Fim de linha, mas não fim do mundo

 

JOSÉ PAULO KUPFER

O globo, n. 29985, 11//09/2015. Opinião, p. 19

 

Reações descabeladas, que se seguiram ao anúncio da perda do grau de investimento, definido pela agência de classificação de riscos Standard & Poor’s no início da noite de quarta- feira, não se confirmaram, pelo menos no day after do anúncio. No mercado de câmbio e no de ações, houve uma esperada pressão sobre o dólar e ações de bancos, mas nada de extraordinário. O Banco Central, que se preparou para uma guerra, não preciso usar todo o arsenal que tem à disposição.

CAVALCANTE

Isso não significa que a queda da nota de crédito do país para o grau especulativo não tenha consequências. Não adianta desqualificar as agências de rating, criticar seus métodos e lembrar seus erros, expostos sobretudo com a eclosão da grande crise global de 2008. Por diversos canais, a perda do grau de investimento colabora para piorar o que já não estava bem.

A perspectiva é a de que os financiamentos — e não só em moeda estrangeira — fiquem mais difíceis e mais caros, com reflexos negativos nos investimentos, que já andam para lá de desanimados. A recessão, por isso mesmo, pode se agravar e a retomada do crescimento, nesse ambiente mais deteriorado, leva jeito de ficar igualmente mais difícil e mais demorada.

Depois do anúncio da S& P, por exemplo, os economistas do Banco Itaú, numa reação comum a de outros analistas, revisaram para pior suas projeções para 2015 e 2016 de recuo da economia, inflação, movimento dos juros e desemprego. Já preveem, no ano que vem, inflação no teto da meta, desemprego em 10% e trajetória menos favorável de recuo dos juros.

O comportamento relativamente comedido dos mercados no day after da perda do grau de investimento parece dar razão aos que consideraram que, exceto exageros no curtíssimo prazo, o quadro econômico pós- downgrade já havia sido “precificado”, como se diz no jargão do mundo financeiro. Prova disso é a evolução do CDS, uma espécie de seguro contra calotes, que há algum tempo, no caso do Brasil, tem custo superior ao pago pelos investidores que aplicam em economias já classificadas como grau especulativo. A perda do grau de investimento, em resumo, teria apenas sacramentado o que já era levado em conta pelo mercado.

De um ponto de vista mais amplo, porém, o carimbo negativo pregado pela S& P tem um inevitável significado. Decreta um fim de linha para a política econômica hesitante e tumultuada comandada pela presidente Dilma. A mensagem faz sentido eé a de que será impossível chegar a algum lugar com o anúncio de medidas que mudam a cada três dias, divergências na equipe encarregada de conduzir a economia e choques permanentes com os parlamentares responsáveis pela aprovação das propostas de reequilíbrio econômico. Arrumar a casa, na direção de promover o entendimento tanto entre ministros quanto do Executivo com o Legislativo, é agora o caminho ainda mais imperioso.

Apesar das pressões do momento, porém, se a perda do grau de investimento marca um fim de linha para uma forma de conduzir a economia, não há indicações suficientes para decretar o fim do mundo, diferentemente de que querem fazer crer algumas análises politicamente comprometidas. No mesmo dia em que a S& P anunciou a desclassificação brasileira, o Banco Central divulgou as informações do fluxo cambial em agosto e estas mostram que, no mês passado, às vésperas portanto da perda do grau de investimento, os ingressos de recursos externos no país superaram as saídas em R$ 4 bilhões.

Esse fato, muito menos paradoxal do que poderia parecer, ajuda a entender a atração exercida pelas altas taxas de juros e pelo real mais desvalorizado sobre os investidores externos. São emplastros de custo alto para a economia, mas razoavelmente eficazes para compensar movimentos de rejeição de capitais causados por eventos como a perda do grau de investimento.