melhor a distribuição do tempo de TV aos candidatos, priorizando os comerciais de 30 segundos e um minuto, que têm audiência maior e geram uma maior volume de informação à sociedade. Com a exigência de um número mínimo de deputados ( eleitos) pelo partido do candidato, organizamos os debates que muitas vezes não acontecem porque o volume de candidatos é muito grande.

E a manutenção do financiamento das campanhas por empresas?

Regulamentamos o financiamento privado. Colocamos o limite de R$ 20 milhões nas doações de empresas. Vedamos doações de empresas que têm contrato com os governos. Com isso, diminui a interferência que as empresas poderiam exercer nos eleitos. Isso obrigará os partidos a procurarem empresas com convergência de ideias, e a doação não ocorrerá por interesses comerciais, um grande avanço. Quando coloquei esses artigos, houve grande resistência, tanto em relação ao limite de R$ 20 milhões, quanto à vedação de empresas com contratos. O Senado chegou a tirar, mas na Câmara restabelecemos. Também criamos limites de gastos das candidaturas que antes eram colocados por cada partido, o que gerava distorção e dificuldade de fiscalização pela Justiça Eleitoral.

Mas o limite de 70% do maior gasto é muito elevado.

O ruim era não ter o teto das campanhas. Demos o primeiro passo. O grave não é ter sido um pouco acima da média, o grave é caixa dois, financiamento oculto.

A OAB divulgou pesquisa mostrando que a maioria da população é contra o financiamento de empresas.

As perguntas da pesquisas são direcionadas. Dependendo da pergunta, você tem a resposta que quer. O que a sociedade quer são eleições com limites, transparentes, e que a doação privada não seja instrumento para enriquecimento ilícito.

O que já valerá para 2016?

A Dilma sancionando, vale o prazo de seis meses para estar filiado ao partido pelo qual a pessoa vai concorrer, a redução do tempo da campanha para 45 dias, do horário de TV e rádio para 35 dias. O voto impresso depende da aprovação da PEC que está no Senado. Apenas regulamentamos na lei, para valer para 2018.

E a janela para a troca de partido antes da eleição?

Fui contra. Na PEC da reforma aprovamos uma única janela para a reorganização dos partidos, diante da crise profunda que o Brasil vive. Na lei ordinária e a cada eleição, como ficou, é na prática acabar com o instrumento da fidelidade partidária criado pelo DEM e que o STF consagrou. É inconstitucional e acho que muitos políticos podem ficar com mede de usar.

O que muda para a eleição municipal?

Os prefeitos terão um bloco diário de 10 minutos, de segunda a sábado, e passam a ter 42 minutos de inserções comerciais durante todos os dias. Os vereadores não terão mais o bloco, mas ganham 28 minutos de comercial de segunda a domingo. Nas cidades menores, poderão fazer prestação simplificada. Acaba a indústria do candidato que perdeu a eleição recorrer à Justiça para tentar impugnar o outro. Se o eleito for cassado, será feita nova eleição.

Os custos das campanhas cairão?

Só de a campanha ser de 45 dias, e não mais 90 dias, cai o custo em relação a placas, cabos eleitorais, papéis, carros de som. Acho também que o teto que colocamos não será alcançado. Pela crise que o país passa, vamos ter uma retração enorme na participação do capital privado. Não tenho dúvida que as duas próximas eleições serão mais baratas.