Aperto no social

 

ANDRÉ DE SOUZA

O globo, n. 29984, 10//09/2015. País, p. 3

 

 Alguns dos principais programas sociais do governo federal já estão, na prática, sofrendo cortes. Passados oito meses do ano, o programa habitacional Minha Casa Minha Vida ( MCMV), por exemplo, gastou 16% do orçamento previsto para 2015. No Pronatec, que oferta cursos de ensino técnico e profissionalizante, o número de vagas diminuiu, menos da metade da verba foi executada, e a previsão para 2016 é reduzir ainda mais esses valores. Outros programas, como o Bolsa Família e o Programa de Financiamento Estudantil ( Fies), estão conseguindo escapar dos cortes, mas também não devem ser expandidos. Enquanto isso, o Orçamento de 2016 prevê gastos de R$ 252,6 bilhões com a folha de pessoal: uma elevação de R$ 21,7 bilhões em relação a 2015.

ANTONIO BATALHA/ SENAI/ 21- 2- 103Ensino profissionalizante. Alunos do Pronatec: número de vagas diminuiu, e menos da metade da verba foi executada

Os gastos com os programas sociais foram levantados pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira ( Conof) da Câmara dos Deputados a pedido do GLOBO, e mostram que a pior situação é do MCMV. Do orçamento de R$ 19,9 bilhões em 2015, R$ 3,2 bilhões foram pagos até o fim de agosto. Se considerados os restos a pagar, ou seja, recursos de orçamentos anteriores gastos somente agora, o montante sobe para R$ 8,1 bilhões. Para 2016, o projeto de Orçamento encaminhado ao Congresso prevê R$ 15,5 bilhões, valor que também deverá ser contingenciado. Em 2014, o cenário foi outro. Levantamento feito pelo gabinete do senador José Agripino ( DEM- RN) mostra que o governo executou 100% dos R$ 16,7 bilhões previstos, e até agosto R$ 6,85 bilhões já haviam sido pagos — mais que o dobro deste ano.

Sem dinheiro e sem pompa, o governo apresenta hoje a terceira etapa do MCMV: primeiro para representantes dos movimento sociais, no início da tarde, e depois para os empresários do setor da construção, no fim do dia. Segundo um empresário, neste momento, o programa não deverá contar com recursos para as famílias mais pobres, com renda de até R$ 1.600, que praticamente ganham a casa custeada pela União.

Em maio, já tinha sido anunciada uma tesourada de R$ 6,9 bilhões no programa. Na última terça- feira, o ministro das Comunicações, Ricardo Berzoini, afirmou que investimentos em áreas como o MCMV terão de se adequar à realidade orçamentária. Um dia antes, no pronunciamento de Sete de Setembro feito pela internet, a presidente Dilma Rousseff já tinha deixado aberta a possibilidade de programas sociais serem “reavaliados”. Procurado, o Ministério das Cidades, responsável pelo MCMV, não respondeu aos questionamentos do GLOBO.

Na Educação, o Pronatec é o mais afetado. Dos R$ 4 bilhões previstos este ano, R$ 1,7 bilhão, ou 42,35% do total, foi pago até o começo de setembro. O projeto de Orçamento do ano que vem será ainda menor: R$ 1,6 bilhão. Tradicionalmente, o ritmo de execução do Orçamento sobe no fim do ano. Mas, mesmo que isso ocorra, o governo não cumprirá promessa feitas por Dilma na campanha à reeleição. Ela falou em 12 milhões de novas vagas no segundo mandato ( 20152018). Agora, o MEC fala em 1,3 milhão em 2015, e o Plano Plurianual prevê mais 5 milhões entre 2016 e 2019, totalizando 6,3 milhões de vagas em 5 anos.

O Bolsa Família não será afetado pelos cortes, mas, segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, também não será expandido. O orçamento do programa, de R$ 27,69 bilhões em 2015, será de R$ 28,79 bilhões em 2016. A execução do orçamento de 2015 segue o esperado: 65,05% da verba já foram pagos.

O ritmo de execução do Ciência sem Fronteiras, que oferece bolsas de graduação e pós- graduação a estudantes brasileiros no exterior, vai bem. De R$ 4,19 bilhões, mais de dois terços, R$ 2,8 bilhões, já foram pagos. Mas para 2016 o orçamento será reduzido para R$ 2,15 bilhões. O Fies, que financia o curso superior em instituições privadas, não terá cortes. O programa, que teve restrições de verba no primeiro semestre deste ano, recebeu um crédito extra e viu seu orçamento subir de R$ 12,4 bilhões para R$ 16,6 bilhões. Ao todo, R$ 8,98 bilhões já foram pagos. Em 2016, estão previstos R$ 18,2 bilhões ao programa.

