Dilma diz que cortará despesas obrigatórias para alcançar meta

 

O globo, n. 29984, 10//09/2015. País, p. 4

 

Antes da notícia do rebaixamento do Brasil, a presidente Dilma disse ao “Valor Econômico” que vai estabelecer meta de superávit primário de 0,7% do PIB para 2016. Anunciou ainda que pretende cortar gastos obrigatórios e buscar novas fontes de receitas, que incluiriam aumentos ou criação de impostos. O Congresso rejeitou a proposta de elevação do IR que, segundo o ministro Levy, está em estudo no governo. - BRASÍLIA- Em entrevista ao “Valor Econômico”, a presidente Dilma Rousseff afirmou ontem que cumprirá a meta de superávit primário para 2016, estimada em 0,7% do Produto Interno Bruto ( PIB). Para isso, ela pretende enviar propostas ao Congresso, que inclui corte de despesas, inclusive obrigatórias, e aumento de receitas. Na entrevista, a ser publicada hoje, Dilma defendeu o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que, disse, está “trabalhando horrores” pelo país.

Após a repercussão negativa da tentativa do governo de recriar a CPMF, Dilma adotou uma postura mais cautelosa na busca de soluções para cobrir o rombo de R$ 30,5 bilhões no orçamento do ano que vem. Ela tem dito a assessores que todas as propostas de novos impostos que dependem de aprovação do Congresso, como o aumento do Imposto de Renda, serão antes debatidas com os parlamentares.

Há no Congresso forte resistência em aprovar aumento de impostos. Em jantar anteontem, o PMDB decidiu não defender aumento de carga tributária. Ontem, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), disse que o governo está se autodestruindo com sugestões de elevar o Imposto de Renda e recriar a CPMF:

— O governo está se autodestruindo. É um Maquiavel ao contrário: faz mal aos poucos, o que é pior, sem concretizálo. Você ameaça o mal. Isso é de uma falta de inteligência inominável — disse.

Para Cunha, o governo precisa reduzir gastos.

— Sou contra qualquer aumento de impostos. Não há condições de achar que vamos passar esse sinal para a sociedade, enquanto o governo mantém uma máquina ineficiente a custo elevado.

No mesmo tom, o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), disse que a prioridade precisa ser o corte de despesas, e não aumento de tributos. Essa, afirmou, foi a conclusão do encontro de peemedebistas na noite anterior:

— O PMDB não tem uma posição de defesa com relação à necessidade urgente da elevação da carga tributária e do aumento de imposto. Isso é uma coisa que mais adiante pode ser discutida, mas há uma preliminar que é o corte de despesa, a eficiência do gasto público e é isso que precisa, em primeiro lugar, ser colocado.

Líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado ( GO) disse que as medidas pensadas pelo governo não avançarão:

— Na próxima semana, vamos lançar uma frente suprapartidária contra aumento de impostos. Não há o menor clima para aumento de impostos, e as notícias de hoje desqualificam ainda mais o governo — disse Caiado.

O senador Romero Jucá ( PMDB- RR) disse que seu partido decidiu não propor aumento de impostos:

— O PMDB não vai propor e é difícil passar proposta nesse sentido no Congresso — disse.

Líder do PSD, Rogério Rosso ( DF), que integra a base aliada, também criticou o aumento de impostos para enfrentar o déficit nas contas públicas:

— Hoje, o brasileiro já trabalha quatro meses para pagar imposto. Vai trabalhar seis ? Aí fica difícil defender o governo. Com todo respeito ao ministro Levy, mas somos contra. O melhor para o déficit é cortar gastos — afirmou.

 

Carga tributária nas alturas

 

MARCELLO CORRÊA

 

O eventual aumento do Imposto de Renda ( IR) cobrado dos trabalhadores brasileiros, que não está descartado segundo o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, contribuirá para manter o país com uma das mais elevadas cargas tributárias do mundo, de 35,9%. O peso dos impostos e tributos no Brasil supera o da média das 30 nações ricas e emergentes que compõem a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico ( OCDE), que é de 35,5%. Os dados são consolidados de 2013, para que se permita comparação.

Levy argumentou anteontem em Paris que a alíquota de IR no Brasil é inferior à média internacional, considerandose os principais países, o que abriria margem para uma elevação da taxação. Segundo a consultoria KPMG, a alíquota máxima brasileira, de 27,5%, é inferior, por exemplo, ao percentual médio máximo aplicado sobre a renda de trabalhadores de 31 países emergentes, de 29,95%.

Porém, frisa Gilberto Luiz do Amaral, coordenador de pesquisas do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação ( IBPT), a alíquota menor do país se contrapõe à alta carga tributária sobre o consumo, a maior do mundo. Ele não vê razão para se reformar o IR:

— O Brasil optou por tributar mais o consumo, temos a maior carga tributária sobre consumo do mundo. Temos alíquotas que ultrapassam 40%. Sendo um país em desenvolvimento, não tem tanta renda para tributar, mas muito consumo.

José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas ( Ibre/ FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público ( IDP), argumenta que, na prática, quem paga IR no país é a classe média, já bastante afetada pela crise econômica.

— O IR é concentrado em servidores públicos, empregados de instituições. Não adianta aumentar a alíquota sobre quem e o que não está na base de cálculo do imposto — diz ele.

Os trabalhadores de renda muito elevada têm driblado a tributação pelo IR, embora sejam taxados de outras formas. Segundo levantamento do economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, com base em dados da Receita Federal, 87,5% dos rendimentos dos 71 mil contribuintes que receberam mais de 160 salários mínimos em 2013 são isentos ou tributados apenas na fonte. Ou seja, o topo da pirâmide salarial não é afetada por mudanças na tabela do IR.