O globo, n.30.016, 12/10/2015. País, p.3

Dilma deflagra ação contra impeachment

Advogado da campanha presidencial pede parecer jurídico para rebater impedimento

Parecer diz que atual pretensão de impeachment, em termos jurídicos, é literalmente absurda

Parecer encomendado por advogado da campanha da presidente a juristas defende que rejeição de contas não

implica crime de responsabilidade e que ela e o vice, Michel Temer, não podem ser cassados pelo TSE

A presidente Dilma Rousseff deu início à sua estratégia de defesa contra um possível processo de impeachment e já se articula nos campos jurídico e político. Na primeira esfera, o advogado da chapa Dilma- Temer, Flávio Caetano, encomendou aos juristas Celso Antonio Bandeira de Mello e Fabio Konder Comparato um parecer que contesta os argumentos para afastar a presidente, baseados na rejeição das contas do governo no TCU, e as ações que pedem no TSE a cassação da chapa. Ontem, Dilma voltou a se reunir com ministros para mobilizar a base do governo no Congresso. Pressionado por denúncias de contas na Suíça e gastos não declarados no exterior, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse que decidirá amanhã se abre processo de impeachment contra ela. - BRASÍLIA- A presidente Dilma Rousseff deu início à sua estratégia de defesa jurídica contra um eventual processo de impeachment. Com a expectativa de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), decidir nesta terça- feira se abrirá ou não uma ação pelo afastamento da petista, Flávio Caetano, advogado da chapa Dilma e Michel Temer, recebeu ontem um parecer dos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato. O documento servirá de base para a defesa no Tribunal Superior Eleitoral ( TSE) e também contra ação baseada na rejeição das contas de Dilma de 2014 pelo Tribunal de Contas da União ( TCU). Além disso, um grupo de deputados do PT já entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal ( STF) contra o rito de tramitação dos pedidos de impeachment, anunciado por Cunha.

No parecer, encomendado por Caetano, Mello e Comparato sustentam que a reprovação das contas da presidente pelo TCU não constitui crime de responsabilidade, sendo insuficiente para a abertura de um processo de impeachment. Eles também afirmam que o TSE não tem poder para, eventualmente, cassar os mandatos.

Este documento servirá como primeiro passo para sustentar movimentações jurídicas mais “contundentes” contra o impeachment, segundo disse ao GLOBO um dos integrantes do grupo de defesa de Dilma.

No pedido de resposta dos juristas, Flávio Caetano fez cinco questionamentos. O primeiro deles trata sem nenhuma reserva do impeachment:

“Qual o alcance e o significado do artigo do artigo 86 parágrafo 4 da Constituição?”, questiona Caetano. Este artigo diz o seguinte: “admitida a acusação contra a presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o STF nas infrações penais comuns, ou perante o Senado, nos crimes de responsabilidade.”

Na resposta, os dois juristas dizem “sem a menor hesitação” que a atual pretensão de impeachment, em termos jurídicos, é “literalmente absurda”.

Mello e Comparato afirmam ainda que o TCU emitiu uma opinião de um “hipotético crime de responsabilidade”. Eles pontuam que o Tribunal é um órgão auxiliar do Poder Legislativo. Por esse motivo, é preciso separar a apreciação pelo Congresso Nacional da opinião do TCU, e que somente a análise do Tribunal não pode sustentar um pedido de afastamento de Dilma do cargo.

“A reprovação das contas pelo Legislativo é algo que, em si mesmo e por si mesmo, em nada se confunde com crime de responsabilidade. A manifestação do TCU necessita de aprovação do Congresso Nacional para surtir efeito de rejeição”, escrevem os juristas.

Mello e Comparato afirmam que o impeachment deve ser utilizado apenas em “situação da mais alta seriedade e de uma excepcionalidade extrema, isto é, máxima”, o que não é o caso, para eles, na rejeição das contas. Eles sustentam que mesmo que as contas sejam reprovadas pelo Legislativo, isso não constitui crime de responsabilidade.

“O chamado impeachment não é uma sanção propriamente dita, um castigo por ter ferido a Lei Magna, mas uma providência destinada a impedir que alguém que esteja a ferir gravemente a Constituição persista em condições de fazê- lo. Este instituto não pode ser brandido de maneira a cumprir aquilo que, na expressiva dicção utilizada na linguagem do esporte mais popular no Brasil, se traduz no dito corrente de ‘ ganhar no tapetão’, quando um clube de futebol, esmagado em campo por força da superioridade do adversário, quer vencê- lo de qualquer modo, nem que seja por esta via inidônea e não se peja de assumir uma atitude desabrida”, sustentam.

Quanto às ações no Tribunal Superior Eleitoral, o parecer diz que o órgão não tem poderes para cassar mandato de presidente e seu vice.

“Nem o Presidente da República, nem seu vice podem ter seus mandatos cassados por decisão do Tribunal Superior Eleitoral em ação de impugnação de mandato eletivo, ao arrepio dos artigos 85 e seguintes da Constituição Federal”, concluem. Dilma e Temer são alvo de Ações de Investigações Judiciais Eleitorais ( Aijes) e uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ( Aime) no TSE.

Os juristas avaliam também a possibilidade de impedimento presidencial por atos cometidos em mandato anterior. Para os estudiosos do Direito brasileiro, “ninguém duvidaria que, sendo o mandato presidencial de quatro anos, encerrado este, o que surge é um segundo e diverso mandato cuja investidura dependeu de eleição na qual os que sufragaram o eleito nem ao menos são necessar iamente os mesmos que o fizeram no pleito anterior”.