O Mais Médicos teve orçamento de R$ 3,02 bilhões em 2015. Já foi pago R$ 1,64 bilhão ( 54,21%). Para 2016, estão previstos R$ 3,3 bilhões. Segundo o Ministério da Saúde, o programa atende 63 milhões de pessoas. A intenção é elevar para 70 milhões até o fim de 2018.

 

Barbosa examina controle de gasto com funcionalismo

 

CRISTIANE JUNGBLUT E FERNANDA KRAKOVICS

 

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, disse ontem que a principal medida do governo para reequilibrar as contas públicas será o controle de gastos.

— O reequilíbrio fiscal envolve medidas em todas as frentes, mas principalmente o controle da despesa — afirmou Barbosa, após reunião com o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), que tem dito que antes de aumentar impostos o governo precisa controlar despesas.

Barbosa destacou duas medidas adotadas pelo governo: uma discussão sobre mudanças nas regras dos benefícios da Previdência e o controle das despesas com funcionalismo. No caso dos servidores, o Orçamento prevê um gasto de R$ 15,9 bilhões com reajustes salariais.

— Estamos propondo uma discussão de Previdência para adotar medidas que vão reduzir o crescimento do gasto no futuro. E estamos com uma proposta de reajuste salarial que mantenha o gasto com servidores sob controle — disse Barbosa.

LEI DAS ESTATAIS

O ministro contou que o motivo do encontro com o presidente do Senado foi discutir o projeto que cria a chamada Lei das Estatais, que foi apresentado por Renan e pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ). Barbosa disse que o governo fez sugestões, e a ideia é adotar regras iguais para compras e gastos das estatais.

— Viemos apresentar nossas sugestões a este projeto que está em linha com o que queremos adotar, que é padronizar a governança e as regras de compra em todas as estatais — disse Barbosa.

Relator- geral do Orçamento, o deputado Ricardo Barros ( PP- PR) vai se reunir hoje com o ministro Joaquim Levy ( Fazenda) para discutir saídas para a previsão de déficit de R$ 30

 

Obama congelou salários de servidores por até três anos

 

Ocongelamento de salários de servidores federais já foi adotado nos Estados Unidos em 2011. No fim do ano anterior, o presidente Barack Obama culpou a crise e o elevado déficit fiscal para manter inalterados por dois anos o vencimento de cerca de dois milhões de servidores, excluindo os militares, para poupar US$ 2 bilhões nos 12 meses seguintes. Segundo informou a Casa Branca à época, a medida geraria economia de US$ 60 bilhões no acumulado em dez anos, e a falta de correção seria uma alternativa menos dolorosa que o corte de vagas — não há estabilidade de emprego para a maior parte dos servidores americanos. O congelamento de salários foi alongado, e parte dos funcionários amargou três anos sem aumento. Neste período, a inflação nos EUA não era tão elevada como a brasileira — que este ano ficará próxima de 10% — e foi diminuindo com os anos: de 3,2% em 2011 para 2,1% em 2012, 1,5% em 2013 e quase o mesmo patamar ( 1,6%) em 2014. Mesmo assim, o congelamento foi o suficiente para aumentar as reclamações: embora a maior parte das categorias não tenha feito greve ( há proibições em alguns contratos de trabalho), críticos ao congelamento alegam que o país viveu um aumento do abandono de emprego público. Em geral, a iniciativa privada paga salários mais altos que o governo americano, e muitos órgãos oficiais tiveram que aumentar as terceirizações, anulando eventuais ganhos orçamentários obtidos com o congelamento de salários. A questão do salário dos servidores federais segue mal resolvida nos EUA. Na atual proposta de orçamento, o governo Obama sugeriu uma alta de 1,3% para os funcionários a partir de janeiro, percentual abaixo da inflação e longe de restituir as perdas do passado. Desde o dia 1 º de setembro, alguns sindicatos de servidores pedem alta de 3,8% em seus salários. Outros optaram pela mobilização direta: “Dê aos funcionários federais que trabalham duro um aumento salarial significativo este ano”, diz o título da petição publicada no “We the People” ( Nós, o povo), plataforma eletrônica da Casa Branca para dar voz à população. Até ontem, a petição contava com 4,9 mil apoios. O temor dessas mobilizações em ano pré- eleitoral é a maior arma dos servidores.