Mello e Comparato reforçam que, ao falar em “exercício de suas funções”, a Constituição se refere “às funções que o presidente exerce, não às funções que no passado exerceu”.

“Não se pode, pois, suplantar a vontade popular expressa no resultado eleitoral para buscar em outro momento histórico e jurídico o fundamento requerido para o ‘ impeachment’, sem estar com isso ofendendo até mesmo o princípio republicano”, explicam.

Celso Antônio Bandeira de Mello é professor emérito da PUC- SP e Fábio Konder Comparato é professor emérito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco ( USP), doutor honoris causa da Universidade de Coimbra ( Portugal) e doutor em Direito pela Universidade de Paris ( França).

A ORDEM É CONTER O IMPEACHMENT

Ontem, Dilma voltou a Brasília antes do fim do feriado, como previsto, para reuniões políticas com ministros. Preocupada com o comportamento “imprevisível” de Cunha, Dilma realizou duas reuniões com os ministros Ricardo Berzoini ( Casa Civil) e Aldo Rebelo ( Defesa) para tratar sobre o andamento na Câmara, a partir desta terça, do processo de impeachment contra ela. A reunião ocorreu ontem, depois de uma viagem- relâmpago da petista a Porto Alegre ( RS). Ela voltou para Brasília em menos de 24 horas. A ordem de Dilma é acionar os ministros dos partidos aliados para tentar conter o peemedebista e obter o apoio da base aliada para barrar o impeachment.

No sábado, Dilma já havia se reunido com os ministros Jaques Wagner ( Casa Civil), Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo) e José Eduardo Cardozo ( Justiça). Logo em seguida, a presidente embarcou para Porto Alegre, para se encontrar com a família.

A presidente decidiu voltar ontem e não passar o feriado de hoje na capital gaúcha, onde moram sua filha Paula e seu neto Gabriel.

— Temos que ter maioria no Congresso. Tem que valer a coalizão — afirmou um ministro. 

 

Levy afirma que tem ‘ compromisso’ de não repetir ‘ pedaladas fiscais’

 

MP quer abertura de processo para avaliar repetição de operação financeira

Em Lima, para reunião anual do FMI, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse ontem que o governo modificou regulamentos e fez pagamentos para evitar a reedição das pedaladas fiscais. Ele afirmou, ainda, que desconhece uma nova ação do TCU e defendeu que a aprovação do Orçamento de 2016 é a prioridade do governo neste momento. Levy ressaltou a necessidade de evitar um novo rebaixamento da nota de crédito do país. Segundo ele, a perda do grau de investimento pela Standard & Poor’s teve “efeito devastador” para várias empresas. - LIMA- O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse ontem que desconhece a denúncia de que as “pedaladas fiscais” continuaram a ocorrer este ano. Em Lima, para participar de reunião do Fundo Monetário Internacional ( FMI), Levy afirmou que “tem compromisso com a transparência e com o cumprimento das leis” e lembrou que o governo refez regulamentos para acelerar o pagamento e dar “absoluta clareza no relacionamento com as instituições fiscais”.

ANDRE COELHO/ 01- 10- 2015Reunião em Lima. Levy afirmou desconhecer novas “pedaladas” este ano

— Eu não conheço exatamente o documento ( relatório do Ministério Público que aponta a continuação das “pedaladas fiscais” em 2015), então é difícil me pronunciar. Vou aguardar chegar em Brasília para eu ler os documentos. Mas todo mundo sabe que nós estamos pagando as despesas não só deste ano como dos anos anteriores. Todo mundo sabe que nós, inclusive, reformamos diversos regulamentos para acelerar o pagamento e dar absoluta clareza no relacionamento com as instituições fiscais.

O MP pediu ao TCU que abra novo processo para analisar a repetição da prática de “pedaladas fiscais” pelo governo Dilma Rousseff este ano. O procurador Júlio Marcelo de Oliveira apontou, por meio de representação, que o governo teria realizado novas operações de crédito junto a BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e FGTS violando mais uma vez a Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF).

A prática das “pedaladas” foi um dos motivos que levou à rejeição pelo TCU das contas de Dilma em 2014. A oposição também cita a prática como um dos argumentos para o pedido de impeachment da presidente. Levy afirmou que o governo espera a decisão do TCU sobre o assunto, mas que enquanto isso tem atuado dentro das normas vigentes. Ele lembrou que o governo deve pagar neste ano entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões ao BNDES, como compensação ao banco pelo diferencial de taxas de juros, sobretudo no Programa de Sustentação do Investimento ( PSI), que gerava financiamento com juros subsidiados de até 2,5% para máquinas, equipamentos e caminhões. O ministro ressaltou ainda que o governo está pagando diferenças de taxas de juros do Plano Safra.

— Temos sido transparentes nestas áreas e certamente vamos examinar qualquer orientação do TCU para dar conformidade.

Conforme mostrou o GLOBO, o governo ainda paga pelas “pedaladas” de anos anteriores. Dados do Tesouro Nacional dizem que, entre janeiro e agosto, R$ 14,4 bilhões saíram dos cofres públicos para quitar dívidas com subsídios e subvenções econômicas devidos até 2014.